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“Não existe a possibilidade de um advogado passar um instrumento para o preso”, diz presidente da OAB

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“Não existe a possibilidade de um advogado passar um instrumento para o preso”, diz presidente da OAB

Eleito presidente da seccional da OAB de Mato Grosso em novembro de 2015, Leonardo Pio da Silva Campos, 38 anos, assumiu, ainda durante a campanha, o compromisso de defender com vigor a categoria. Há três semanas, a promessa foi explicitada em uma nota na qual Campos rechaçou a possibilidade de advogados servirem de instrumento do crime para levar telefones celulares para dentro de presídios. Segundo ele, dos 23 mil associados da OAB-MT, cerca de 2,5 mil respondem a processos administrativos no Tribunal de Ética e Disciplina da entidade – dos quais “nem cinco” respondem por tentativa de ingresso em presídios com armas, drogas ou telefones celulares.

A nota divulgada por Campos foi uma resposta ao comentário do diretor do LIVRE, Augusto Nunes, durante o programa que exibiu, na Band Mato Grosso, a entrevista com o secretário de Segurança Pública Rogers Jarbas. “O que espera o Estado brasileiro para impedir a entrada de armas e celulares nos presídios, com a instituição do bloqueio da comunicação por celular e com a revista dos advogados? Porque são eles que levam isso para dentro do presídio, evidentemente”, afirmou Augusto Nunes, na ocasião. “A gente fecha os olhos para uma obviedade. Por que não se faz isso e acaba com esse negócio de o preso controlar a movimentação criminosa fora da cadeia?”

Para Campos, que deve presidir a OAB até o fim de 2018, a ocorrência de casos do tipo no passado não é significativa. Nesta entrevista, ele avalia a polêmica com Augusto Nunes e rejeita o fato de advogados terem contribuído com o crime: “Não existe a possibilidade de um advogado passar um instrumento para o preso”. Confira.

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Se o senhor pudesse eleger um tipo de infração mais comum cometida por advogados, qual seria?
Temos diversas situações, que vão desde a perda de eventual prazo, apropriação de valores de clientes, imprudência, negligência, e aí a vertente se abre nos termos do nosso estatuto. Não tenho esse dado exato em mãos, porque esse é um levantamento que o Tribunal de Ética está terminando e vai me passar. Com esses números vamos conseguir desenvolver uma estatística de quais são as infrações mais frequentes cometidas pelos advogados.

O jornalista Augusto Nunes disse, na entrevista com o secretário de Segurança Pública Rogers Jarbas, que muitas vezes são advogados que levam celulares para dentro de presídios. Depois, o senhor divulgou uma nota rebatendo a fala e o Augusto controverteu a nota com um artigo. Como o senhor recebeu essa história toda?
Recebi com um misto de tristeza, decepção e espanto, por ter vindo de um jornalista extremamente conceituado e bem informado, de renome nacional. Porque essa informação não corresponde à realidade. Primeiro que a Ordem, desde sua história constitucional, enquanto advogada da sociedade civil organizada e defensora da liberdade de imprensa no regime ditatorial, não permite a generalização. E o Augusto, com todas as vênias, respeito e admiração que tenho pelo seu trabalho profissional, generalizou a situação dizendo que os advogados são responsáveis pela entrada de armas, drogas ou celulares num presídio. Se admitirmos que advogados se sujeitam a isso, eles representam um número mínimo, irrisório. Segundo: aqueles que se sujeitam a esse tipo de situação estão a serviço do crime e não podem ser tratados como advogados. Quando vou ao presídio não levo celular, não sirvo de instrumento para levar recado para preso, e assim é a maioria esmagadora da advocacia do nosso Estado. Em Mato Grosso, tivemos noticiado na imprensa dois casos. No Tribunal de Ética, dos 2500 casos não temos cinco com essa tipificação.

O senhor concorda que muitas vezes o advogado é forçado pelo cliente, que pode pertencer a alguma facção, a obedecer a pedidos para que leve algo para dentro do presídio?
Não posso admitir essa máxima, porque uma primeira postura do advogado é ter uma relação de confiança com o cliente. Em hipótese alguma você pode confundir a figura do denunciado com a o advogado. É comum no dia-a-dia, o advogado ter uma linha de defesa ou uma tese de atuação contrária ao pensamento do cliente. Estando a serviço do crime, quer como porta-voz, quer levando instrumentos, drogas, armas, ou um simples recado de uma organização criminosa, ele sai da condição de advogado e passa a ser um criminoso.

Então o senhor concorda que isso acontece no Brasil, advogados muitas vezes levam objetos proibidos para dentro dos presídios?
Não posso afirmar que existe. Advogados que levam eventualmente algo para dentro dos presídios não são advogados, estão ali a serviço do crime, têm que ser tratados como criminosos.

