Acompanhada da equipe da Aruac Filmes, Paula Gaitán realizou intensas travessias pelas paisagens de Mato Grosso nos últimos meses de 2017, como uma personagem do século XIX. Mas diferente dos que vêm explorar ou apenas contemplar as riquezas naturais da região, a renomada cineasta buscava compartilhar experiências que resultarão em uma obra audiovisual de ficção.

“Filmamos muito nos rios, sentimos calor e passamos momentos lindos, mas também muito difíceis, porque, em geral, somos pessoas vindas de cidades que não tem o contato com a natureza tão forte. Então, de certa maneira, nós também fizemos aquele percurso”, contou Gaitán ao LIVRE.

(Foto: Divulgação Facebook Paula Gaitán)

Seu novo longa-metragem, Luz nos Trópicos foi inspirado nos diários de viagem da expedição russa Langsdorff, que passou em Mato Grosso para pesquisa e mapeamento de fauna e flora em regiões até então pouco conhecidas. A viagem partiu do Rio Tietê até a Amazônia, passando pelas locações escolhidas pela diretora, no período de 1824 a 1829 – percurso ao qual Gaitán se refere.

Mas com todo roteiro, mesmo os de ficção, a obra foi incorporando histórias e sofrendo modificações, até ser resultado de parcerias conquistadas em comunidades do Pantanal, Chapada dos Guimarães e Xingu.

“Uma ficção é uma reinvenção, a partir do olha do diretor. Meu cinema não é muito narrativo, eu não pretendia fazer um filme ‘histórico’ ao pé da letra. Na medida que eu fui fazendo visita de locações, como faz um turista pela primeira vez, fui entendendo mais do lugar onde eu pretendia filmar e me apaixonando pelas pessoas”.

O primeiro contato com o Xingu se deu há 30 anos, nas filmagens de seu primeiro longa-metragem, Uaka, na aldeia Kamaiurá. Com a produção, a cineasta nascida em Paris, brasileira desde 1977, levou quase todos os principais prêmios da competição de 16mm do Festival de Brasília de 1988.

Paula Gaitán foi companheira do ícone do Cinema Novo, o cineasta baiano Glauber Rocha, autor do clássico A Idade da Terra, obra com direção artística assinada por Gaitán, em 1980.

Paula Gaitán e Glauber Rocha

Desta vez, as filmagens se deram na Aldeia Ipatse Kuikuro, atualmente o povo com maior população no Alto Xingu, onde cenas também foram gravadas na região de Gaúcha do Norte. No Pantanal, foi em Porto Cercado, Rio Claro e São Pedro de Joselândia, nas redondezas de Poconé, além das cidades de Chapada dos Guimarães e Campo Verde

Segundo o produtor executivo do filme, Vitor Graize, só a pesquisa de locação exigiu uma estadia de 20 dias, que começou em setembro de 2017. Depois, foram várias idas e vindas até instalarem o set e dar início às filmagens. No total, foram cerca de três meses em Mato Grosso, guiados por pessoas das próprias comunidades. 

“Pessoas que foram extremamente generosas, abriram seu coração, suas casas e com afeto acolheram a gente muito bem. Então eu já fiquei muito feliz e falei ‘nossa, é aqui que eu tenho que filmar’”, conta Paula. Uma das guias citadas com carinho por Gatán foi Domingas Ribeiro, integrante de comunidade do Pantanal, com quem criou uma amizade. Ela, que inicialmente não sabia da intenção do filme, se tornou parte da equipe, assim como a família, trabalhando como atriz.

Em cena, a atriz Clara Choveaux. (Foto: Divulgação)

À propósito, boa parte da equipe foi mato-grossense que teve, ao total, cerca de 40 pessoas, entre atores e produção. Já a equipe técnica contou com 10 a 15 realizadores audiovisuais locais escalados pela diretora de produção local Violeta Rodrigues Muller. “Foi a pessoa que coordenou tudo, em todas as áreas. A Patrícia Ribeiro, também, era o coração do projeto, mesmo muito jovem. Éramos um grupo de mulheres muito forte”, conta Gaitán.

“Isso é muito importante porque, em geral, as pessoas vão aos lugares com equipes do Rio, de São Paulo e eu fiz o contrário. É bonito à beça, porque você sente que é uma troca e o filme se torna forte por isso. Acho que cinema é isso”, completa.

Begê Muniz (Foto: Pedro H. M. Marques)

No enredo do filme, três episódios que se passam nos séculos XIX – durante a expedição -, XX e XXI, com histórias que se entrecruzam. “Um filme que entrelaça o passado e o presente ao contar as histórias de Hercule e Igor, dois personagens e sonhos que se cruzam em tempos e lugares distintos”, conta a sinopse.

O personagem principal, Igor, interpretado pelo ator amazonense Begê Muniz, é um indígena Kuikuro nascido no exterior, que resolve retornar à terra de seus ancestrais, trazendo as cinzas do avô e o registro sonoro de sua voz gravada pouco antes de morrer. “É inspirado na história de um amigo meu, indígena Yawalapiti, criado aqui no Rio, onde viveu durante 20 anos”, revela a diretora.

Carloto Cotta

O elenco do filme também será protagonizado pelo jovem ator português de destaque Carloto Cotta, um dos principais atores europeus contemporâneos. O músico e ator paranaense Arrigo Barnabé, a atriz e modelo carioca Clara Choveaux e o ator ítalo-americano Vincenzo Amato completam o elenco.

O filme, contemplado pelo Fundo Setorial Audiovisual, contou com apoio do Sesc Pantanal e a rede hoteleira mato-grossense. Em fase de pós produção, deve ser lançado em cerca de um ano, quando passa a circular festivais nacionais e internacionais, de acordo com Vitor Graize. 

Segundo o produtor, Luz nos Trópicos será uma produção voltada principalmente para o mercado internacional. Ele garante, no entanto, que a estreia deve ser feita por aqui, provavelmente em Poconé, cidade que sediou as gravações. “O lançamento foi, inclusive, uma contrapartida colocada pelos atores locais”, conta.

Paula Gaitán é cineasta, fotógrafa, poeta e artista visual

Paula Gaitán e Aruac Filmes

Paula Gaitán é cineasta, fotógrafa, poeta e artista visual. Tem trabalhado com cinema desde 1978, quando participou como diretora de arte no clássico filme de Glauber Rocha A Idade da Terra. Sua carreira como autora inclui mais de oito longas-metragens realizados, entre ficções e documentários; além de diversos curtas, videoclipe e experimentações visuais.

Seus filmes sempre tem participação garantida nos principais festivais de cinema do Brasil e do mundo. Seu primeiro longa-metragem de ficção, Exilados do Vulcão (2013), ganhou o prêmio de Melhor Filme no 46o Festival de Brasília, um dos mais importantes e tradicionais festivais do Brasil.

Aruac Filmes é uma produtora brasileira independente com 16 anos de experiência. Com uma longa e consistente trajetória no mercado audiovisual brasileiro, teve seus filmes selecionados em festivais importantes como Cannes, Veneza, Rotterdam, Sundance, Bafici, Locarno, Montreal e Tribeca.

A Aruac também recebeu inúmeros prêmios no Brasil e no exterior, sendo o último o prêmio L’Oeil d’Or de melhor documentário no Festival de Cannes de 2016 com o filme Cinema Novo, direção de Eryk Rocha.

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