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Não deis vossas pérolas aos porcos

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Não deis vossas pérolas aos porcos

Conta-nos Malba Tahan que um rajá deixou em testamento um certo número de pérolas para suas filhas. O conto é uma grande chance de aprender a pensar. Ou, para quem já sabe, de aprender a pensar melhor.

O encontro de professores que querem ensinar e de alunos que querem aprender é uma das etapas mais privilegiadas que a pessoa pode ter na vida. E, por incrível que pareça, estes momentos estão cada vez mais raros. Desperdiçá-los é dar pérolas aos porcos. Tanto o aluno dar atenção a quem não a faz por merecer, como o professor perder seu tempo com quem não quer aprender.
Não faz muito tempo o ofício do professor de Português era ensinar, sobretudo ensinar a pensar. O aluno chegava à escola falando bem e dizia tudo o que queria na língua falada. Faltava-lhe o domínio da leitura e da escrita que, naturalmente, iria melhorar também os atos de ouvir e de falar.

O ofício dos alunos era, pois, aprender. Não apenas ortografia, sinônimos, antônimos, sintaxe, concordância etc., mas aprender lógica, aprender a entender argumentos, aprender a discordar e a concordar. Para esta aprendizagem eram indispensáveis as leituras feitas em sala de aula, em casa, na biblioteca da escola etc.

Um dos autores mais lidos do tempo em que a escola ensinava melhor foi Malba Tahan. Nasceu no Rio, em 1895, e morreu no Recife em 1974. Fazia pouco mais de um mês que completara 79 anos. Era muito lido. Tanto pelos alunos quanto por seus pais, parentes, amigos. É um autor pouco lembrado nos circuitos escolares atuais, mas foi um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos. E ainda hoje é um best-seller.

Ensinou matemática de forma divertida, como na historinha aqui referida, e o fez em 51 livros. Não escrevia só sobre matemática e produziu 69 livros de narrativas curtas, totalizando 120 títulos.

Seu nome era Júlio Cesar de Mello e Sousa. Para criar o pseudônimo que o tornaria famoso estudou a língua e a cultura árabes, construindo um contexto coerente para ambientar suas histórias. Malba Tahan dizia chamar-se Ali Iezid Izz-Edim ibn Salim Hank Malba Tahan. Quer dizer, inventou um nome árabe completo para seu pseudônimo.

No conto As Pérolas do Rajá, um pai deixa pérolas de herança às suas filhas. Determina que a divisão seja feita assim: a mais velha tira uma pérola do recipiente e um sétimo do saldo restante. A segunda deve pegar duas pérolas e um sétimo do restante. A terceira deve tirar três pérolas e um sétimo do que resta. E assim sucessivamente.

Embora as três filhas mais jovens tenham recorrido à Justiça por se sentirem prejudicadas na partilha, um juiz decide que não houve prejuízo para nenhuma das herdeiras.

O problema do leitor ou do aluno era responder a duas singelas perguntas: quantas eram as herdeiras e quantas eram as pérolas?

Em concursos diversos, as respostas erradas que predominaram parecem ter sido respectivamente: 49 pérolas e sete filhas; 42 pérolas e sete filhas; 30 pérolas e seis filhas.

Mas a resposta correta é: são 36 pérolas e seis filhas. Por quê?

Você pode encontrar a resposta por si mesmo e conferir depois para ver se acertou. Mas o melhor de tudo será descobrir ou redescobrir este grande brasileiro e ler alguns de seus deliciosos livros, especialmente O Homem que Calculava.

Deonísio da Silva, da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Brasileira de Filologia, é Doutor em Letras pela USP, professor e Diretor do Instituto da Palavra, na Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro. É autor de dezenas de livros, entre os quais De onde vêm as palavras e Avante, soldados: para trás (Prêmio Internacional Casa de las Américas). Na companhia do jornalista Ricardo Boechat, apresenta Sem Papas na Língua, na Rádio Bandnews Fluminense.

 

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