A política brasileira está sendo sacudida por uma mudança cultural que, lá fora e aqui, está transformando e subvertendo antigos modelos e estruturas de poder. Partidos e políticos tradicionais vão sendo substituídos por outsiders. Multiplicam-se as surpresas. O fenômeno revela o esgotamento das ideologias dominantes e uma clara mudança do pêndulo da história. Um mundo, sem dúvida mais conservador, reage ao domínio do politicamente correto.  As redes sociais, por óbvio, tiveram um papel decisivo no redesenho da política e no resgate da agenda moral. Elas estão no centro da virada.

Segundo lideranças da política de sempre, a eleição de Bolsonaro só se explica pela presença de um forte sentimento antipetista. A interpretação é verdadeira. Mas só em parte. Jair Bolsonaro, com suas virtudes e defeitos, soube captar o pulsar profundo da sociedade. O Brasil real estava algemado pela interdição da ideologia. Sua mensagem –na política, na economia, na segurança pública, na defesa da família e dos valores- foi ao encontro de um sentimento latente na alma nacional. Isso explica boa parte do seu desempenho. Sem dinheiro, sem partido, sem televisão e sem apoio mediático, Bolsonaro transformou-se num fenômeno eleitoral. Passou como um tanque e arrasou o antigo mapa do poder: grandes partidos encolheram, velhos caciques foram pulverizados, antigas fontes desapareceram e a esquerda está literalmente no córner. O velho modelo perdeu vigor, rumo e identidade.

As redes sociais tiveram papel decisivo. Bolsonaro falou diretamente com o eleitorado. Rompeu, como nunca antes se tinha visto, a intermediação das empresas de comunicação. Agora, sentado na cadeira presidencial, continua na mesma toada. A perplexidade é grande. Alguns vislumbram nas idas e vindas do presidente da República, nas suas declarações polêmicas e provocativas, no seu modo aparentemente atordoado de dialogar com o Congresso, uma evidência de seu despreparo. No entanto, Bolsonaro está nas manchetes, nas páginas de política e nas discussões mediáticas. É estrela. Criticado ou apoiado. Todos os dias. O clima ainda é de campanha. Isso é ruim ou bom para o seu governo? É incompetência ou é jogada ensaiada?

Será que tudo isso, aparentemente desconexo e incompreensível, faz parte de um jogo estudado, manifestação de uma estratégia pensada e implementada? O que parece bagunça e impulsividade, algo que incomoda e irrita, não estará no cerne de um novo estilo de fazer política? É cedo para chegar a uma conclusão. Mas é preciso refletir. As polêmicas públicas de Bolsonaro com Rodrigo Maia, vistas como manifestação de inabilidade e despreparo, acabaram produzindo um saldo interessante: o estranhamento terminou em abraços, o receio de que a reforma da previdência fosse para o brejo uniu divergências, o empresariado saiu da zona de conforto e foi à luta. No fundo, o jogo avançou.

Não estaremos, amigo leitor, diante de um governo que acredita na polêmica e no confronto como forma de superação de situações cristalizadas pela força da ideologia? Não sei. Estou, a cada dia que passa, evitando pendurar etiquetas simplistas numa realidade que parece complexa. Será que os generais do núcleo duro do governo, reconhecidamente sérios e competentes, entrariam numa roubada? Tenho procurado pensar e refletir. Com esforço de compreensão da realidade, com cabeça aberta e sem preconceitos. Creio que precisamos fugir do jornalismo de fofoca e de polêmica superficial e mergulhar na análise dos fatos. É o modo mais eficaz para cobrir um governo imprevisível.

Ao mesmo tempo, precisamos sentir o pulso da opinião pública. Estamos, vez por outra, de costas para a sociedade real. Não se trata, por óbvio, de ficar refém do pensamento da maioria. Mas o jornalismo, observador atento do cotidiano, não pode desconhecer e, mais que isso, confrontar permanentemente o sentir das suas audiências.

A verdade, limpa e pura, é que frequentemente a população tem valores opostos aos nossos. Certas coberturas, por exemplo, tendem a apresentar uma imagem negativa da polícia vista como inimiga dos pobres, e subestimam o papel dos bandidos, que algumas reportagens consideram vítimas da injustiça social.

Bolsonaro precisa conversar com a mídia. Tenho dito e repetido. As críticas aos governantes, mesmo injustas, fazem parte do jogo. Não é possível recriar uma versão indesejável do “nós contra eles”. Não é bom para o País.

Governo e imprensa não podem ter uma relação promíscua. É salutar certa tensão entre as instituições. São peças essenciais da democracia. Espero que Bolsonaro desça do palanque e assuma o papel de presidente de todos os brasileiros. Espero, também, que nós, jornalistas, deponhamos as armas da militância e façamos jornalismo.

O jornalismo precisa fazer a leitura correta dos acontecimentos. É preciso informar com objetividade. Esclarecer os fatos sem a distorção dos filtros ideológicos ou partidários. O poder move o mundo. Por isso, a batalha do pluralismo e da liberdade exige uma correta interpretação daquilo que se oculta sob a aparência do fato.

A observação não ingênua do cotidiano mostra que a política é show, encenação, espetáculo marqueteiro. Fazer jornalismo de qualidade é não ficar refém dos atores do teatro do poder. É cobrir os fatos. Com profundidade, clareza e capacidade de análise.

A internet, o Facebook, o Twitter e todas as ferramentas que as tecnologias digitais despejam a cada momento sobre o universo das comunicações mudaram a política e mudarão o jornalismo. Queiramos ou não.

A imprensa de qualidade, séria e independente, é essencial para o futuro da democracia. E tudo isso, tudo mesmo, depende da nossa coragem e humildade para rever atitudes e entender novos contextos. E para isso é preciso ponderar e refletir, que são a proposta deste artigo.

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