Mato Grosso vem sofrendo com altas taxas da hanseníase há décadas e somente nos últimos anos começou a atacar o problema de uma forma mais efetiva. Mas, pelas características da doença, esse atraso significa que sequelas causadas à parte dos doentes não vão ser reparadas.
O silêncio em que a contaminação ocorre mascarou a real frente de combate até para a Organização Mundial da Saúde (OMS). A orientação do órgão era que se reduzisse a taxa para 1 paciente a cada 10 mil habitantes.
Foi descoberto recentemente, entretanto, que a situação crônica da doença vem do longo período em que o bacilo causador fica incubado no corpo humano.
“A transmissão da doença ocorre lentamente. A pessoa que recebe o bacilo via área precisa conviver ao menos 12 horas por dia com o primeiro paciente, por um período mínimo de dois anos, para ser infectada. E depois desse tempo, o bacilo leva até mais três anos para começar a se manifestar nesse novo paciente”, explica a técnica do Programa Estadual de Hanseníase, Rejane Finotti.
Esse longo tempo significa que, quando os sintomas mais graves começam a aparecer, já na fase de formação de sequelas, o bacilo está incubado há pelo menos 10 anos. E pelas análises de saúde pública, as chances de um paciente, que só procura tratamento nessa fase, ter infectado outras pessoas é grande.
“A mancha insensível que aparece é sinal de que o bacilo da hanseníase está naquele local. E quando ele aparece dessa forma, já há uma quantidade elevada concentrada naquela região do corpo, apesar de ainda estar na fase inicial da doença”, diz Rejane Finotti.
Se considerada a média brasileira, de quatro pessoas por família, um paciente de hanseníase já em fase de sequelas físicas infectou, pelo menos, os outros três parentes e todos devem ter acompanhamento médico por até cinco anos.
Carga da doença
A técnica de saúde Rejane Finotti diz que o controle da doença é, hoje, feito com pacientes considerados carga da hanseníase. São pessoas abaixo de 15 anos com o bacilo incubado e aquelas que já apresentam sequelas físicas, que são tratadas como pacientes de longa data.
Em 2019, esses grupos representaram 9% do total de novos casos registrados até novembro. O fechamento do balanço anual é feito em março.
São 175 crianças (com menos de 15 anos) e 200 pessoas com sequela.
“São números baixos, em comparação com outros Estados, mas enquanto não tivermos controle da doença nesses dois grupos, não vamos conseguir controlar a doença no público geral, ou seja, incluindo os pacientes em fase mais recente”, diz Finotti.
Ela ressalta que a hanseníase é curável e é adquirida por causa da baixa imunidade das pessoas. Esse quadro, associado à lentidão da ação do bacilo, gera o complicador para o acompanhamento da saúde pública.
“Ainda existe muito preconceito contra a hanseníase, porque ela é associada à antiga lepra. Mas é uma doença curável e, quanto mais cedo o paciente procurar ajuda médica, menor vai ser o tempo de tratamento e chances de novas contaminações”.
Quadro de uma década
Mato Grosso é o Estado com maior índice de hanseníase no Centro Oeste, conforme balanço da OMS. Nos últimos 10 anos (1999-2018), o Estado registrou 63.779 ocorrências. O último balanço foi divulgado em janeiro deste ano.
A taxa de casos descobertos em 2017 foi de 105,2 para cada 100 mil pessoas, cerca de 10 casos para 10 mil pessoas, o que é bem acima da média de 1 para 10 mil que a OMS considera como status de doença controlada.
Em 2014, ano em que o Ministério da Saúde já alertava para o alto índice de contaminação, a taxa estava em 7,9 casos para cada 100 mil habitantes.
Os vizinhos no Centro Oeste estavam bem abaixo: Mato Grosso do Sul (3,58) e Distrito Federal (0,91) foram as unidades federativas que apareceram na lista.
Pelo novo levantamento divulgado em janeiro, os 63.779 casos em Mato Grosso correspondem 8,3% de todo território nacional. O Brasil é o segundo país com mais casos dessa doença no mundo.