O poema Ítaca, transcrito na semana passada, foi lido no funeral da ex-primeira dama dos EUA, Jacqueline Kennedy Onassis, há 24 anos. Foi a síntese que seu companheiro, Maurício Tempelsman, encontrou para falar da jornada dessa mulher tão complexa.
Dona de um bom gosto impecável, suas roupas e seus óculos viraram sua marca registrada e são ícones da moda até hoje, décadas depois de sua morte. Qualquer um que olhasse para Jackie poderia dizer que ali estava uma mulher que gostava das coisas boas — e caras — da vida.
Poucos tinham sua maestria para navegar com tamanha graça na superficialidade do mundo.
Mas foi no seu interior onde aconteceram as jornadas mais profundas.
Jackie conhecia a fugacidade da vida como poucos.
Sofreu um aborto espontâneo, deu à luz a uma bebê natimorta e, algum tempo depois, perdeu outro filho com alguns dias de vida. Em poucos anos, ela presenciou o assassinato do marido, o então presidente dos EUA John F. Kennedy. Aos 34 anos, Jackie virou viúva, com dois filhos pequenos para cuidar e um legado para defender.
Ainda que vivendo o luto, era tão intuitiva, que foi a autora do termo que simbolizou a presidência do seu marido, o Camelot, uma referência à cidade mítica do rei Arthur, a lenda da cavalaria onde a bondade e a justiça reinavam. Em sua famosa entrevista à revista Life, uma semana depois do assassinato, Jackie imortalizou JFK com as palavras da peça teatral: “Haverá outros grandes presidentes, mas nunca haverá outro Camelot”.
Dois anos após a morte do marido, perdeu o cunhado e confidente, Robert F. Kennedy, também vítima de um assassinato.
Jackie não via saída: queria afastar os filhos da terrível maldição que parecia rondar os Kennedy e, ao mesmo tempo, garantir segurança e privacidade aos filhos. Não titubeou. E casou-se com um dos homens mais ricos do mundo na época, o grego Aristóteles Onassis. Seu casamento foi visto como uma traição para alguns norte-americanos, inclusive os Kennedy, que o consideravam um mafioso pelo modo brutal com que conduzia os negócios. Mesmo assim, seguiu adiante. No fim, Ted Kennedy, seu cunhado, acertou os detalhes do acordo pré-nupcial.
Tudo soa como uma grande transação comercial, mas os mais próximos garantem que, além do amor, eles dividiam uma paixão pela literatura grega, música clássica e fluência em outras línguas.
Com Onassis, as tragédias não cessaram. Vivenciou a morte do filho mais velho do magnata, Alexandre. Dois anos depois, Onassis falece e Jackie voltou a ficar viúva.
Depois de alguns anos, passou a viver com Maurício Tempelsman, um relacionamento que durou até o fim da vida.
Jackie era contraditória, sim.
Fria e romântica. Superficial e profunda. Terrena e etérea. Fútil e densa. Racional e passional.
No meu modesto entendimento, Jackie sempre esteve em busca de alguém que a completasse, em todos os sentidos. Alguém que preenchesse seu vazio existencial.
Era materialista, mas tinha raízes profundas e sentimentais com algumas coisas. Mesmo casada com um bilionário, nunca quis sair do apartamento onde viveu depois do assassinato com JFK. Criou os filhos e morou no 1040 da Fifth Avenue até morrer. A casa de praia em Hyannis, no estado de Massachusetts, nunca mudou — os móveis e a decoração eram os mesmos de quando a dividia com o ex-presidente.
Mas o que fica para trás, apesar do seu fascínio por dinheiro, era o amor pelas artes e por literatura. Em Nova York, era famosa por apoiar tudo o que fosse ligado à cultura.
Depois da morte de Onassis, Jackie se tornou editora de livros, função que ocupou com discrição e profissionalismo. Um feito admirável para alguém como ela, que não precisava trabalhar.
Sua paixão por livros era tamanha, que sua única filha viva, Caroline Kennedy, publicou uma obra com os poemas preferidos da mãe. Aliás, foi ela quem melhor a definiu: “Quando minha mãe morreu, muitas pessoas perguntavam dela e seu interesse pela moda — o estilo Jackie O”, revelou. “Mas eu sentia que desconheciam quem ela era, por isso decidi escrever esse livro”. E continuou: “Ela era uma ávida conhecedora de literatura, história, peças de teatro, e poesia. Eles lhes davam força, mesmo nos momentos mais difíceis. Por ela conhecer tão bem a Grécia antiga e as peças da época, ela sabia sobre sofrimento e perseverança”.
Jackie era inteligente, apesar da queda pelo fútil. Ela sabia que de sua Ítaca só levaria conhecimento. E nada mais.

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