Valerio de Oliveira Mazzuoli

Professor-associado da Faculdade de Direito da UFMT. Doutor summa cum laude em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professor dos Programas de Mestrado e Doutorado da Universidade de Itaúna – UIT. Membro-consultor da Comissão Especial de Direito Internacional do Conselho Federal da OAB.

O Projeto de Decreto Legislativo nº 177/2021, de autoria do Deputado Federal Alceu Moreira (MDB/RS), pretende autorizar o Presidente da República a denunciar a importante Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, que é um texto fundamental sobre direitos dos povos indígenas e tribais em nível global, do qual o Brasil é parte desde 25 de julho de 2002.

A Convenção nº 169 se aplica a povos considerados indígenas em países independentes, cujos habitantes descendem de povos que habitavam o país ou uma região geográfica pertencente ao país na época da conquista ou da colonização ou do estabelecimento das atuais fronteiras estatais e que, seja qual for a sua situação jurídica, conservam todas as suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas, ou parte delas. O tratado também determina que a consciência da identidade indígena ou tribal deva ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da Convenção.

A justificativa do Projeto de Decreto Legislativo nº 177/2021 é, primeiro, a de que “o documento jurídico internacional em questão não supera a nossa Constituição, tornando-o supérfluo” (o que não é verdade). Depois, a justificativa entende que “a restrição de acesso do Poder Público e dos particulares nas terras indígenas sem o consentimento desses indivíduos, assim como o fato de se necessitar de prévia autorização para qualquer ação governamental na Terra Indígena, acaba por inviabilizar o projeto de crescimento do Brasil”. O texto conclui dizendo que “diante dos inconvenientes causados pela Convenção 169 da OIT e da já protetiva legislação brasileira sobre os direitos indígenas, notadamente o art. 231 da Constituição da República e a Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio), verifica-se a desnecessidade da mencionada Convenção no ordenamento jurídico brasileiro dada a suficiência da legislação nacional”.

Como se pode notar com total clareza, é inaceitável a justificativa do referido Projeto de Decreto Legislativo pelo qual se pretende autorizar o Chefe do Executivo a desengajar o Brasil desse importante tratado internacional de proteção dos direitos dos povos indígenas e tribais, sob a justificativa de que o investimento em infraestrutura e a atração de investimentos se sobrepõem às garantias internacionais previstas na Convenção nº 169 da OIT. A justificativa do Projeto, como se vê, pretende criar a atmosfera ilusória de que as garantias previstas na Convenção são supérfluas à luz da Constituição de 1988. Fossem verdadeiramente supérfluas tais garantias, não se pretenderia denunciar a Convenção como está pretendendo agora um integrante do Parlamento brasileiro.

Tais justificativas, portanto, não fazem transparecer os verdadeiros interesses do Brasil quanto à proteção e garantia de direitos dos povos indígenas, senão apenas interesses políticos escusos por detrás da ideia de “desenvolvimento”. O Brasil, verdadeiramente, tem na proteção dos direitos humanos e dos povos indígenas um potencial ético e transformador, razão pela qual não é intenção do nosso país a denúncia da Convenção nº 169 da OIT. A pretensão de denúncia é, sim, do nosso sistema político, que não reconhece direitos internacionalmente assegurados e pretende, de todas as formas, reduzir direitos historicamente conquistados.

Ainda que a Convenção preveja a renovação de dez em dez anos para a sua denúncia (art. 39) e que a data de 5 de setembro de 2022 seria a mais próxima para levá-la a cabo, certo é que não é interesse do Brasil e sequer da sociedade internacional a subtração de mais direitos aos povos indígenas em nosso país. Os povos indígenas brasileiros, depois de muitas lutas e frustrações, finalmente foram contemplados com a possibilidade (garantia internacional) de conservarem suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas e de terem respeitados o seu estilo de vida tradicional e organização, diferentemente do restante da população do país.

A gana pelo “desenvolvimento” em prejuízo de direitos longamente conquistados não poderá se sobrepor às garantias que o direito internacional dos direitos humanos fez implementar nos Estados-partes da Convenção nº169 da OIT, sob pena de um retrocesso inaceitável às categorias de pessoas protegidas por essa convenção internacional.

É, em suma, princípio geral de Direito aquele segundo o qual é vedado retroceder em matéria de direitos humanos. Que este retrocesso não se implemente em nosso país!

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