Mato Grosso

“Não pagar impostos parece ser parte da cultura mato-grossense”, diz procurador

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“Não pagar impostos parece ser parte da cultura mato-grossense”, diz procurador
(Foto: Ednilson Aguiar/O Livre)

Em 04 de abril de 2018, mais de 800 mil dívidas de IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) estavam em atraso no Estado. Atuando na Procuradoria Geral do Estado (PGE), o sub-procurador fiscal Luiz Alexandre Combat de Faria Tavares diz que a inadimplência chega a níveis assustadores em Mato Grosso.

“A inadimplência do IPVA no Estado é assombrosa, parece que faz parte da cultura mato-grossense não cumprir com o dever fundamental de pagar tributos”, disse. Com a dívida ativa na casa R$ 36 bilhões, a PGE tem buscado cobrar os inadimplentes por meio dos cartórios de Protesto e de negativação dos devedores.

Em entrevista ao LIVRE, o procurador Luiz Combat também falou sobre incentivos fiscais. Ao todo, 99% dos descontos em impostos dados a empresas tiveram convalidação no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) entre os meses de março e abril, em uma ação da Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz).

Combat avaliou que a medida trouxe segurança jurídica para as empresas e que indícios de pagamento de propina, como aqueles presentes na delação premiada do ex-governador Silval Barbosa, para a aprovação de incentivos deverão ser questionados de maneira autônoma.

O Livre: Recentemente, a Sefaz anunciou que 99% dos incentivos fiscais a empresas de Mato Grosso foram convalidados. Como o senhor enxerga a importância disto para a segurança jurídica dos incentivos?

Procurador Luiz Combat: Essa convalidação para a segurança jurídica é fundamental. O quê acontece? Se não houvesse essa convalidação, toda a sistemática, todo o benefício concedido, poderia ser questionado e as empresas poderiam vir a ter que pagar o ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] que deixaram de recolher em virtude do benefício, de forma retroativa. Então, isso geraria um caos e uma insegurança generalizada do âmbito empresarial mato-grossense.

OL: Algumas das leis que concedem incentivos fiscais às empresas no Estado são questionadas. Temos ao menos três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) contra leis para setores como o de Atacados. É questionado o fato de essas leis não terem passado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Isso altera de alguma forma essas ações, que correm no Supremo Tribunal Federal (STF)?

LC: Sem dúvida nenhuma. Quem está convalidando é o próprio Confaz, com base na Lei Complementar 151 e convênio 190 de 2017, que convalida os benefícios fiscais concedidos sem a prévia anuência do Confaz. Então, se a alegação das ADI é exatamente a falta de anuência do Confaz, agora ele está anuindo em um momento posterior.

OL: As ADI vão ser extintas?

LC: Elas podem ser questionadas se perderam o objeto. Não sei como vai ser o trâmite de cada uma, mas isso já compete ao Poder Judiciário decidir.

OL: A PGE pretende acionar algum mecanismo com relação a isto?

LC: Não sei qual é a situação de cada uma delas, mas vamos analisar a possibilidade de recurso por perda do objeto.

(Foto: Ednilson Aguiar/O Livre)

OL: Ainda com relação às leis, o ex-governador Silval Barbosa citou em sua delação premiada a concessão de incentivos mediante a cobrança de propina. Mesmo com a convalidação, isto não poderia ser questionado mais à frente?

LC: Aí haveria um vício, uma motivação, na concessão desses benefícios, o que depende de uma comprovação judicial de que realmente esse benefício foi concedido por motivos torpes. Eles em si, o conteúdo material dos benefícios não tem nada de equivocado, inclusive com a própria convalidação do Confaz. Se por acaso houver outro vício que torne a lei inconstitucional, isso poderá ser questionado de uma forma totalmente autônoma. Uma coisa não depende da outra.

OL: Mato Grosso tem tido valores altos de dívida ativa. Qual é o valor atualmente e como está o trabalho da PGE para receber estes valores?

