Ter uma casa é um sonho para Eva Salustiano de Souza há muitos e muitos anos. O barraco de duas peças construído no meio de um garimpo desativado é o mais próximo que ela conseguiu chegar disso. “Aqui é bom, eu prefiro ficar aqui, porque não tenho para onde ir”, diz a pensionista de 64 anos.
Ela e outras 600 famílias moram em um bairro improvisado de barracos de madeira levantados em uma área que pertenceria à Construtora Lúmen, uma das maiores de Mato Grosso. A empresa luta na justiça pela posse dos 53 hectares e diz que o imóvel, denominado Fazenda Touro Bravo II, foi comprado em 2014.
Os casebres ficam na região do bairro denominado Paraíso, em Cuiabá. O principal interesse da empresa é a localização privilegiada, a partir de onde ela pretendia fazer um prolongamento da Avenida do CPA. Apesar do nome idílico do bairro, as casas da região evidenciam uma miséria assustadora: cães magros, lixo e mosquitos se espalham ao redor dos barracos.
“Aqui nós vivemos com R$ 700, meu marido faz bico, mas ele é doente das pernas”, explica Eva. Ela e o marido estão nas terras desde a primeira invasão, em 2016. Saíram só no ano seguinte, quando a juíza Olinda de Quadros Altomare Castrillon acatou o pedido de reintegração da Lúmem, em março de 2017.
Meses depois Eva voltou. “Meu filho morreu na casa onde eu morava, teve um ataque do coração e eu não queria ficar lá com as lembranças”, diz. E ela não foi a única: outros sem-teto chegaram e o número de barracos aumentou. Um dos novos moradores é Ujilson Divino, 33, que está na região há nove meses, defendendo o barraco onde mora.
“Dono não tem porque aqui está mais do que provado que a área é do Estado; o problema é que a Lúmen fica requerendo um direito de posse que não existe. Como que existe direito de posse se não tem ninguém deles em cima?”, afirma. Ujilson está desempregado e uma de suas filhas tem necessidades especiais, que ele ajuda a tratar com benefícios de assistência social.
Barracos destroçados
Os moradores mais antigos, como Eva Salustiano, lembram com lástima a primeira reintegração. A ação também foi registrada nos autos do processo judicial do requerimento da área. O oficial de Justiça responsável, Guilherme Garcia Neto Leodemar Nunes da Cunha, deu detalhes do cumprimento do mandado.
“Existiam vários barracos de compensado e de madeira, com telhas de ‘eternit’, e treze residências de alvenaria, sendo que no ato da reintegração nenhuma residência foi derrubada, enquanto estes oficiais lá estiveram”, escreveu ele.
Segundo os moradores, trabalhadores, equipamentos e tratores da construtora apareceram no local logo após a saída da Polícia Militar e do oficial de Justiça e as casas foram colocadas abaixo. “Foi muito triste, meu filho, veio trator e derrubou tudo, a minha casa era de madeira, mas tinha casa de alvenaria que foi derrubada”, recorda Eva.
A briga pela área passa também pelo interesse de duas associações. A Associação Comunitária de Habitação do Estado de Mato Grosso (ACDHAM) e a Associação dos Moradores Minis e Pequenos Produtores Rurais da Comunidade Lagoa Azul (AMPLA) dizem que existe um requerimento de posse das terras pendente desde 2010 no Intermat – e que a área pertenceria à União.
Além do interesse comercial, há também um interesse ambiental desde que o Ministério Público Estadual (MPE) mapeou quatro nascentes no local através do projeto Águas para o Futuro. A Lúmen citou inclusive a descoberta na ação judicial. Anos antes, a área foi usada para exploração mineral pela ML Mineradora Lorenzon entre os anos de 2012 e 2015.
Outro lado
A reportagem do LIVRE tentou entrar em contato com o Intermat e com a Construtora Lúmen, mas até o momento não obteve resposta.