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Mães travam batalha para dedicar mais tempo a filhos com deficiência

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Mães travam batalha para dedicar mais tempo a filhos com deficiência

Sexta-feira, 19 horas. Fim de expediente depois de uma semana cheia de compromissos, cuidados com a casa, cuidados com o filho. Nada atípico. De rotina, Maria* entende bem. Raramente o cotidiano muda.

Diariamente acompanha a troca de turno de 12 horas de enfermeiros e reveza a assistência ao filho com um cuidador. Uma vez por semana, M., 8 anos, recebe a visita do médico e do chefe de enfermagem do home care. O pequeno passa por sessões de fisioterapia duas vezes ao dia e faz exercícios prescritos pela fonoaudiologia três vezes ao dia. Já a terapia ocupacional, ocorre uma vez por semana. A mãe recebe a visita da nutricionista a cada 15 dias e verifica quais refeições terá que preparar para seguir à risca a dieta artesanal.

Por conta da gastrostomia e traqueostomia, curativos são feitos de duas a três vezes por dia, fora o rigor na assepsia do ambiente, preocupação constante.

Ela é mais uma das mães que são servidoras públicas e somam ações judiciais para requerer do Governo de Mato Grosso, a redução da carga horária em 50% para acompanharem o tratamento médico e terapêutico de seus filhos. Maria já perdeu dois dos processos. “O Governo acredita que reduzir nossa jornada de trabalho vai prejudicar os cofres públicos. E assim, vamos vivendo de atestados médicos e a produtividade, dá para imaginar que não será das melhores”, desabafa.

A servidora passou no concurso quando ainda estava grávida e foi incorporada aos quadros do Estado em 2014. No período, conseguia conciliar os afazeres com os cuidados do filho, mas em 2015, com nova portaria, entrou com o primeiro processo. “Me baseei em uma emenda do deputado Antônio Azambuja aprovada em 2014 que previa a redução de carga horária nestes casos, porém, durante a análise do processo, a emenda caiu no vício da inconstitucionalidade e aí meu pedido foi negado. A resposta da PGE foi desumana”.

Na resposta ao primeiro processo movido por Maria, a Procuradoria-Geral do Estado, indeferiu seu pedido, declarando que a presença dela não seria capaz de garantir melhora na evolução do quadro e que assim, não haveria justificativa razoável para redução da carga horária. “Infelizmente, o direito é considerado um privilégio”.

Depois disso, tentou novamente, dessa vez, com assessoria jurídica do Sindes, organização sindical a qual é filiada. “O processo caiu no mesmo problema, mesmo com todo embasamento no estatuto da pessoa com deficiência e casos de outras esferas públicas, inclusive, de lei federal que à época previa redução salarial, e ainda, prerrogativas jurídicas. Ainda assim foi negado também”.

A lei a que se refere, alcança servidores públicos federais que têm filho, cônjuge ou dependente com qualquer tipo de deficiência. Agora eles têm direito a horário especial, sem redução salarial ou necessidade de compensação de horas. Sancionada em 12 de dezembro, a lei nº 13.370/2016 foi proposta pelo senador Romário.

Esperança

Agora, assim como outras mães, ela aguarda definição política, com a promessa do Governo de elaborar novo projeto de lei, segundo a Casa Civil, prestes a ser encaminhado à Assembleia Legislativa.

Com os pedidos negados, Maria buscou o conhecimento, buscou auxílio de outras mães que passam pelo mesmo dilema. Logo, estava integrando a Comissão de Políticas Públicas, uma organização de várias entidades da sociedade civil e da Secretaria Adjunta de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência que se dedicou a debater o tema. “Participamos com várias sugestões, mas a redação final é deles. Vamos aguardar. Essa é minha única esperança. Mas se for preciso, entro com novo processo”, diz.

Por conta do cotidiano atribulado dela e de ao menos outras 30 “mães de home care”, não conseguiram formalizar a associação, mas continuam somando esforços. “Criamos um centro de apoio. Trocamos remédios, materiais hospitalares e realizamos pequenos eventos de inclusão para nossos filhos já que para eles, o transporte para outros locais acarreta muitos riscos”.

Quando soube da gravidez, Maria não imaginava o turbilhão de sentimentos que recairiam sobre ela ao longo de várias etapas. “Não estava preparada para ser mãe, descobri a patologia de M. aos 4 meses de gestação. A ultrassom revelou uma má formação, mas eu não tinha noção da complexidade. Pensei: vai nascer, fazer cirurgia e vai para casa. Daí foram quatro meses na UTI e depois dos dois anos, ele tornou-se um paciente de alta complexidade”.

Por mais qualidade de vida

Hoje, mãe e filho moram juntos e dividem a rotina com equipe médica. O casamento foi desfeito, mas o pai tem auxiliado com pensão e presença. Não foi sempre assim, mas ela avalia, está bem melhor. “Com a separação tiver que criar um sistema. Com o tempo fui descobrindo que cada um tem sua luta e essa é a minha”.

Assim como acontece com outras mães, Maria conta que o bebê idealizado deu lugar ao bebê real e com o diagnóstico da síndrome de Dandy Walker, foi tomada por uma sensação de luto, por todas as expectativas e sonhos que tinha para ele, bem como toda mãe os têm.

