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Morando na beira de esgoto em Cuiabá, família luta pela sobrevivência

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Morando na beira de esgoto em Cuiabá, família luta pela sobrevivência

Morando em uma paisagem deprimente e malcheirosa, Simone e os seis filhos têm, como vista da janela, sofás, fogões, pneus e ratos em meio ao esgoto que passa ao lado de sua casa, todos os dias.

Simone Aparecida de Oliveira (34) e seu marido Willian (27) são de Minas Gerais, e vieram para Cuiabá em 2014, com a promessa de uma vida melhor. Ainda em Minas, conheceram um senhor que prometeu emprego ao casal, em uma grande fazenda. Ao chegarem à capital mato-grossense, não havia ninguém à espera da família. Sem conhecer a cidade, Simone, esposo e os filhos ficaram por três dias na rodoviária, até serem acolhidos pela Casa de Apoio à Mulher.

Aos poucos, Willian e Simone foram fazendo bicos, carpindo terrenos e carregando entulho juntos. Depois de um tempo, puderam ir embora do abrigo e alugar um cômodo para morar. Até que uma terrível doença acometeu Willian, que precisou fazer uma cirurgia de emergência para que não tivesse uma das pernas amputadas. Um tumor de 460gr foi retirado de sua coxa esquerda e Willian ficou por meses acamado.

A única provedora por muitos meses foi Simone, que além de zelar dos filhos e cuidar do pós-operatório do marido, catava entulho e latinhas de metal, carpia quintais e fazia faxina em apartamentos.

Com o tempo, conseguiu juntar dinheiro para comprar um pequeno lote, mas quando estavam prestes a começar a construção da casa, o verdadeiro dono do terreno apareceu e expulsou toda a família de lá. Simone ficou desolada por saber que havia sido passada para trás mais uma vez.

Com tantas dificuldades, o casal não encontrou outra saída a não ser correr o risco de ser despejado e construir um “barraco” para fugir do aluguel.

Às margens de um esgoto a céu aberto, a casa de um cômodo com banheiro sem chuveiro, e uma pequena varanda, está em local inapropriado – dentro de uma área ambiental. A rua “clandestina” e de difícil acesso fica próxima à Associação dos Servidores da Polícia Federal de Mato Grosso – Asef-MT, e sequer consta no mapa de endereços da prefeitura. Desde 2015 cadastrados no programa habitacional do governo, a família Oliveira está à espera de um lar.

Parto na beira do córrego

Yuri sentado no mesmo sofá onde nasceu

As noites na beira do córrego costumam ser frias, mas aquela no final do mês de maio de 2017 avisava que dias ainda mais frios estavam por vir.

Às 2h da madrugada, a bolsa de Simone estourou, anunciando que o parto do menino Yuri estava prestes a acontecer.

“Acordei meu marido, dizendo que iria ganhar o bebê e ele entrou em pânico. Foi até a UPA, mas disseram que a ambulância não poderia sair de lá. Ele voltou e tentou me colocar na garupa da bicicleta, mas não dava mais tempo. Deitei no sofá da varanda e expliquei a ele o que deveria fazer. Ele chorava e tremia muito por ver que o filho estava com o cordão umbilical em volta do pescoço. Tive que acalmá-lo, mesmo estando com muita dor e medo. Depois de desenrolar as três voltas do cordão que estavam no pescoço, ele conseguiu puxar nosso menino, enquanto as outras crianças assistiam e choravam desesperadas. Uma hora depois o Samu chegou e me levou para receber atendimento básico”, relatou a mãe, em tom de alívio.

A família cresceu e, em menos de dois anos, vieram mais dois rebentos, completando assim os 7 filhos de Simone.

 

Riscos

Em tempos chuvosos, o córrego transborda, e o esgoto, misturado à água da chuva, beira sua porta, trazendo entulhos e animais como aranhas, sapos, ratos e até cobras, oferecendo riscos às crianças.

