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“Nós estamos desistindo”, diz dono de loja alvo de bandidos na quarentena

Aos 70 anos, o comerciante Fernando Hirano diz estar desistindo do comércio após a pandemia e o furto de sua loja

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“Nós estamos desistindo”, diz dono de loja alvo de bandidos na quarentena
Imagem Ilustrativa (Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

Durante os 65 dias – divididos em dois períodos – em que o comércio de Cuiabá foi obrigado a ficar fechado, a Polícia Militar reforçou o policiamento no Centro da Capital mato-grossense. Ainda assim, ao todo foram registrados 121 furtos na região e 35 roubos.

Desses, 10 roubos e 17 furtos foram no Centro Sul no primeiro fechamento, entre os dias 23 e 26 de abril, e sete roubos e 39 furtos no Centro Norte. Um total de 17 roubos na região central nesse período e 56 furtos.

Uma dessas vítimas foi Fernando Tutomu Hirano, de 70 anos, dono da loja de música Metal Gradiente, uma das mais tradicionais da cidade.

Os ladrões entraram na loja de Fernando logo no início do primeiro fechamento do comércio, no dia 25 de março. Quando ele chegou na loja, já percebeu a falta de alguns produtos na prateleira, viu que as câmeras de segurança estavam quebradas e saiu, por medo de que os ladrões ainda estivessem dentro do estabelecimento.

Ele acionou a polícia e logo uma viatura da PM foi até o local e entrou na loja para verificar se havia alguém. O estabelecimento, no entanto, já estava vazio.

A loja foi revirada e diversos instrumentos e equipamentos de som foram furtados, como mesas de som e mixer, caixas de som, fones de ouvido, violões, guitarras, contrabaixo e caixas de som.

Os funcionários estavam dispensados desde o dia 21 de março, devido o decreto municipal por causa do coronavírus, e, por isso, a princípio, o dono da loja nem conseguiu confirmar tudo que havia sido levado.

Além do furto, os ladrões ainda danificaram todo o equipamento de segurança da loja, câmeras, alarme e circuito interno, cortaram praticamento todos os fios do monitoramento de imagens, e levaram o DVR com HD de armazenamento de imagem.

A loja teve parte do estoque de instrumentos furtados (Foto: Google Maps)

Cinco meses depois do furto, Fernando Tutomo Hirano contou ao LIVRE que não recuperou nada do que foi furtado. A princípio, ele até tentou, junto à polícia, investigar o caso, mas recebeu ameaças e preferiu desistir da investigação e preservar sua segurança.

“Só sei que tinha um pessoal do Comando Vermelho envolvido na situação. Se prosseguisse [tentando recuperar], ia correr outro risco”, lamentou.

Além do grande prejuízo com os equipamentos, o empresário teve que refazer todo o sistema de segurança da loja, além de corrigir outros danos – como o do local por onde os ladrões entraram, no telhado. Isso com o comércio sem poder abrir.

Todo esse prejuízo, somado à pandemia e ao fechamento obrigatório do comércio, fez com que Fernando tivesse que demitir ao menos metade dos funcionários – e optasse por não comprar novamente os itens roubados para refazer o estoque.

“Com a pandemia nós desistimos. Nós estamos desistindo. Por enquanto não vamos fechar a loja, porque nós temos estoque para desfazer, mas esse país aqui é muito complicado. Você tem que pagar os impostos tudo certinho, as contas, mas a gente não tem segurança. É o Brasil”, resumiu.

Ele acredita que um dos motivos que chamou a atenção dos ladrões e os atraiu para o furto em março foi o fato de a loja estar fechada por causa do decreto municipal.

“Porque eu vi muitos outros estabelecimentos que aconteceram a mesma coisa, entraram em outras lojas também, inclusive em outras regiões”, afirmou.

À época, músicos se solidarizaram e fizeram uma campanha para que ninguém de Cuiabá comprasse os instrumentos roubados. Fernando, no entanto, disse que não pôde se envolver na campanha por causa das ameaças que sofreu.

“Resolvemos ficar quietos, calados”.

Reabertura e novo decreto

No dia 27 de abril, com um novo decreto o comércio voltou a abrir. Mas, dois meses depois, no dia 26 de junho, a quarentena obrigatória tornou a fechar todo o comércio da área central de Cuiabá.

Foram mais 30 dias de fechamento. Nesse período, sete lojas foram roubadas no Centro Norte de Cuiabá e 29 foram furtadas. Além disso, 11 foram roubadas no Centro Sul e 36 foram furtadas. Um total de 18 roubos e 65 furtos na região central nesse período.

