Em meio à crise financeira na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que teve o fornecimento interrompido por falta de pagamento na última terça-feira (16), o Ministério da Educação lançou um programa de reestruturação do financiamento do ensino superior público.
Conforme a proposta, o governo federal pretende ampliar a participação de verbas privadas no orçamento universitário. Isso implicaria parcerias público-privadas, cessão de “naming rights” de campi e edifícios, além da criação de fundos patrimoniais.
De acordo com o MEC, a intenção do programa intitulado “Future-se” é financiar pesquisa, inovação, empreendedorismo e internacionalização das instituições de ensino. A adesão ao programa, no entanto, deverá ser opcional.
Na data do anúncio, a reitora Myriam Serra afirmou, durante coletiva de imprensa para esclarecer o corte de energia, que ainda não considera a medida uma solução para o déficit financeiro da Universidade, que, com a expansão dos cinco campi, triplicou, por exemplo, o consumo de energia elétrica.
“[O programa] ainda é muito confuso. Há uma intenção de que esse modelo pode não ser obrigatório, mesmo assim nós estamos preocupados”, afirmou Myriam Serra. “Nós fomos chamados para assistir à apresentação [do programa] e não para discutir o formato”, complementou.
Desde o anúncio do contingenciamento de 30% do orçamento das universidades federais, a administração da UFMT vem alertando que só conseguiria pagar as contas até este mês de julho.
Após autorização de um repasse do MEC no valor de R$ 1,8 milhão, a energia foi paga, mas a reitora afirma que a UFMT não teria mais “um centavo” para honrar compromissos com fornecedores.

Future-se: “sem diálogo e solução”
A reitora afirmou ainda que aguardaria uma posição oficial da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) que, atualmente, tenta entender o que o programa representa, de fato, para as universidades.
Conforme vem sendo divulgado pela imprensa desde então, as dúvidas vão desde os requisitos e contrapartidas para participar, até o papel que será desempenhado pelas organizações sociais (OS).
Para o ex-reitor da UFMT Paulo Speller, o programa apresentado pelo MEC não prevê nada novo em relação às parcerias público-privadas, ao menos na UFMT.
“O que o governo precisa priorizar é, primeiro, o diálogo com as universidades e a Andifes; segundo, o descontingenciamento do que já está contingenciado; e terceiro, o respeito à autonomia da universidade, porque só assim ela poderá avançar”, afirmou Speller, que esteve à frente da gestão da UFMT até 2008.
A proposta passa por consulta pública na internet até o dia 15 de agosto.

Terceirização: “mais ônus que rendimento”
Conforme dados apresentados por Myriam Serra durante a entrevista coletiva, atualmente o investimento privado com projetos de pesquisa e extensão representa apenas 0,01% do orçamento total da UFMT.
“Isso é ínfimo para a sobrevivência da universidade. Talvez as instituições de outras regiões até tenham condições de fazer parcerias público-privadas de maneira diferente. A gente [Mato Grosso] não tem uma cultura de investimento privado na produção do conhecimento”, destacou.
Para ela, políticas que propõem a terceirização de funções ou serviços tem mais ônus que rendimento para a UFMT.
“A privatização, ou terceirização, tem um ônus muito grave para a universidade. Do nosso orçamento global, 96% é com pessoal – servidores aposentados, ativos e terceirizados. Com os cargos [concursados] sendo extintos, a meu ver, o que nós pagamos hoje de pessoal terceirizado é o recurso que poderíamos ter para ensino, pesquisa e extensão, que são contemplados com verba de custeio”, afirma.

Falta cultura de investimento
Assim como Myriam Serra, a ex-reitora Maria Lúcia Cavalli Neder também apontou a falta de uma cultura de investimento por parte de empresas mato-grossenses no desenvolvimento de programas com a universidade.
“O financiamento geralmente é para pesquisa e não ensino. As empresas pedem uma resposta muito rápida e a universidade tem um ritmo mais responsável. Mas nós já desenvolvemos programas com a iniciativa privada, a universidade já faz isso há muito tempo, mas não é um volume muito grande em razão de uma ‘não-cultura’”, afirma Maria Lúcia.
A professora, que esteve à frente da UFMT até 2016, confessa que, diante da maior “característica econômica de Mato Grosso ser o agronegócio, “a canalização de investimento nessa área é, naturalmente, bem maior”.
“Todas as vezes que o governo retira sua responsabilidade pelo financiamento da educação é perigoso. Tem área do conhecimento em que a iniciativa privada não tem interesse é o Estado quem tem que bancar. E a universidade tem que ser pública, gratuita e obviamente, atender às demandas sociais, o financiamento tem que ser público”, complementa a ex-reitora.