“Acho que se esse projeto de lei vingar e poder nos contemplar, terei um pouco mais de qualidade de vida e poderei estar mais perto dele. Com essa rotina maçante e cobranças, sinto-me sob intensa vigilância. Foi o estopim para um quadro de ansiedade e síndrome de pânico que desenvolvi”.

“Vivo por ele. O fantasma do luto me assombra, mas eu sigo em frente”. M. tinha dois anos de expectativa de vida e os tratamentos médicos e terapêuticos têm lhe dado sobrevida, fora, é claro, a dedicação e o amor da mãe.  “Depois da aceitação vem a fase da adaptação. Outras barreiras vão se impondo, como a do preconceito”.

Uma mãe que o filho precisa para ser feliz

Juliana Araújo é outra mãe que se nega a renunciar ao direito de cuidar da filha e que mesmo com a jornada exaustiva, é incansável quando a missão é tornar-se uma mãe que a sua filha precisa para ser feliz.

“Se eu tivesse mais tempo, ela também teria mais qualidade de vida. Uma criança especial já tem um comportamento e emocional que é diferente das outras e para que ela responda aos tratamentos e tenha cada vez mais chances de inserção e interação na sociedade é muito importante que dediquemos tempo a elas”, ressalta.

Mãe de Maria Júlia, 6 anos, ficou sabendo que a filha era um bebê com síndrome de down no dia do nascimento. “Ela nasceu com cardiopatia e leucemia transitória, que o próprio organismo combateu”. Estava vencida a primeira batalha da pequena guerreira. Mas a cardiopatia persiste e não há indicação cirúrgica, apenas observação intensa.

Assim como no caso da servidora Maria, Juliana possui um cronograma apertado, dedicado em quase que sua totalidade aos cuidados com a filha. “Durante a semana ela precisa fazer balé, por indicação do ortopedista, exercícios de motricidade, para fortalecer o tônus muscular, atividades psicomotoras, sessões de fonoaudiologia, terapia ocupacional e outras atividades”.

Juliana pôde desfrutar do benefício por um período. Havia uma liminar que garantia a redução de 50% da carga horária, porém, foi julgada inconstitucional e logo, suspensa. “O que é preciso entender é que este não é um direito nosso, mas da pessoa com deficiência. O governo precisa se humanizar”.

Enquanto as boas notícias não chegam, ela se desdobra intensamente, dedicando todo o tempo que lhe resta para a filha. “Ela mudou a minha vida, mas eu faria tudo de novo. Tenho orgulho de ser a mãe que sou. Prezo para que ela tenha o máximo de independência que puder e claro, que ela tenha qualidade de vida”.

Inconstitucionalidade

Advogado que auxilia voluntariamente a Associação de Amigos do Autista de Cuiabá (Ama), Rodrigo Guimarães, tem acompanhado in loco as tratativas entre representantes das associações da sociedade civil interessadas e a Secretaria Adjunta de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

Segundo ele, em 2014, a emenda constitucional nº 70, de 17 de dezembro de 2014, de autoria do deputado estadual, Antônio Azambuja, acrescentou o art. 139-A e §§ 1º, 2º, 3º e 4º à Constituição Estadual do Estado de Mato Grosso, estabelecendo o direito de redução de 50% da carga horária de trabalho do servidor público, que seja responsável legal e cuide diretamente de portador de necessidade especial e que, comprovadamente, necessite de assistência permanente, independentemente de estar sob tratamento terapêutico, sem prejuízo de sua integral remuneração.

“Porém, a emenda foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, de autoria da Procuradoria Geral de Justiça de Mato Grosso em face da Assembleia Legislativa e que versa sobre suposto vício de iniciativa pois deveria ter partido do Executivo e não do Legislativo”.

Rodrigo ressalta que a Secretaria Adjunta da Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, mostrou interesse do Estado em elaborar um projeto de lei para regularizar a situação.

“Então foi criada uma comissão para elaboração de uma minuta, para ser apreciada pela Casa Civil, aprovada pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONEDE), com sugestões feitas pela sociedade civil, porém, na Seges já havia outro processo que versava sobre o tema, com redação pronta. Sendo assim, decidiram dar continuidade e nós, fizemos sugestões para atualizá-lo”.

Em uma reunião na semana passada, o Governo declarou que iria marcar uma solenidade para assinatura do documento que será encaminhado à Assembleia Legislativa.

Resposta do Governo

Procurada pela reportagem, a assessoria da Casa Civil declara que a proposta já está finalizada e será encaminhada à Assembleia Legislativa nos próximos dias.

Confira nota na íntegra:

A Casa Civil do Governo do Estado de Mato Grosso esclarece que o Projeto de Lei de autoria do Poder Executivo do qual trata a reportagem será encaminhado à Assembleia Legislativa nos próximos dias. A proposta acrescenta dispositivo à Lei Complementar nº 04/1990.

O projeto irá permitir que servidores que possuam cônjuge, filho ou dependente com deficiência possam gozar de uma redução de 25% (vinte e cinco por cento) de sua jornada, sem prejuízo da remuneração.

Com a implementação dessa lei os servidores terão condições de acompanhar os dependentes em consultas médicas, exames e sessões de fisioterapia, entre outros.

 

 

* Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada

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