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Gilmar pousou no Brasil real

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Gilmar pousou no Brasil real

Youtube / Reprodução

Gilmar Mendes

O blusão escuro, a calça de missa das dez no interior, a camisa esporte, o par de tênis e a bolsa pendente do ombro — tudo nos trajes informais contrastava com a sisudez da toga. Mas as duas turistas brasileiras que passeavam em Lisboa identificaram o homem que desfrutava da folga do fim do ano. “Não adianta o senhor se disfarçar”, abriu as hostilidades uma das vozes que, nos intermináveis segundos seguintes, interpelaram Gilmar Mendes.

O sanguíneo ministro do Supremo Tribunal Federal achou melhor refugiar-se no silêncio, e calado ficou mesmo ao ouvir a dura interrogação formulada em dueto: “O senhor não tem vergonha na cara?” (Se alguém não sabe exatamente o que quer dizer a expressão “sorriso amarelo”, basta conferir no vídeo a fisionomia de Gilmar. Sorriso amarelo é aquilo).

É provável que o alvo das cobranças tenha dito a si mesmo que dera azar: com tantos brasileiros em Lisboa, havia topado com uma dupla de antagonistas. Se foi assim que tentou consolar-se, Gilmar teve a fantasia rasgada neste sábado, a bordo do avião que o levou de Brasília para Cuiabá. O pouso no aeroporto da capital do Estado onde nasceu foi a senha para o início da agressão verbal que mobilizou dezenas de passageiros.

Um gritou que o ministro pretende libertar Paulo Maluf. “E o Lula, ele vai soltar também?”, perguntou outro. Enquanto Gilmar se concentrava no celular, ecoaram na aeronave da Avianca menções a Aécio Neves, Daniel Dantas e outros beneficiários da brandura do magistrado. Tudo somado, ficou claro que os viajantes, a maioria dos quais composta por mato-grossenses, acompanham as performances do ministro da defesa de culpados. E não gostam do que andam vendo.

O som da indignação não cessou até que Gilmar fosse resgatado por agentes da Polícia Federal — ironicamente, uma das instituições mais maltratadas pelo juiz que começa a enxergar abusos tão logo o camburão dobra a esquina da rua onde mora algum criminoso da classe executiva. Até a tarde do domingo, Gilmar não havia comentado o incidente).

(A essa espécie de manifestação, ressalvo, prefiro a boa e velha vaia, a mais contundente e desmoralizante expressão do desagrado. Os efeitos colaterais nunca falham. A vaia no Morumbi em 2016 aconselhou Dilma Rousseff a manter distância dos Jogos Olímpicos. A vaia no Maracanã na abertura dos Jogos Pan-Americanos de 2007 transformou Lula no único “líder popular” do mundo sem coragem para enfrentar a multidão. Faz dez anos que só discursa para plateias amestradas).

Feito o registro, voltemos ao sábado: Gilmar foi enfim apresentado ao país real, profundamente modificado — para melhor — pelos avanços da Operação Lava Jato. Os brasileiros descobriram que a lei deve valer para todos. Que há vagas na cadeia para delinquentes cinco estrelas. Que a roubalheira alcançou dimensões cósmicas. Que todos os cofres federais foram saqueados pelo maior esquema corrupto da história. E a paciência acabou.

Acabou sobretudo porque as vítimas da ladroagem vão aprendendo que, como o governo não é uma entidade lucrativa, todo o dinheiro que os pais da pátria furtam, desviam, tungam, roubam ou desperdiçam sai do bolso dos pagadores de impostos. É compreensível que os lesados não vejam com simpatia quem trata bandidos ilustres com a indulgência que ajudou a transformar estes trêfegos trópicos num viveiro de condenados à perpétua impunidade.

O que não se pode compreender é a cegueira de integrantes dos Três Poderes que continuam vivendo num país que não existe mais. Os deputados estaduais de Mato Grosso, por exemplo, parecem ter perdido o instinto de sobrevivência eleitoral. Apesar da Lava Jato, apesar das operações anticorrupção em curso no Estado, não conseguem ver as mudanças na paisagem mato-grossense. Só essa disfunção explica a incessante ampliação do acervo de patifarias acumulado pela Assembleia Legislativa. Mas este é um tema para o próximo artigo. O assunto é Gilmar Mendes.

O ministro vive recitando que um juiz não pode submeter-se ao clamor das ruas. Tampouco pode se fazer de surdo quando confrontado com a voz da razão. No aeroporto de Cuiabá, Gilmar Mendes foi obrigado a escutar o sensato recado que ecoou no interior de um avião: os brasileiros exigem que os juízes cumpram a lei e façam Justiça. Simples assim.

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