“Outro dia matamos uma cobra aqui na porta. Aranha eu perdi a conta de quantas matei. Tento manter o quintal limpo caso apareça algum escorpião e eu veja antes dos filhos mais pequenos colocarem a mão”, contou Simone.

Outro risco é atravessar o córrego para pegar água tratada – doada por um morador da rua acima. Quando o esgoto transborda, a estreita ponte fica encoberta, deixando a passagem praticamente impossível. Já quando o fluxo do córrego diminui, o lixo fica evidente. Centenas de garrafas pet, pneus, sacos plásticos e até fogão invadem o quintal.

Rejeição da sociedade

Simone sente o olhar desconfiado das pessoas quando anda nas ruas. Sua magreza e desnutrição gera desconfiança e rejeição aos que nem de longe imaginam sua dura realidade. A baixa estatura e os poucos quilos da mãe de 34 anos, mas com aparência de 20 anos a mais, que precisa escolher entre se alimentar ou alimentar sua cria – como ela mesma diz – esconde uma força que lhe falta nas pernas e braços, mas lhe sobram na voz quando se trata de suas crianças:

“Muitas das vezes, quando estou catando entulho ou lixo e dá a hora de buscar meus filhos na creche, eu me apresso. Nem penso em me arrumar. Deus me livre eu me atrasar e alguém chamar o conselho tutelar e levar meus pequenos. Eu sei que muitas pessoas pensam que sou usuária de droga, por ser magra e andar com trapos. Já me xingaram na rua de tudo quanto é nome. Mas não ligo. Prefiro ver meus filhos alimentados e agasalhados”

Simone com 5 dos 7 filhos na varanda de casa

Alimento que vem do lixão

Eram 11h da manhã quando a equipe do LIVRE chegou à casa de Simone. Seus filhos, que estão de férias, ainda não haviam feito nenhuma refeição. Ítalo (15), o filho mais velho, que sai todos os dias às 5h da manhã de charrete para recolher alimentos do lixão, ainda não havia voltado, e os irmãos mais novos estavam ansiosos por sua chegada. A panela de pressão que estava num fogão à lenha improvisado no meio do quintal, também estava à espera do menino, que se estivesse no seu dia de sorte encontraria algo para “melhorar” o cardápio do almoço, que até então seria à base de arroz e feijão.

“A melhor refeição é quando eles estão na escola e recebem a merenda. Grande parte da nossa alimentação vem do lixão, e por esses dias tem sido difícil conseguir algo que não esteja estragado. O Willian Jr. de 4 anos chora e fica emburrado pedindo carne, daí a fome aperta e ele come o que tem no prato, meio contrariado. Tem dias que falta até o arroz e feijão, e eu faço polenta para eles”, relatou a mãe, enquanto dava o peito ao caçula Yuri.

Os móveis da casa também foram adquiridos no lixão. Colchão, ventilador, uma TV e DVD foram motivo de festa quando chegaram na pequena casa.

 

Sonho

Quando é questionada sobre seu sonho, Simone nos surpreende mais uma vez: “Um dia se Deus quiser eu vou fazer uma festa de aniversário para todos eles. A cada festinha que os vizinhos chamam ou eles passam na porta e veem a alegria das outras crianças, voltam para casa tristes e me pedindo um bolo de aniversário. Eu seguro as lágrimas e explico que se fizer uma festa para um, terei que fazer para os outros filhos. E no outro dia? o que meus filhos irão comer?”, indaga a mulher, com olhar perdido.

Voltando de seus pensamentos, Simone mais que depressa corre para o “fogão” e diz que precisa apressar o almoço do marido, que está prestes a chegar do trabalho. Com um dos filhos no braço, acena desejando que Deus nos acompanhe e pede desculpas por não nos abraçar. “Vocês me desculpem, não posso abraçar e sujar a roupa de vocês. Que Deus acompanhem vocês. Voltem sempre”.

O LIVRE filmou, e mostra um pequeno trecho dos fundos da casa de Simone. Veja!

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