Qual o lugar mais seguro para se estar: dentro ou fora de casa? Antes é preciso considerar se você é homem ou mulher e as regras sanitárias em função da pandemia de covid-19, por exemplo. Para elas, a resposta pode ser não para os dois lugares.
Há uma explicação. Em 2020, segundo a Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso (Sesp-MT), a Baixada Cuiabana registrou mais casos de violência doméstica do que de roubos.
Considerando o número de boletins de ocorrência registrados, 36 mulheres foram agredidas por dia em Cuiabá e Várzea Grande. Em contraponto, 15 pessoas foram assaltadas, no mesmo intervalo. É quase o dobro.
Ao todo, as duas cidades somam 13.402 casos de violência contra mulheres no ano passado e 5.701 de roubo.
Para Jozirlethe Magalhães Criveletto, titular da Delegacia Especializada de Defesa da Mulher de Cuiabá, os dados de 2020 apontam para uma “pandemia dentro da pandemia”.
“A pandemia trouxe um cenário novo, favorável e totalmente impulsionador da violência para aqueles homens que já eram agressores, uma vez que passaram a estar mais tempo com a vítima e com a possibilidade, inclusive de controlar seu ‘ir e vir’, seus contatos e até o uso de telefone”, diz a delegada.
(Falta de) denúncia e feminicídio
No ano passado, 62 mulheres foram vítimas de feminicídio em Mato Grosso. A tipificação do crime leva em consideração a condição de gênero: a mulher é morta simplesmente por ser mulher.
Desses casos, em 74% o local do assassinato foi a própria residência da vítima. Enquanto isso, 16% das mortes foram em vias públicas.
Apesar do alto número de denúncias, apenas 13% das vítimas já haviam denunciado algum tipo de violência antes de serem assassinadas. Das mulheres mortas em 2020, apenas 10 tinham medida protetiva contra os agressores. O percentual pequeno preocupa o secretário estadual de Segurança Pública, Alexandre Bustamante.
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“Se não tivermos ciência, a Segurança Pública não tem como adivinhar onde serão cometidos os crimes. Por isso, fica o incentivo a toda mulher para que procure uma delegacia a qualquer sinal de violência para tentarmos prevenir o delito e evitar que o pior aconteça”, declara.
Prevenção também é o melhor remédio no entendimento da delegada. “Na forma de empoderamento, a prevenção deve ser melhor trabalhada para que as informações à respeito dos direitos cheguem à todas as mulheres, estando elas na zona urbana ou na zona rural, nas matas e florestas ou nas populações ribeirinhas”, afirma.
Onde está o erro?
Coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher (Nudem), a defensora pública Rosana Leite acredita que o poder público ainda não se deu conta dos males que a violência contra mulher – dentro e fora de casa – causa na sociedade.
“Por que esses delitos não são enfrentados como gostaríamos? As autoridades ainda não se deram conta dos males que a violência contra a mulher causa”, pontua, citando a experiência de conversas com homens e mulheres presos no Estado.
Analisando a atuação como defensora, Rosana afirma que a maioria de detentos e detentas presenciaram ou foram vítima de violência na infância. “Não quero justificar o crime de ninguém, mas esses traumas acabam desaguando na sociedade”, afirma.
Para a defensora, “algo de errado vem acontecendo”. O diagnóstico, é feito com base em uma pesquisa do DataSenado divulgada em 2019, quando a Lei Maria da Penha completou 13 anos. O resultado apontou que 78% das mulheres não denunciariam os companheiros/agressores.
“Pelo visto, as mulheres não acreditam na eficiência da Lei Maria da Penha. Ela [a lei] é citada pela ONU como a terceira do mundo que mais protege as mulheres, a terceira mais elaborada. Logo, estamos errando em alguma situação”, considera.
Parte do problema, segundo a defensora, se corrige quando as mulheres se identificam como vítimas. “O grande desafio é que essas mulheres entendam quando estão em um relacionamento tóxico, abusivo e que essas violências podem culminar em um feminicídio, que é um delito anunciado”.