O audiovisual mato-grossense perde um expoente e a comunidade haitiana chora a partida inesperada de um irmão. Através da linguagem do vídeo, o jovem imigrante Michelet Noel fez casa em Cuiabá e pôde voltar à terra natal para registrar e traduzir a história de seus conterrâneos. Com ele, a reportagem do LIVRE mantinha contato para contar esta história – e as últimas mensagens foram poucas semanas antes da sua precoce partida.

Na manhã desse domingo (22), Michelet perdeu a vida. A caminho de Chapada dos Guimarães, seguia no banco de trás do carona, em um carro com mais três amigos. Eles gravariam mais um videoclipe, desses que são sua especialidade e paixão, em uma iniciativa independente. Num trecho íngreme da estrada, provavelmente em alta velocidade, o motorista perdeu o controle. O automóvel ficou irreconhecível.

Segundo testemunhas e amigos próximos, Michelet se manteve preso ao cinto de segurança, vivo e acordado, durante uma hora. Mais uma hora, a última de sua vida, foi no Pronto-Socorro de Cuiabá, agonia que possivelmente terminou em uma hemorragia, causada pelas pancadas. O amigo, Rances Defforges, de 36 anos, que também estava no banco do carona, morreu na hora.

Michelet, 24 anos, perdeu o pai ainda novo e deixa um pequeno de um ano, fruto da união com a esposa, com quem – finalmente – se casara há uma semana. Também era domingo. Além da família que batalhou para trazer e a que ficou, orgulhosos do caminho que o filho começava a trilhar, ele deixa uma trajetória profissional interrompida, mas um auge que inspira o registro.

A última coisa que ele me disse em mensagem foi: “Não faça igual a esses jornalistas que dizem que os haitianos vêm para o Brasil até por fome, pois, no meu caso, graças a Deus, não”, ensinando a não explorar a miséria, mas atentar a uma perspectiva otimista da imigração haitiana.

O acidente veio um dia antes de – finalmente – assinar contrato com uma produtora local, onde já trabalhava como freelancer, editando vídeos. Visado, já articulava participações em produções audiovisuais, representando os novos cuiabanos nesta fase de retomada do segmento (diferente de um mês atrás, quando ele buscava ajuda dos amigos para se estabilizar em um emprego fixo na área, ao qual se dedica com paixão desde 2005).

“Durante o tempo em que eu morei lá no Haiti, eu estudava, tinha um estúdio de gravação e também fazia videoclipe musical, geralmente gravava rap. Depois fui para a República Dominicana, morei lá três anos e vim para o Brasil, porque tinha vagas de emprego. Queria trabalhar para bancar minha faculdade e vim pelo Acre. Trabalhei numa casa de construtor que aluga equipamentos para construção e não gostei. Fui demitido, peguei o dinheiro, montei uma lan house e comprei equipamentos para gravar vídeos”, contou.

Para sustentar a família, sem abrir mão dos sonhos, ele se desdobrava entre os “bicos” e as aulas à noite. Para a entrevista, ele me receberia na própria produtora. “Pode ser no almoço, volto às 14 horas, não posso me atrasar”, explicava. A partir das 18h, Michelet cursava Comunicação Social na Universidade de Cuiabá. Um de seus grandes projetos era o Mnproductions, seu canal do Youtube.

Há cerca de quatro meses, ele voltava ao país de origem, após quase quatro anos como imigrante no Brasil. Michelet era assistente de fotografia e tradutor do projeto Vila Haiti, documentário do realizador cuiabano Luzo Reis, produção em fase de montagem, através do edital Procine.

No percurso de criação, torna-se também um personagem e volta para a casa junto à equipe, para mostrar o que da imigração nós não vemos: aqueles que ficam. Reencontrou a mãe, a tia –mãe de criação –  e os parentes em sua cidade natal, Gonayves. Os amigos contam que uma de suas missões era buscar documentos que faltam para dar entrada na união. Durante os intervalos das gravações, também aprendeu a nadar.

Não houve tempo para mais perguntas e o encontro não aconteceu. Mas terá um filme para contar mais por ele.

“Michelet foi um exemplo para todos aqueles que o conheceram. Um batalhador, um guerreiro, uma alma inquieta que passou a vida lutando contra o sistema que lhe dizia para ficar onde estava, para não sonhar; ele era decidido a vencer na vida”, conta o colega Luzo Reis.

Na ocasião de sua morte, amigos e colegas do audiovisual se mobilizaram para ajudar nas despesas do momento do velório e enterro, mas a família segue com dificuldades, pois a esposa fala pouco português e o sustento vinha do trabalho de Michelet. Quem quiser contribuir de alguma forma, pode entrar em contato com o amigo Eniel Gachette pelo (65) 98118-9596.

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