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Intolerância religiosa e discriminação racial podem ter motivado agressão a quilombola

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Intolerância religiosa e discriminação racial podem ter motivado agressão a quilombola

Vítima de uma abordagem policial que considera desnecessária e agressiva, o presidente da Associação dos Moradores de Mata Cavalo de Cima, o quilombola Sizenando do Carmo Santos, conhecido como Mestre Nezinho, disse nesta manhã, ao LIVRE, que teme por sua segurança.

Na manhã de terça-feira (17), logo após ter feito Boletim de Ocorrência e da repercussão da denúncia, ele recebeu um telefonema anônimo. “Um homem que não se identificou me disse: ‘Eu estou ligando para te avisar que eu posso perder a farda, mas você eu não perco’. E desligou logo em seguida”, conta Nezinho.

Uma rede de amigos, lideranças do movimento negro e entusiastas da cultura que reconhecem o trabalho inestimável do quilombola pela conservação das tradições e de manifestações religiosas dos povos tradicionais, têm trabalhado por garantir sua segurança e ainda, que os autores da abordagem sejam notificados e permaneçam afastados da residência que fica no Quilombo de Mata Cavalo de Cima, em Nossa Senhora do Livramento (a 37 km de Cuiabá).

No sábado (14), durante a realização de uma das mais tradicionais festas de santo de Mato Grosso, a que realiza anualmente há 49 anos , policiais chegaram por volta das 6h, pedindo que a festa fosse interrompida. Ele reclama também, que a área só pode receber intervenção da Polícia Federal, por se tratar de uma comunidade quilombola.

[featured_paragraph]“Um deles chegou dizendo, cala a boca seu veado. E chegou me empurrando o peito, de maneira agressiva e repetidas vezes, me mandando calar a boca. Eu disse a ele, você baixe a voz comigo, saiba que sou presidente da associação, foi quando ele minimizou o tom”, diz Nezinho.[/featured_paragraph]

Questionado sobre quais seriam as motivações da abordagem supostamente exagerada, Nezinho acredita que elas possam conter níveis de intolerância religiosa, homofobia e ainda, que sejam agravadas pelo fato dele ser negro e quilombola.

“Foi uma humilhação. Fora a abordagem que eles fizeram, tem outro fato que me entristece ainda mais que foi a festa que por 49 anos realizamos sem qualquer incidente, ter acabado antes e por consequência, termos perdido muita comida. As pessoas foram embora, tudo estragou, foi muita tristeza”, declara o líder quilombola que também é babalorixá.

“É tanto choro desde então, é tanto sofrimento. E não é de hoje, é histórico. Há alguns meses venho cobrando segurança na nossa região, muitos roubos. Mas a polícia vir aqui para cobrar da gente o fim de uma festa que estava toda formalizada, como sempre esteve, com todos documentos, isso foi triste demais”, desabafa.

Encaminhamentos

Os amigos de Nezinho o levaram para fazer o boletim de ocorrência na noite de segunda-feira (16) e foi justamente depois disto, que ele recebeu o telefonema anônimo com ameaça.

Na tarde de ontem, o presidente do Comitê dos Povos Tradicionais de Mato Grosso e superintendente da Igualdade Racial da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, Antônio Santana da Silva, foi até o quilombo para apurar os fatos. Ele disse ao LIVRE que protocolou documento na Sejudh-MT exigindo segurança para Nezinho e apuração dos fatos junto à Corregedoria da Polícia Militar.

Outra liderança do movimento negro,  a presidente do Instituto de Mulheres Negras (Imune), Antonieta Costa, a Nieta, questionou a atuação da polícia. “Polícia é para proteger. Há tempos Nezinho vem cobrando segurança para a região que vem sendo assolada com roubos. Nem delegacia tem mais em Livramento, só um posto que é muito pequeno para atender mais de 400 famílias quilombolas”.

Segundo ela, Nezinho é vítima constante de perseguição. “Já mataram cachorro, já mataram porco. Acho que esse episódio é mesmo resquício de intolerância religiosa, ele é um babalorixá. Tem sua descendência racial. Acho que quando a polícia age com truculência ela perde sua função social”, dispara.

[featured_paragraph]“As agressões contra os povos tradicionais vem ocorrendo diariamente e cada vez, com mais força. Quem vai ouvir Nezinho, um homem negro, que está no fundo de um quilombo? A violência se perpetua e a sociedade precisa refletir, especialmente, como deve ser o papel da polícia diante da diversidade. E como ele faz agora? É ameaçado e só tem um lugar para voltar depois disso tudo: sua casa, isolada em uma região rural. Um chefe de uma organização religiosa que precisa rezar agora, para se manter vivo”. [/featured_paragraph]

Acionada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Polícia Militar disse que a Corregedoria da PMMT, com base nas informações veiculadas na imprensa, expediu um pedido de providências, ou seja, um levantamento prévio cujo resultado definirá o procedimento a ser instaurado e as medidas a serem adotadas. Mas o prazo para este processo ainda não foi estipulado.

A denúncia será encaminhada ao Ministério Público Federal nesta quarta-feira (18), por tratar-se de um fato ocorrido em terras da União. A denúncia já foi protocolada também, no Ministério Público Estadual.

 

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