Este recente e avassalador apreço de europeus e brasileiros pelas matas é historicamente recente e talvez tenha um condimento de hipocrisia ou de ignorância, uma vez que sua sazonalidade é ideológica.

“Os colonos ficaram horrorizados à vista de uma região coberta de matas incultas e agrestes”, diz dos ingleses o historiador e professor Keith Thomas, da Oxford University, lembrando: “e eles se puseram a destruir as árvores de forma a tornar habitáveis os bosques sinistros, onde, na opinião deles, somente criaturas selvagens poderiam normalmente amar a liberdade das matas”.

Na França, na Alemanha, nos EUA, na África, na América Latina e no Brasil não foi diferente. A mata e o mato, não importava ainda a questão do gênero, eram inimigos das pessoas.

Ao chegar a Santa Catarina em fins do século XIX, os colonos europeus trataram de derrubar o mato e a mata para ali erguer as casas, a igreja, a escola, o primeiro armazém, o primeiro açougue.

Quando desembarcaram dos navios em Laguna ou Imbituba, os ancestrais dos atuais habitantes seguiram pela Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina, em homenagem à esposa napolitana de Dom Pedro II, e foram em direção a Lauro Müller, a Criciúma e a outras pequenas localidades, de onde depois seguiriam para a roça com bagagem que incluía armas indispensáveis no combate ao inimigo: a foice e o machado.

Nos descampados surgidos, erguida primeiramente a capela, vinha por último a escola. Nos anos de formação, os primeiros ensinamentos não contemplavam o meio ambiente nem a ecologia, relegados a esporádicas lembranças, às vezes solitárias no calendário, como o Dia da Árvore, quando eram cantados e recitados os belos versos de Arnaldo Barreto: “Cavemos a terra, plantemos a árvore,/ Que amiga e bondosa ela aqui nos será!/ Um dia, ao voltarmos pedindo-lhe abrigo,/ Ou flores, ou frutos, ou sombras dará!”. Mas então eles já tinham erguido as cidades.

Tantos anos depois, numa das tantas efemérides de homenagem aos imigrantes, um sacerdote que deles descendia, o padre Giovani Valdástico Pattarello, repetiu sem querer as observações do historiador inglês: “Minha saudação aos anciãos sobreviventes dos árduos trabalhos da primeira hora; saudações comovidas, por suas fadigas puderam chegar à visão da crescente civilização e contemplar, onde antes só havia os bosques, ao vário colorido das casas que hoje formam a sua cidade”.

Na escola daqueles anos, nada sobre o meio ambiente ou a defesa da floresta. Já comiam e bebiam da terra. Eram  antigas e familiares as lembranças das vinhas da alegria. “Ivo viu a uva”, dizia o verso involuntário de antiga cartilha que ensinava a ler, sobre cujas primeiras lições o poeta Ledo Ivo fez bonita paráfrase: “Ivo viu a ave?/ Ivo viu o ovo?/ Na nova cartilha/ Ivo viu a greve/ Ivo viu o povo”.

Estudavam bastante os alunos dos Grupos Escolares da hinterlândia catarinense, como os de Jacinto Machado, nome destoante das outras localidades, designadas por Turvo, Ermo e Sombrio, semelhando zona depressiva no caminho entre elas e a florida Siderópolis, banhada pelo Rio Fiorita.

As primeiras professoras, descendentes de imigrantes, não queriam conscientizar os alunos de coisa nenhuma, inclusive este verbo só apareceu quando seus alunos já tinham chegado à mocidade.

Elas eram normalistas, vestiam-se com elegância e simplicidade, calçavam sapatos de pequenos saltos quadradinhos, estavam sempre limpinhas e bem arrumadas, bem penteadas,  e tinham um cheirinho bom, celebrado em episódio de um dos romances escritos por um dos alunos a quem uma delas ensinou a ler e a escrever.

Siderópolis, porém, nascida da política nacional de substituição da mão de obra escrava por europeus na última década do Século XIX, não era uma hinterlândia. Esta palavra, vinda do Alemão, designava outras terras (land), situadas no interior (hinter), detrás da costa marítima ou de um rio.

O sufixo “lândia” está presente na designação de numerosas cidades brasileiras, como “café”, em Cafelândia, ou nomes de pessoas como Rolândia, Clevelândia e Matelândia, todas do Paraná, em que são homenageados o lendário herói Roland, um presidente dos EUA e o sobrenome Mattjie, de um dos pioneiros.

Como tantas outras localidades, Siderópolis, nome substitutivo de Nova Belluno, então distrito de Urussanga, tem no nome o composto grego pólis, presente em numerosas cidades Brasil afora: Florianópolis, Anápolis, Divinópolis, Petrópolis, Rondonópolis, Veranópolis. E mundo afora,  às vezes levemente alterado, como em Constantinopla, Sebastopol, Trípoli, Nápoles.

O que houve entre aqueles começos e a situação a que chegamos, quando o bom senso parece ter caído em sono profundo? Esquecemos que in medio virtus est (a virtude está no meio)?

Antes, os alunos sabiam que leite e calçados não davam em pacotes nem em caixas, mas vinham de rebanhos bem alimentados. Que o pão vinha da terra. Que o óleo, usado para fritar os ovos, tinha sido soja ou girassol antes. Que a galinha comia pouco, mas de grão em grão ela enchia o papo. Que na escola de seus avós e pais, em vez da defesa, por vezes irracional do mato, professores e alunos, em saudável convivência, ensinavam e aprendiam a tabuada, a ler e a escrever, a compreender a natureza num conjunto mais amplo.

Hoje, corações e mentes da garotada foram tomados pela defesa da Amazônia e das coisas light, que têm menos, mas pelas quais pagam mais.

Nossas matas estão sendo derrubadas? Onde, por quem, para quê? Convém verificar, procuremos os fatos. As crianças e os jovens não podem ser enganados justamente por quem tem por obrigação ensiná-los e programas a cumprir.

O tempo para aprender as disciplinas indispensáveis dos respectivos currículos, já tão diminuto, não pode ser desperdiçado com catilinárias contra derrubadas e queimadas e contra os transgênicos que acabaram com as pragas da lavoura e das cidades e encheram o mundo de comida.

Ivo vê a ave, vê o ovo e vê a uva. Vê também o pão e o leite. Precisa saber de onde é que eles vêm. (fim)

(Do Instituto do Palácio/Palavra)

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