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O assassinato de Moise Kabagambe e a situação dos imigrantes de origem afrolatina no brasil

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O assassinato de Moise Kabagambe e a situação dos imigrantes de origem afrolatina no brasil

Carla Reita Faria Leal*

Otavio Luiz Garcia Salles de Carvalho*

 

Nas últimas semanas o Brasil foi palco de uma onda de protestos em todo seu território. Movimentos sociais de direitos humanos cobraram das autoridades e da sociedade civil um posicionamento sobre a morte violenta de Moïse Kabagambe, homem negro e imigrante de 24 anos, ocorrida em um quiosque na Barra da Tijuca, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro.

Moïse era refugiado e veio do Congo com sua família para o Brasil no ano de 2014, situação totalmente legalizada. Ele trabalhava em quiosque informalmente (ou melhor, de maneira precária) e, pelo que foi divulgado na imprensa, quando decidiu buscar o valor devido de duas diárias, fora espancado até a morte. O seu corpo encontrado amarrado.

Além da pressão popular, agências internacionais ligadas à Organização das Nações Unidas, como o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados e a Organização Internacional para Migrações, também cobraram do Estado Brasileiro esclarecimentos quanto à morte do jovem.

Segundo a Anistia Internacional, o assassinato de Moïse Kabamgabe é um claro flagrante de violação dos princípios constitucionais e dos acordos e tratados internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é parte. Até o momento, 3 suspeitos foram detidos e responderão por homicídio qualificado.

O caso, apesar de chocante e estarrecedor, escancara uma prática persistente e antiga no Brasil: a perpetuação de um padrão sistemático de violência contra imigrantes negros, ou não brancos, que o país recebe em seu território. A xenofobia e o racismo no Brasil andam lado a lado.

Dados do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), relativos ao período de 2010 a 2020, mostram que houve uma entrada significativa de estrangeiros no Brasil, composta por novos fluxos migratórios, caracterizados principalmente por pessoas vindas de outros países do hemisfério sul, como haitianos e venezuelanos.

O Brasil atualmente conta com uma população de cerca de 1,3 milhão de estrangeiros, mas esse novo perfil do imigrante não agrada a população nativa do país, que preza e valoriza o imigrante branco e de origem europeia e norte-americana em detrimento dos imigrantes negros e latinos advindos da África ou América Latina.

A situação dos imigrantes negros e/ou latinos no Brasil é especialmente difícil. Geralmente vêm para o Brasil buscando melhores condições de vida, mas se deparam com o subemprego (mesmo quando são qualificados) e com a discriminação pela sua raça e sua origem. A ausência de compreensão, ou uma compreensão parcial do idioma, impede que eles tenham acesso e conhecimento dos direitos trabalhistas e dos órgãos de proteção a essa população.

Importante destacar que o imigrante, ainda que indocumentado (vulgarmente chamado de ilegal), possui direitos, dentre eles os trabalhistas, que não podem ser desrespeitados por se encontrar nessa situação migratória.

Assim como Moïse, grande parte dos imigrantes não brancos, que vivem no Brasil atualmente, trabalham de forma precarizada, recebendo aquém do valor devido e sem nenhuma garantia trabalhista.

À título de exemplo, a região metropolitana de São Paulo, estado que mais recebe imigrantes, registrou cerca de 900 casos de redução à condição análoga à de escravo nos últimos dez anos, em sua maioria bolivianos e peruanos, trabalhando principalmente na indústria de confecções.

Para regularizar sua situação enquanto imigrante, a pessoa pode procurar a Polícia Federal ou a Defensoria Pública da União. Nos casos de sentir-se explorado e quiser conhecer mais sobre os direitos trabalhistas, pode procurar o Ministério Público do Trabalho; a Superintendência Regional do Trabalho; os Núcleos de Prática Jurídica das faculdades de Direito; bem como Organizações Não Governamentais que tratam do acolhimento de estrangeiros no Brasil.

É importante lembrar que o Brasil, enquanto nação, foi construído a partir da mão de obra dos imigrantes, de modo que a população deveria, no mínimo, ter uma postura de respeito e de solidariedade com esses. Assim, o assassinato de Moïse é um retrato de que o Estado Brasileiro ainda está muito aquém do ideal no combate à xenofobia e ao racismo, precisando tomar medidas concretas para sua erradicação.

 

*Carla Reita Faria Leal e Otavio Luiz Garcia Salles de Carvalho são membros do Grupo de Pesquisa sobre meio ambiente do trabalho da UFMT, o GPMAT.

 

 

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