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Morro da Luz: da maior mina de ouro da Capital ao completo abandono

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Morro da Luz: da maior mina de ouro da Capital ao completo abandono
(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

De segunda à sexta-feira, sempre às 4h da manhã, Luiz Silveira pega seu carrinho de lanches e desce o Morro da Luz. O ponto de ônibus que fica em frente, é o local escolhido para comercializar seus produtos, dado o intenso movimento de passageiros que pegam os coletivos que param por ali. Essa rotina já dura seis anos e “seo” Luiz é testemunha ocular de como o Morro da Luz, que deveria ser um ponto turístico de Cuiabá, está entregue ao acaso.

Assaltos, furtos, confusões, tráfico de drogas, lixo acumulado são apenas algumas coisas das quais o ambulante vê todos os dias. Ele mesmo já foi assaltado mais de quatro vezes pelo que se recorda. Depois de mais uma delas, foi até o traficante e pediu seu celular de volta, com sorte, conseguiu recuperar o aparelho. E não para menos, toda essa situação gera angústia e grande revolta dentro de si.

“Isso aqui era para ser um bairro bem arrumadinho, com iluminação pública decente. Mas até os fios esse pessoal roubou. Aqui a gente não pega dengue só por Deus mesmo, porque olha a quantidade de lixo acumulado. De vez em quando, mandam um caminhão para limpar, mas logo depois já está tudo sujo”, reclama o ambulante.

Assaltado quatro vezes, “seo” Luiz decidiu ir buscar o telefone celular sozinho, das mãos do traficante para quem o aparelho foi entregue (Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

A colina salpicada de ouro

Na história da Cuiabá que completa 300 anos – no dia 8 de abril -, o Morro da Luz é protagonista, já que em 1722 o bandeirante Miguel Sutil descobriu neste ponto a maior mina de ouro do lado Ocidental do Tratado de Tordesilhas.

Com a descoberta, nascia o Arraial de Cuiabá. Ao descrever o Morro da Luz à Capitania de São Vicente, Miguel Sutil se referiu como “a colina salpicada de ouro”, como contou ao LIVRE o historiador e geógrafo aposentado, Aníbal Alencastro.

Na tentativa de assegurar a posse do lugar, que até então se encontrava em território espanhol, a Coroa Portuguesa determinou a ocupação imediata. Foi assim que Dom Rodrigo César de Menezes, com mais de três mil homens, fundou, em 1727, a Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá. Na bagagem, trazia o brasão original da cidade, que é uma referência à colina de ouro.

O Morro da Luz, inicialmente, era conhecido como “Morro da Prainha”, dada à proximidade com o córrego que, hoje, está sob o concreto e asfalto da Avenida Tenente Coronel Duarte. Só ganhou o nome pelo qual todos conhecem porque, na primeira metade do século XX, ainda sob o governo de Mario Corrêa da Costa, foi inaugurada a subestação da Usina do Rio da Casca, que distribuía energia para toda a cidade.

Já na década de 1980, o então Morro da Luz foi rebatizado ao ser reconhecido como patrimônio pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), se tornando então Parque Antônio Pires de Campos. Mas a última grande revitalização pela qual o espaço passou foi em uma parceria com a antiga Rede Cemat, atual Energisa, há quase 20 anos.

Desta reforma, surgiram as 12 trilhas e as quatro pequenas praças que compõem o complexo. Nomes de figuras populares como Maria Taquara, Zé Bolo-Flor, Juvenal Capador, Maria Perna Grossa e Hélio Goiaba homenageiam e remontam um pouco da história cuiabana, rica em memórias, mas pobre em investimentos para conservação do patrimônio cultural.

Do berço do ouro ao lugar proibido

Quem se aproxima do Morro da Luz sabe que ali é um “território proibido”, dada a situação de extremo abandono em que se encontra. A equipe do LIVRE subiu uma parte da trilha que dá acesso ao local na presença de policiais do 1º Batalhão da Polícia Militar (PM), responsável pela região central da cidade.

Há anos atuando na região, o tenente PM Moessa notou crescimento desordenado de pessoas em situação de rua vivendo no Morro da Luz (Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Diversas pessoas vivem no lugar, muitas delas pessoas em situação de rua e usuários de drogas. Barracas com colchões que abrigam duas, três ou mais pessoas, o vai-e-vem destes moradores, muito lixo em todas as partes, placas de indicação em deterioração. Este é apenas um contraste de um dos poucos ambientes arborizados que ainda existem na Cuiabá dos 300 anos.

“Temos uma população em situação de rua que em seu exercício constitucional do direito de ir e vir, escolheu por habitar a região do Morro da Luz, a maioria usuários de drogas e alguns criminosos contumazes, também conhecidos como os crimes de oportunidade”, explicou o Tenente PM Moessa, que atua há alguns anos na região.

Durante esses anos no 1º Batalhão, Moessa notou um crescimento desordenado de pessoas em situação de rua, o que aumentou também a criminalidade na região, gerando ainda impacto no comércio local, já que furtos de fiação e de aparelhos como ar condicionados e outros são muito comuns.

No entanto, o problema esbarra em uma questão ainda mais ampla. Como realizar o atendimento das pessoas em situação de rua e dos usuários de droga? Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Saúde, existe um programa do governo Federal em execução na Capital.

Trata-se do Consultório na Rua, que realiza atendimentos com uma equipe multidisciplinar, reunindo médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, técnicos bucais e de enfermagem, além de redutor de danos e motorista. Entre 2017 e 2018, mais de 30 mil atendimentos foram realizados.

A prefeitura também disponibiliza, por meio da Secretaria Municipal de Assistência Social, os albergues, localizados em diversos pontos da cidade. No entanto, muitas destas pessoas acabam retornando às ruas, situação que muitas vezes foge do controle do poder público.

Projeto polêmico

Paralelo a tudo isso, o projeto de revitalização do Morro da Luz que o prefeito Emanuel Pinheiro (MDB) apresentou levantou questionamentos. Primeiro, porque depende da aprovação de um empréstimo de US$ 110 milhões junto à financiadora Corporação Andina de Fomento (CAF).  Segundo, por questões de viabilidade técnica. Pinheiro pretende não só revitalizar o espaço, mas também construir uma torre giratória com restaurantes e outros atrativos.

Somente a torre custaria R$ 30 milhões, conforme estimativa do poder municipal. Já as demais adequações e a revitalização do local, iluminação e a construção de passarelas sairiam em torno de mais R$ 16 milhões. A equipe do LIVRE também procurou a prefeitura para saber quando o projeto deve ficar pronto. Recebeu como resposta do superintendente do Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (IPDU), Márcio Puga, o reconhecimento da possibilidade de a obra não ser finalizada nessa gestão.

“Essa obra provavelmente será executada em fases. Estamos na fase de apresentação dos projetos complementares e de orçamento para o banco aprovar o empréstimo. Acredito que as passarelas e trilhas possam ficar prontas durante a ‘Gestão 300’, mas o parque como um todo acredito que ficarão para a próxima gestão”, admitiu Puga.

A ideia de Emanuel é que após a construção, o local seja concedido à iniciativa privada, por meio de Parceria Público-Privada (PPP). Puga esclareceu ainda que as obras dos 300 anos de Cuiabá esbarraram em diversas dificuldades burocráticas, mas que nenhuma repetirá os mesmos erros que foram cometidos nas da Copa do Mundo de 2014.

“Essa foi, inclusive, uma das orientações do prefeito Emanuel Pinheiro. Nós não iremos cometer estes mesmos erros”, finalizou.

 

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