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Homofobia: “É uma pena que instâncias superiores tenham que dizer o óbvio”

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Homofobia: “É uma pena que instâncias superiores tenham que dizer o óbvio”
(Foto: Pedro Ivo) - Presidente do Mães pela Diversidade, Josi Marconi

Sensação de tranquilidade foi o que sentiu a professora e mestre em Antropologia Social Josiane Marconi ao saber o resultado do julgamento de duas ações no Supremo Tribunal Federal (STF), que passou a criminalizar a prática de homofobia e transfobia no Brasil.

Josi, como é chamada, é coordenadora do coletivo Mães pela Diversidade de Mato Grosso. Mãe de três filhos, ela milita pela causa LGBT desde 2014, e vivencia, no dia a dia, as dores da discriminação da sociedade, seja por meio de relatos de outras mães do coletivo, seja por causa própria. Isso porque uma de suas filhas, hoje com 22 anos, é lésbica.

Ao LIVRE, a professora lembra que, desde cedo, a filha enfrentou diversos tipos de discriminação. Assumida desde os 14 anos, a menina precisou trocar de escola porque os colegas de classe já não mais queriam se juntar a ela para trabalhos básicos escolares.

[featured_paragraph]“A violência existe de muitos tipos e todos sofrem. Minha filha mesmo já teve que trocar de escola porque ela não estava conseguindo grupos para fazer os trabalhos de escola. Aqueles trabalhinhos de matemática, geografia. Eu tive que trocá-la”, destaca.[/featured_paragraph]

Para ela, a decisão do Supremo traz uma mistura de tranquilidade e sensação de segurança para sua filha e demais membros da comunidade LGBT. Apesar disso, ela manifesta a tristeza de perceber que, na sociedade atual, é necessário tornar crime certas práticas para que a população em geral compreenda que todos merecem respeito.

“Precisou o Supremo chegar e falar o que é óbvio, que é o respeito. Que as pessoas têm que ser [respeitadas], independente da religião, da orientação sexual, da identidade de gênero, da raça… É uma pena que, no nosso Brasil, a gente precise chegar em instâncias superiores para poder dizer o óbvio, né: que todas as pessoas são iguais e merecem respeito”, destaca.

País legalista

Na noite da última quinta-feira (13), por maioria, com oito votos a três, os ministros do STF decidiram criminalizar a homofobia e a transfobia no Brasil. A matéria, que já entrou para análise em seis sessões na Suprema Corte, trouxe alívio para os militantes da causa.

Presidente da Comissão da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MT), o advogado Nelson Freitas explica que, conforme o entendimento frisado pelo STF, a prática de homofobia passa a ser enquadrada na Lei n. 7.716/1989, que dispõe sobre crimes de preconceito de raça ou cor.

“Nós estamos falando de crimes contra a honra, por exemplo a injúria racial e o racismo. Ainda, infelizmente, a violência física, a agressão, não tem uma tipificação específica à LGBTfobia. A gente trabalha com a legislação do Código Penal, mas os crimes contra a honra serão, sim, equiparados à lei do racismo”, explica.

Ele também frisa que os crimes praticados contra a comunidade LGBT são, em sua maioria, calúnia, injúria e difamação, embora o número de violência física também seja elevado. Para o advogado, a decisão do Supremo é considerada um marco importante diante da falta de leis que criminalizem a prática da homofobia.

[featured_paragraph]”O Brasil é um país legalista. Ele precisa da criação de uma lei para dizer: ‘olha, essa conduta é errada e não pode ser feita'”, observa, destacando que a comunidade LGBT espera há mais de 30 anos por uma decisão como a desta semana. [/featured_paragraph]

Freitas destaca ainda que a criminalização da discriminação deve ser encarada pelo caráter educativo que traz, semelhante ao caso da Lei Seca, segundo fez analogia.

“Nós tínhamos um elevado número de acidentes e situações ocorrendo no trânsito em razão da situação de dirigir embriagado. E após a criação da lei, a gente verifica em dados que o caráter pedagógico da pena, da punição, trouxe resultados positivos. E aí precisamos fazer a analogia nessa situação”, exemplifica.

Violência

Conforme dados disponibilizados pelo Grupo Estadual de Combate aos Crimes de Homofobia (GECCH), da Secretaria de Estado de Segurança Pública, Mato Grosso registrou, apenas em 2018, 111 casos policiais envolvendo pessoas LGBT. Isso significa dizer que, no ano passado, a polícia registrou uma ocorrência a cada três dias.

