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Rádio antigo

Cresci ao pé do rádio ouvindo música, notícias, literatura e radioteatro nos distantes anos 1950 no interior de Minas. Ora na cidade ora na pequena fazenda de café da família. Tudo entre serras. E o frio mineiro serrano. Úmido. Geadas. Silêncio de Minas é coisa impressionante!

Meu pai comprou um aparelho de rádio “Standard Electric”, a bateria. Daquelas baterias enormes, que pesavam mais de 10 quilos e duravam até seis meses. Custavam mais caro do que o próprio aparelho de rádio. Não sei de onde meu pai tirou a ideia de comprar o rádio, porque não era da cultura local. Aliás, eu nem conhecia aquilo!

Mas me apaixonei de cara. Comecei escutando uma radionovela épica: “Jerônimo, o Herói do Sertão”, um faroeste caboclo transmitido todos os dias no comecinho da noite pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Depois, às 19 horas, vinha a “Voz do Brasil”, ouvida rigorosamente pela família. Às 20 e 30 vinha o esperadíssimo “Repórter Esso”, “um serviço radiofônico da Esso Standard do Brasil, com as últimas notícias do Brasil e do mundo…”

Depois a famosíssima novela das 8 e meia. Sempre clássicos. As novelas das oito na televisão vieram daí. No mais eu ouvia rádio o tempo inteiro. Adaptações para ao rádio dos clássicos da literatura universal. Futebol nunca gostei. Programas de auditório com seus calouros e a música popular de então. Bons cantores da elite artística. Programas de qualidade com extraordinários apresentadores. O leitor deve estar me achando muito saudosista. Não. Era assim mesmo.

Rádios como a Record e a Nacional de São Paulo arrasavam com a música caipira. Relatavam a crônica e as estórias do café paulista e das fazendas de gado mineiras. Transportes de boiadas… A Nacional do Rio com os clássicos sambas-canção, hinos às dores de cotovelo dos amantes das tragédias amorosas da época. Amar nos anos 1950 era sinônimo de tragédia. Amores não correspondidos, traições tratadas com vingança, com dores eternas. Melodramas infinitos. Marchinhas de carnaval meses seguidos.

Dito tudo isso, chego onde queria chegar. Na música.

Meu avô Zezinho Santana gostava de ouvir os sertanejos caipiras da época. Tirava o seu relógio “ômega ferradura” do bolsinho da calça e dizia: “tá na hora de escutar os caipira”. Todos nos postávamos religiosamente em torno da sua radiola “Philipps” gloriosamente posta sobre o centro da toalha branca, lugar de honra, e ouvíamos os caipiras nas rádios Nacional ou Record de São Paulo. Ali ouvi os primeiros clássicos caipiras de Torres e Florêncio, Cascatinha e Inhana, Mário Zan. Depois todos os outros até chegar nesse horroroso “sertanejo universitário”. Não respeita a pureza do primo distante, nascido num Brasil rural dos anos 1940 em diante. Acabei estudando esse período pra ministrar um curso de pós-graduação sobre música, em Belo Horizonte. Imagina. Em Belo Horizonte! E pra dar aulas de rádio no curso de Jornalismo.

Dia desses estava meio entristecido e de molho em casa depois de um pequena cirurgia na boca. Entrei no youtube, conectei o notebook à TV e comecei ouvir músicas caipiras daqueles anos distantes. Fiquei mais de quatro horas pulando de música em música, selecionando-as uma a uma. Dormi como um anjo. Com a alma lavada e enxaguada pela conexão da alma vivida com a cultura rural e urbana de então.

Daquele tempo, ninguém mais vivo, exceto a minha mãe, dona Júlia. Porém, o espírito de origem e de causa mexeram muito com a minha alma vivida de tantos anos. Pude reconstruir pedaços da minha história pessoal e familiar e conectá-los com esse Brasil tão desmemoriado e sem causa. Dormi bem. Sonhei. Revi. Revivi. Na limitação de então éramos felizes. Hoje com tantos meios e facilidades seria mais fácil sermos felizes.

Penso que ainda seremos felizes assim que encontrarmos a afinação perdida dessa toada chamada Brasil que perdeu o tom. Tom se acha de novo…Tocadores também!

Assinatura Coluna Onofre

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