LC: O valor global está em R$ 36 bilhões. Uma notícia excelente é que a cada mês nós estamos incrementando a arrecadação. Nós tivemos, neste primeiro trimestre, uma arrecadação que superou os R$ 50 milhões. Para se ter uma ideia, em 2015 inteiro a gente arrecadou R$ 65 milhões. Ou seja, nós temos uma expectativa de arrecadação quatro vezes maior em relação a 2015. Isso sem falar de eventuais entradas excepcionais, como algumas que estão em negociação no Cira (Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos). Então, nós temos uma expectativa muito positiva de arrecadação neste ano, muito por conta da cobrança do IPVA. Nós temos mais de 840 mil dívidas de IPVA em atraso. A inadimplência do IPVA no Estado é assombrosa, parece que faz parte da cultura mato-grossense não cumprir com o dever fundamental de pagar tributos. Isso é um dever, né? Cada pessoa tem o dever de contribuir um pouco com as políticas sociais do governo. E aqui, essa cultura não existe, ao menos em relação ao IPVA. Mas sem dúvida isso vai ser mudado, porque as pessoas vão sentir que precisam estar em dia com o IPVA. Minha expectativa é de arrecadar mais de R$ 100 milhões esse ano, somente com este imposto. Para isto, nós estamos focados na cobrança extrajudicial, por meio de Protesto e de negativação dos devedores.

OL: A PGE também trabalha de maneira integrada contra a sonegação de impostos. Recentemente tivemos a Operação Crédito Podre, com participação da PGE. Como foi feito o trabalho neste caso?

LC: O trabalho específico contra fraudes estruturadas, quando se fala da Operação Crédito Podre, tem sido feito em parceria com a Delegacia Fazendária (Defaz) e o Ministério Público Estadual (MPE), principalmente por meio do Cira. Há reuniões periódicas em que nós contribuímos com algumas informações às quais nós temos acesso. Nós temos algumas informações que o próprio MPE não tem, como cadastro de contribuintes. E a própria Sefaz auxilia bastante. É uma união de esforços que foi indispensável para viabilizar uma operação desse porte. Acho que o papel da PGE dá uma sustentação jurídica para as ações. O compartilhamento de informações fiscais entre a Sefaz, Delegacia Fazendária e Ministério Público é um objeto que, o parecer é da PGE… Existe um parecer que está saindo do forno e em breve dará sustentação para mais ações nesse sentido.

OL: E como é feito este trabalho para evitar a sonegação? Antes também tivemos o caso da Soja-Papel…

LC: A Operação Crédito Podre foi a identificação de sucessores dessa operação Soja-Papel. Eles migraram… Os sonegadores têm mecanismos para driblar a fiscalização e foi isso que a gente observou. Basicamente foi a criação de empresas laranjas que eram criadas para durar pouco tempo. Elas surgiam, negavam a opção pelo diferimento, que é a opção óbvia para o mercado, ninguém quer pagar imposto antecipadamente se tem a opção de pagar depois. Mas elas optavam por pagar naquele momento, só que não pagavam de fato. Destacavam o ICMS e geravam um crédito para a empresa que recepcionava, em tese, aquela mercadoria. Daí surgiu o crédito podre. Apesar de estar destacado o ICMS, não havia pagamento. Quando a gente ia cobrar, a empresa não tinha patrimônio, então a gente não tinha como cobrar dela. Depois, a gente identificava ela como devedora, a situação ficava insustentável e ela fechava as portas na Jucemat. Depois disso, eles abriam outra empresa.

OL: Com relação ao Cira, existe expectativa de recuperação de recursos para 2018?

LC: Há expectativa de retorno sim, sem dúvida. São negociações que ainda estão em tratativas, então não posso entrar em mais detalhes porque pode prejudicar a nossa atuação lá, mas há expectativa de retorno. O Cira mato-grossense é o que, especialmente se for tratado em termos proporcionais, tem o maior resultado no Brasil. No ano passado ele superou a marca de R$ 500 milhões recuperados, enquanto o Cira de Minas Gerais recuperou algo em torno de R$ 140 milhões. Então, é um resultado muito expressivo.

OL: Existe uma previsão de valor a ser recuperado?

LC: É complexo, mas a gente pode falar em mais de R$ 1 bilhão, em uma perspectiva mais otimista. Se no ano passado foi de R$ 500 milhões, temos uma expectativa, sim, de dobrar essa recuperação em 2018.

Infelizmente a gente tem um histórico de concessão de benefícios de forma irregular. Tratando não de atos normativos, mas de benefícios pontuais, específicos. Benefícios que foram fraudulentamente concedidos. Em gestões passadas isso foi uma constante e que, infelizmente, por conta dessas situações, o trabalho do Cira é até de certa forma facilitado. São tantas situações que a gente tem para solucionar que, por isso também, a arrecadação do Cira é potencializada.

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