Na madrugada do dia 28 de abril, por exemplo, às 3 horas, uma loja da Rua Antônio João, no Centro Norte, teve o vidro quebrado por um homem, que tentava furtar produtos da vitrine da loja, mas ele acabou não conseguindo levar nada. Mas o dono da loja ficou com o prejuízo do dano causado pelo bandido.

No mesmo dia, já à noite, por volta das 23h40, dois homens furtaram duas câmeras de monitoramento que ficavam na fachada de uma ótica na Avenida Getúlio Vargas, no Centro-Sul de Cuiabá.

Pouco depois, à 0h15, uma farmácia na Avenida General Melo, no Centro-Norte de Cuiabá, foi alvo de um arrombamento e de uma tentativa de furto.

A Polícia Militar foi acionada pelo funcionário da empresa de monitoramento, que, por sua vez, foi chamado quando o alarme disparou e ele encontrou um homem, que usava uma tornozeleira eletrônica, no local.

A princípio, o suspeito fugiu. Mas ele logo foi encontrado pela polícia e reconhecido pelo guarda. A loja, por fim, também só ficou com o dano na porta de entrada.

Policiamento x usuários de drogas

Durante os períodos em que o comércio esteve fechado, a Polícia Militar aumentou o policiamento na região central durante a noite. Afinal, apesar de o movimento diurno ser menor e dos furtos pequenos em lojas, como de roupas, desodorantes e chocolates diminuírem, os arrombamentos poderiam aumentar e a PM queria impedi-los.

“Intensificamos as abordagens aos moradores de rua, aos usuários de entorpecentes, que transitam ali pela região central, de uma forma que a gente conseguiu manter os números de arrombamentos dentro da normalidade. Infelizmente, enquanto não tivermos políticas sociais voltadas para esses moradores de rua, vai continuar tendo isso a vida toda. E a quantidade de roubos e furtos diminuiu drasticamente, devido às lojas estarem fechadas”, disse o tenente-coronel Correia Júnior.

O tenente-coronel é comandante da 21ª Companhia Independente de Polícia Militar, localizada no Centro de Cuiabá, e, para ele, os grandes problemas da região central da capital mato-grossense são os usuários usuários de drogas e os moradores de rua.

“O morador de rua, por si só, ele não causa tanto dano à sociedade e ao patrimônio comum e particular. Agora o dependente químico acaba praticando alguns furtos, que o prejuízo para levar o bem é muito maior do que às vezes o bem que ele subtrai. Às vezes, para levar fio de cobre ele arrebenta toda uma loja e causa um prejuízo muito maior do que o valor do que foi subtraído”, disse.

O tenente-coronel Correia Júnior é comandante da 21ªCIPM, no Centro de Cuiabá

Ele lembrou que a Polícia Militar está com parceira com o desembargador Mário Kono, a Comunidade Paraíso e a Prefeitura de Cuiabá, para tentar realizar o resgate e a retirada dos moradores de rua da região central, em especial os usuários de drogas.

“Porque, quando se fala da região central, a gente tem que lembrar que tem que ter um trabalho não só da polícia; tem que ter outros organismos ali dentro que precisam nos auxiliar”, afirmou.

Durante a pandemia, a prefeitura chegou a alugar o Hotel Mato Grosso, na Rua Joaquim Murtinho, para abrigar os moradores de rua. Porém, segundo o tenente-coronel Correia Júnior, o local e as redondezas acabaram se tornando ponto de ocorrências policiais, principalmente no início da noite.

“Ponto de tráfico de drogas, de prostituição, de brigas. Se a gente puxar os boletins de ocorrência, nesse período da pandemia nós tivemos pelo menos umas quatro/cinco ocorrências por semana lá dentro”, disse o tenente-coronel.

Com a reabertura das lojas no dia 27 de julho, o policiamento diurno tem aumentado aos poucos, visando a atender às lojas e às pessoas que estão transitando pela região central. A preocupação com os possíveis arrombamentos, porém, fez com que a Polícia Militar continuasse mais atenta ao período noturno.

“Ainda estamos atentos com a situação da parte da noite, porque, apesar de o comércio ter voltado, várias lojas ainda não voltaram com todo gás, então a gente está acompanhando essa retomada. E várias lojas que estavam em pleno funcionamento, com a pandemia fecharam, e isso acaba propiciando um ambiente vago e esses moradores de rua acabam arrombando e ocupando esses lugares vazios”, disse o tenente-coronel.

(Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

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