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Múltiplas jornadas e uma “rede” de auxílio feminina: a realidade de 88 milhões de mulheres no Brasil

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Múltiplas jornadas e uma “rede” de auxílio feminina: a realidade de 88 milhões de mulheres no Brasil
(Foto: Ednilson Aguiar / arquivo / O Livre)

Acumular a rotina dos afazeres domésticos com o trabalho fora de casa e ter uma “rede” de auxílio formada, quase sempre, exclusivamente por outras mulheres. Esse é ponto em comum nas vidas de Patrícia Silva Barros Matos, 33 anos, formada em Medicina, e de Avanete Pereira Sobrinho Aniceto, 47 anos, que trabalha desde os 12. Também une elas a outras 88,2 milhões de brasileiras, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Patrícia acorda todos os dias às 5h da manhã, junto ao marido Pedro Leonardo, 29 anos, e o filho João Pedro, de apenas 1 aninho, para dar início à rotina de médica, mãe e esposa. Ela parte direto para o trabalho, enquanto ele deixa o bebê na casa da mãe, dona de casa, para também trabalhar.

Durante quatro dias da semana, Patrícia atende urgências e emergências em uma empresa privada de UTI móvel, onde trabalha durante 12 horas. Nos outros dois dias, trabalha em uma empresa especializada em Medicina do Trabalho.

Ela ainda busca o pequeno João no fim do dia, quando a jornada de mãe e esposa se intensifica – já que o companheiro estuda no período noturno. Um sábado ou domingo, ela tira para descansar ou até se dedicar ainda mais à família.

Patrícia faz parte da estatística de mulheres que, mesmo empregadas – no caso dela, em mais um de uma função, com ensino superior e bem remunerada –, realizam dupla e até tripla jornada no Brasil, muitas vezes associada à maternidade.

Pedro, João e Patrícia (Foto: Arquivo Pessoal)

De acordo com dados do IBGE de 2017, as mulheres trabalham 20,9 horas semanais em afazeres domésticos e no cuidado de pessoas, quase o dobro das 10,8 horas dedicadas pelos homens. Entre os 88,2 milhões de mulheres de 14 anos ou mais, 92,6% delas fizeram essas duas atividades no ano retrasado, uma leve alta frente aos 90,6% de 2016.

Avanete começa o dia no mesmo horário. Hoje funcionária do Sistema Federação das Indústrias de Mato Grosso, ela começou fazendo serviços de limpeza em casas e empresas, mesmo escondida do pai, para ajudar no sustento da casa e os três irmãos. Só de carteira assinada já são 31 anos.

Atualmente, visando descansar e garantir um futuro mais tranquilo para os dois filhos, ela se preocupa com o rumo que a nova regra de aposentadoria pode tomar.

A proposta de Reforma da Previdência em debate define uma nova idade mínima de aposentadoria e dá fim à aposentadoria por tempo de contribuição. Para mulheres, a idade mínima será de 62 anos, e para homens, de 65. Beneficiários terão que contribuir por um mínimo de 20 anos.

“Com certeza essa será uma medida muito mais penosa para as mulheres. Nós fazemos muito mais coisas ao mesmo tempo”, reflete Avanete.

Larissa, Adriano e Avanete (Foto: Arquivo Pessoal)

Múltiplas jornadas

Quando engravidou do pequeno João, Patrícia tinha acabado de terminar a faculdade e já estava inserida no mercado de trabalho. Mesmo assim, ela conta que o bebê foi planejado; não quis abrir mão do sonho de ser mãe, nem abandonar as oportunidades de início de carreira, decidindo, assim, encarar uma tripla jornada.

“Eu e meu marido já estávamos juntos há 7 anos. Na época, tínhamos 2 anos casados e um desejo enorme de ter um pinguinho de gente correndo pela casa. Tive um parto normal e com 40 dias de pós-parto eu voltei ao trabalho. Com a maternidade, tive que reorganizar a rotina profissional que era ainda mais pesada, eu fazia plantões em período noturno também”, lembra.

Mesmo com a nova rotina, Patrícia ainda conseguiu amamentar João Pedro até um ano de idade. “Os seis primeiros meses foram bem intensos, porque eu quis amamentar com leite materno exclusivo, minimamente, nesse período. Todos da família participaram da saga pelo leite materno (risos). Graças a Deus hoje ele se adapta bem a minha ausência”, conta.

Com Avanete, estar longe de Larissa, hoje com 19 anos, e Adriano, com 10 anos, foi um processo mais complicado. Ela conta que já tinha os dois filhos e uma rotina “puxada” no trabalho, quando morou no interior de São Paulo, entre 2007 e 2010. Ela só voltava para casa quando todos já dormiam.

“Nessa época, minha filha começou a me chamar de tia e o bebê não aceitava mais vir comigo. Foi quando eu decidi vir para Cuiabá e optar por um emprego mais tranquilo, mesmo que me remunerasse menos, para me dedicar a eles e ter mais qualidade de vida. Para uma mulher e mãe, isso tem um peso muito grande”.

Ela trabalha das 8h às 17h, mas tem uma rotina que se estende das 5h às 23h. A filha faz cursinho pré-vestibular para ingressar em uma faculdade de Medicina – sai de casa com a mãe pela manhã e só volta às 22h. O menor, ela faz questão de, ao menos, levar à escola, além de acompanhar os deveres escolares e atividades extra-curricular.

“Na empresa, a rotina chega a ser mais tranquila, em casa é quando o trabalho começa. Não temos condições de pagar uma secretária e a gente sempre quer um tempo maior com os filhos”, conta Avanete. Para que ela consiga trabalhar fora, o marido, que é artista plástico autônomo, fica responsável pela cozinha. “Todo mundo leva marmita que ele faz para o dia”, conta.

As avós de João (Foto: Arquivo Pessoal)

Realidade de gerações

Tomar a decisão de conciliar trabalho e maternidade, só foi possível porque Patrícia consegue dividir os afazeres com o marido e outras duas mulheres, as avós do pequeno João, primeiro neto de ambas famílias. “Não tenho babá, nem secretaria em casa. Durante a semana, ele fica com minha sogra. No final de semana em que eu trabalho ou quando tenho um vale night, quem me ajuda é minha mãe”, explica.

Patrícia faz questão de remunerar a sogra, mesmo sendo avó, além de fornecer toda a estrutura necessária. “Mas meu marido é um paizão, já fiquei 24 horas de plantão e ele sozinho com o bebê”, ressalta. Pedro Leonardo é empresário formado em Administração e estudante de Engenharia no período noturno.

“Meu próximo passo é conseguir voltar a estudar para fazer residência médica e ter uma rotina mais tranquila”, afirma Patrícia. “Não me sinto uma mulher maravilha, minha mãe é meu maior exemplo. Sempre trabalhou fora, foi uma esposa dedicadíssima, mãe exemplar do tipo leoa, dona de casa e ótima cozinheira. Quero ser, pelo menos, 50% igual a ela, mas detesto cozinhar”, brinca.

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