O advogado Pio da Silva se deparou com a possibilidade de salvar vidas quando perdeu a filha, Thallita da Silva, em 2012. Aos 23 anos, a jovem teve morte encefálica, em Cuiabá (MT), e estaria apta à doação de vários dos órgãos ainda em funcionamento. Por falta de uma equipe especializada para a retirada deles, no entanto, a família voltou atrás na decisão de realizar o procedimento.
“A gente conhecia a Thallita, sabíamos que ela concordaria plenamente com isso. Mas eles explicaram que Mato Grosso não tinha estrutura para retirar os órgãos e a gente teria que esperar três dias por uma equipe de São Paulo. E esperar três dias com ela no hospital, com o coração funcionando, seria muito sofrimento”, explica o pai.
Há 10 anos, Mato Grosso oferta apenas transplantes de córnea. Desde 2017, foram 470 transplantes deste órgão, sendo 11 só nos dois primeiros meses de 2019. Para este ano, o transplante renal deve ser agregado aos serviços ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Já para os demais órgãos, o Estado informa que não dispõe de equipes.
De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde (SES), o rim é o órgão com o maior índice de indicação ao transplante, em decorrência de uma população cada vez mais acometida por doenças como hipertensão e diabetes, as principais causas da falência renal.
Em Mato Grosso, aproximadamente 1,9 mil pacientes estão em Terapia Renal Substitutiva (TRS). Destes, estima-se que 50% tenham indicação para o transplante renal. No entanto, conforme a Pasta, o percentual só pode ser confirmado após a avaliação da equipe de transplante autorizada.
A tramitação para a criação de um Centro Transplantador de Rim, iniciada em 2014, foi concluída em setembro de 2018. Neste ano, segue em etapa de credenciamento para a regularização da oferta junto ao SUS. Assim, o serviço deve iniciar atividades ambulatoriais “nos próximos dias”, diz o governo.
O Programa de Transplante de Rim, ofertado entre os anos de 1998 a 2009, foi paralisado devido a problemas no processo de renovação da autorização da unidade hospitalar junto ao Sistema Nacional de Transplantes.
Transplante do córnea
De acordo com a Secretaria de Saúde, a lista de espera para o transplante de córnea tem, no momento, 208 pacientes inscritos no Cadastro Técnico Único (CTU). O número, no entanto, varia muito, pois a todo momento pacientes são transplantados e novos pacientes inscritos.
Em 2017, foram 245 transplantes de córnea e, no ano seguinte, 214. Em janeiro e fevereiro deste ano, 11 procedimentos já foram registrados. Para isso, a rede de captação e transplante de órgãos e tecidos em Mato Grosso conta com unidades de saúde e equipes que prestam serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS), situados exclusivamente em Cuiabá.
O Hospital de Olhos de Cuiabá abriga um Banco de Tecidos Oculares, responsável pela retirada, avaliação e preservação das córneas para transplantes. Já o Hospital Geral conta com um Laboratório de Histocompatibilidade e Imunogenética, responsável pela realização dos exames e monitoramento imunológico nos períodos pré e pós-transplante.
A realização do transplante é feita no Hospital de Olhos de Cuiabá, Hospital Santa Rosa ou na Clínica Visionare, com duas equipes credenciadas. Para a realização de transplante renal, a rede contará com uma equipe autorizada, que será responsável pela inscrição dos receptores, realização do transplante e o acompanhamento pós-transplante.
Tratamento Fora de Domicílio
Para o transplante de órgãos não contemplados em Mato Grosso, os pacientes são encaminhados para outros Estados via Programa de Tratamento Fora de Domicílio (TFD). Os encaminhamentos de maior índice são para o Distrito Federal, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Segundo a SES, o transporte dos pacientes atendidos pelo TFD é custeado pelo Estado e o valor, bem como o tempo de permanência no local do procedimento, varia de acordo com necessidades de cada paciente e da fase do tratamento, respectivamente.
“Nos primeiros meses pós-transplante, a permanência é mais longa devido à necessidade de adaptação. Após os primeiros anos de transplantes, os retornos são sistemáticos podendo ser mensais, trimestrais, semestrais e/ou anuais, sendo que nessa fase a permanência é curta”, informou a Pasta.
Ainda segundo a SES, não há um levantamento do número exato de pacientes que estão em acompanhamento para transplantes via TFD.
Doação de órgãos
A retirada de órgãos e tecidos só acontece após autorização formal da família, porém, não é mais necessário deixar nada por escrito, apenas manifestar o interesse em vida. Além disso, o doador nunca é removido de um Estado para outro para fins de retirada de órgãos, procedimento que leva, no máximo, dois dias.
“Não há como definir um prazo exato para a conclusão do processo, mas diante das características logísticas e estruturais do Estado, o tempo pode variar de 24 a 48 horas, entre a autorização da família e a finalização”, informa a Secretária de Saúde.
Existem dois tipos de pessoas aptas à doação. O “doador vivo” é a pessoa saudável que concorde com a doação, desde que não prejudique sua própria saúde. Ele pode doar um dos rins, parte do fígado, parte da medula óssea e parte do pulmão. Pela lei, parentes até quarto grau e conjugues podem ser doadores; não parentes, somente com autorização judicial.
Já o “doador falecido” é o paciente com morte encefálica, geralmente vítimas de lesões cerebrais, como traumatismos cranianos ou AVC (derrame cerebral), como foi Thallita da Silva. Este tipo de doador pode doar coração, pulmões, fígado, pâncreas, intestino, rins, córneas, veias, ossos e tendões. Portanto, um único doador pode salvar inúmeras vidas.