Mas advogados que têm a carteira da OAB acabam introduzindo esses objetos em presídios. O senhor concorda com isso?
Não aceito essa máxima por um simples fato: não existe a possibilidade do advogado passar um instrumento para o preso. Nos presídios onde há parlatório, nem caneta passa pelo vidro, no máximo uma folha de papel para ele assinar, como uma procuração, por exemplo. Agora estamos trabalhando com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos a possibilidade de podermos passar um iPad, porque hoje os processos são virtuais. Além disso, antes de chegar ao parlatório, o advogado passa por um detector de metal e, onde não há isso, o preso está de bermuda, chinelo e camiseta. Após a conversa reservada com o advogado, basta uma revista no preso que você vai detectar algum instrumento que possa ser levado. Em Mato Grosso, há dois casos de advogados que tentaram levar algo para dentro de presídio em quase 85 anos de história da OAB.

Em novembro de 2014, um advogado tentou entrar com seis celulares na penitenciária Major Eldo Sá Corrêa, em Rondonópolis. Ele foi flagrado e levado para a delegacia, acompanhado pelo presidente da OAB da região, e depois liberado. A OAB disse à época que foi instaurado um processo administrativo contra ele. O que aconteceu com esse advogado e onde ele está hoje?
Não tenho essa informação. Os processos que tramitam no Tribunal de Ética e no sistema OAB estão sob sigilo, não tenho acesso. Só terei quando eventual recurso chegar ao Conselho Seccional para ser julgado. Como esse caso é de 2014, não sei se ainda está tramitando no Tribunal de Ética ou se já em grau de recurso para o Conselho Federal.

A nota em resposta às palavras do jornalista Augusto Nunes foi algo que partiu intrinsecamente do senhor ou foi uma pressão da categoria para que houvesse uma reação por parte da OAB?
Partiu da nossa postura à frente da instituição. Não vamos admitir a generalização nem que sejam colocados numa vala comum a imensa maioria dos advogados que são laboriosos, guerreiros, diligentes e defendem o cidadão no seu direito mais fundamental, que é o à ampla defesa e ao contraditório. Foi uma reação quase instintiva que partiu de mim e obviamente ganhou apoio da imensa maioria da classe que se sentiu atingida.

Na sua opinião, como celulares e drogas entram em presídios?
Essa resposta deveria ser dada pelas autoridades. A nossa comissão de Direito Carcerário tem feito, nesse mutirão carcerário deflagrado pela presidente do Supremo Tribunal Federal, um espetáculo de trabalho que une Defensoria, Ministério Público, Poder Judiciário e OAB. O Estado brasileiro negligenciou tanto essa pauta que parece que terceirizou a administração da porta da cadeia para dentro às facções criminosas.

Mas como o senhor acha que objetos entram em presídios? É por meio de agentes penitenciários, família do preso, advogado?
Essa resposta que precisamos ter. Não posso generalizar. Como não estou presente na sistemática do dia-a-dia, foi uma das determinações que dei à nossa comissão: nós precisamos cobrar das autoridades públicas estaduais e federais que tratem a pauta do sistema prisional como prioridade, porque é inconcebível termos um Estado que perdeu o controle dentro do seu próprio território. Não podemos admitir facções criminosas dando ordem de dentro da cadeia e gerando reflexos em mais de um milhão de pessoas de bem, como foi o caso de Natal. É preciso identificar os pontos: como o celular entra? Como a droga entra? É facilitação? São os agentes prisionais? O Estado parece que, ao encarcerar, deixa o cidadão e o sistema prisional esquecidos.

O secretário Rogers Jarbas, de Segurança Pública, disse recentemente que não há nenhuma facção que predomina em Mato Grosso. Segundo ele, quem predomina em Mato Grosso é a Segurança Pública. O senhor concorda?
A sensação de insegurança pela qual passa a sociedade demonstra que essa afirmação vai de encontro a um sentimento oposto. Quero dar um voto de confiança ao secretário e acreditar que o sistema prisional em Mato Grosso está sob controle. Mas o que vimos nos relatórios do Poder Judiciário e dos mutirões carcerários é que esse controle se dá da porta para fora. Da porta para dentro dos presídios, o domínio ainda é das facções criminosas. Temos, como em outras grandes cidades, uma violência em índices alarmantes e crescentes e uma polícia mal remunerada e em número insuficiente.

Como essa pauta inclui os advogados?
O advogado é uma das principais vozes para discutir o sistema prisional, porque ele lida diretamente com o sistema prisional e, portanto, tem a experiência prática do que funciona e do que não funciona. A boa experiência das audiências de custódia, por exemplo, tem produzido resultados extremamente satisfatórios.

A OAB vai manter a ação contra o Augusto Nunes?
Até agora não há motivos para retirá-la. Além disso, será uma oportunidade para ele nos fornecer nomes para que possamos investigar. Da minha parte, entretanto, admiro muito o trabalho dele como jornalista.

 

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