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Governador por quê?

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Governador por quê?
(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Não imagino o porquê todo mundo queira ser governador. Trabalho que não tem fim. Acorda e vê milhares de bons dias no telefone, uns por educação, outros à espera do prometido cargo público. O café é com desconhecidos, nunca mais família. Desarranja-se o dia ali mesmo. Depois, palácio. Oito reuniões marcadas para o primeiro período, tempo para três. Na sala de espera, há gente de todo o tipo: gente que acha que é íntima, gente que tem certeza. Se pudesse fazer um pedido a Deus, o novo governador demitiria as visitas.

Mas é preciso arranjar tempo e sorriso. Sorriso é o que não pode faltar, item que não se compra, nem com nem sem licitação. Aperto de mão, de mãos, de milhares delas, umas limpas com unhas aparadas, outras imundas com os cantos comidos. Almoço. Finalmente o almoço. Mas almoço de governador é diferente: serve-se às três da tarde, o que seria a hora do café para gente normal. Come-se com convidados. Quando quer se mostrar simpático, o governador vai almoçar com funcionários ou até chama gente para a própria sala. Quando se acorda com o pé esquerdo, almoça sozinho, um frugal sanduiche com mate gelado. Não há sesta. Sesta é uma impossibilidade para o governador, para o governo, para a máquina pública estadual.

Nessa altura, o sujeito arregaça as mangas. Pergunta à secretária: o que ainda temos? Ela informa outras doze reuniões. Pelo jeito, vara-se a noite. Se casado, o governador manda informar que não vai jantar em casa. Uma pena. A carne de panela da empregada não se serve no palácio com o mesmo tempero. O buffet oficial é resultado de uma licitação passada e o que há é frango grelhado por recomendação médica.

A tarde passa sem que o político se dê conta se é noite ou ainda segue o dia. Ilhado no gabinete, entre prefeitos e deputados, o governador dá e recebe abraços. Entre uma e outra reunião, um homem discreto entra na sala para colher assinaturas. Chegaram as nomeações. É hora de sentir-se magnânimo. O governador pega a caneta da sorte e, por trinta minutos, dedica-se à ortografia do poder: a letra aumenta, o traço torna-se mais fundo, a assinatura dilata-se. Com as nomeações feitas, decretos assinados, vetos encaminhados à publicação, o governador sente-se um pouco tonto. Vem um suco de laranja, com açúcar. Deve ser hipoglicemia, diz o médico plantonista. O senhor anda comendo mal. O governante retruca: ao contrário, doutor, estou a engordar como um peru de natal. O homem de branco, não temendo ser demitido, esclarece: eu disse comendo mal, não comendo pouco. Na saída, determina novo regime para o poderoso paciente que, como se vê, não é tão poderoso assim.

Ninguém sabe, mas entre uma e outra multidão que chega, o governador toma cinco gotas de homeopatia, alonga-se, coça as costas na parede. No entanto, volta rápido às primeiras reuniões noturnas. Às dez, despacha o último pedido: um irmão de deputado que precisa de uma colocação. Sim senhor, vamos ver o que cabe no seu curriculum, promete o governador cansado. Se alguém pudesse chegar perto o suficiente, sentiria um mau hálito profundo, resultado da falta de tempo para escovar os dentes. Escovar, ele escovou. Retifico: não sobra tempo para o ritual com o fio dental, luxo de gente que não sabe o que é política.

Fim de expediente.

Partida com a secretária que finge não sentir o bafo. O governador não tem o trabalho de apertar o botão do elevador, abrir e fechar a porta do carro e dirigir até a própria casa. Vai sendo arrastado por uma auxiliar que repassa a agenda para o dia seguinte e um motorista discreto que finge não escutar os desabafos que geralmente o patrão faz. Na casa, todos dormem. A mulher, no outro quarto.

O governador acordará no dia seguinte pelo toque do celular dando os bons dias com novos pedidos de emprego e, quando chegar meio azedo à mesa do café da manhã, irá comer um mamão papaia e ler no jornal as críticas feitas pela oposição. Se alguém entender porque um sujeito como esses, doze quilos mais magro e mil sorrisos mais feliz candidatou-se ao governo, por favor, explique para um ignorante como eu.

Eduardo Mahon é advogado, escritor e colunista do site O Livre

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