Arte: Felipe Martins/O Livre – Mapa da violência contra LGBTs em Mato Grosso

Clóvis Arantes, do Conselho municipal de Atenção à Diversidade Sexual, chama a atenção para o fato de a decisão da Corte Superior não ter sido unânime. “Infelizmente, no Brasil ainda existem pessoas que entendem que não existe racismo, não existe LGBTfobia. Essas pessoas são as únicas que votam contra uma matéria dessa”.

Para o militante, que também é dirigente da organização não-governamental Livremente, que atua na causa LGBT em Mato Grosso, a decisão pela criminalização deve refletir na diminuição dos casos de violência, que, anualmente, apenas tem crescido em todo o país.

[featured_paragraph]”Uma lei que criminalize esses casos faz com que as pessoas se sintam menos autorizadas a cometer esse tipo de violência. Então, a criminalização, para nós, é fundamental. Você começa a tipificar os crimes de ódio e isso é importante. As pessoas vão ter mais cuidado antes de ofender, de humilhar uma pessoa pela simples razão de ter uma orientação sexual diferente da dela”, pontua.[/featured_paragraph]

“O estado é que tem que cuidar da população mais vulnerável. Com essa decisão, a gente entende que a gente vai poder recorrer de forma que o estado dê respostas mais rápidas para essa violência”, destaca Clóvis.

O militante também lembra que, apesar de a discussão das matérias no âmbito do STF ter durado “apenas” seis sessões de julgamento, a luta para a criminalização da homofobia supera pelo menos 10 anos, visto que diversos projetos de lei já foram apresentados no Congresso Nacional, mas nunca aprovados.

O caso também é citado pelo advogado Nelson Freitas, que lembra que, apesar do entendimento do STF criar jurisprudência para julgamentos posteriores, ainda não há uma legislação específica que ratifique a decisão judicial. Conforme o próprio STF frisou na tese do julgamento, a jurisprudência é válida até que uma lei da criminalização seja aprovada.

O que fazer

Para o advogado, é importante que a população LGBT entenda que mais um direito foi conquistado e passe a denunciar todas as práticas de discriminação e violência em função de sua orientação sexual.

De acordo com Freitas, o primeiro passo é o registro da ocorrência junto à Polícia Civil. Com o boletim de ocorrência é possível iniciar uma ação criminal na justiça comum. É após o BO que um inquérito policial é instaurado para investigação e o indiciamento, ou não, é enviado ao Ministério Público (MP).

Segundo observa o advogado, cabe ao promotor do MP analisar se o caso deve ser arquivado ou seguir. Caso ele entenda que o crime deve ser analisado pela Justiça, uma denúncia é feita.

Freitas também explica que, segundo a tese do julgamento no STF, o crime de homicídio doloso, isto é, aquele quando há a intenção de matar, também passará a contar com a homofobia como uma qualificadora de motivo torpe.

“Ou seja, se eu cometi um crime de homicídio doloso, com vontade de praticar o crime, em razão da orientação sexual daquela pessoa ou em razão da identidade de gênero daquela pessoa, eu tenho uma qualificadora desse crime, que é a do motivo torpe”, explica. A situação é idêntica ao caso do feminicídio.

Ele lembra, contudo, que a decisão ainda não foi publicada e, portanto, ainda não é válida.

Para ajudar na ampliação da divulgação sobre a nova decisão, o Conselho Municipal realiza, no dia 27 de junho, a partir das 14 horas, uma audiência pública para debater os direitos humanos da população LGBT. Esta será a primeira discussão sobre o tema em Mato Grosso.

Arte: O Livre/ Foto: Divulgação/STF

O crime

O julgamento no Supremo Tribunal Federal teve início no dia 13 de fevereiro e precisou de seis sessões até que fosse concluído. O caso em questão analisou duas ações, movidas na Corte pelo Partido Cidadania (antigo Partido Popular Socialista) e pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros, que frisavam a omissão e demora do Congresso Nacional em legislar sobre o tema.

Ao final, oito ministros decidiram pela criminalização, sendo eles Celso de Mello (relator), Luiz Edson Fachin (relator), Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármem Lúcia e Gilmar Mendes.

Foram contrários os ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli (presidente do STF) e Marco Aurélio Mello.

Conforme a decisão do Supremo, então, passam ser considerados crimes: “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito”, em razão da orientação sexual da pessoa; divulgar ato homofóbico em meios de comunicação, como publicação em rede social; e incitar ou induzir, em templo religioso a discriminação ou preconceito.

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