Dificilmente estamos preparados para as coisas ruins. É comum sempre imaginarmos que elas podem, com maior frequência, acontecer com vizinhos, conhecidos e até amigos, mesmo que nunca seja esse o nosso desejo.

À medida que os anos vão passando, e por ter um histórico médico que não recomendo a ninguém, tenho, com o devido comedimento, buscado avaliar minha saúde quase que anualmente, depois de um infarto sofrido há mais de 20 anos.

Nesse período nada alarmante foi detectado. Não tenho pressão alta, colesterol acima do desejável, e coração passando por todos os testes de esforço que as esteiras ergométricas têm exigido. Enfim, caminhante diário de quase 10 km, apesar da abstinência voluntária do último ano, sempre me senti dentro da normalidade saudável compatível com meus 67 anos.

Como não fiz check-up preventivo em 2018, cheio de faceirice fui ao cardiologista para mais uma rotina enorme de exames, já imaginando que, como das outras vezes, os resultados me encheriam de orgulho e causariam espanto nos médicos consultados, que diriam que minha saúde era de um menino.

Desta vez não foi bem assim. Apesar de os exames cardiológicos iniciais mostrarem boa saúde de veias e artérias coronarianas, fiz ainda ultrassons de abdômen e próstata, a pedido do urologista e proctologista, já que “as partes baixas” trato aqui em Sinop, de onde escrevo este artigo.

Para não transformar minha saúde em uma novela de desgraças sem fim, resultou que os exames mostraram a existência de 02 tumores em fase inicial, começando a se formar na bexiga e que deveriam ser retirados imediatamente por sua malignidade. Dr. Kleber Tobias, o cirurgião da minha confiança, aproveitou a já fez a raspagem da próstata avolumada por uma displasia benigna – enfim, algo positivo!

Difícil foi convencê-lo a fazer as cirurgias. No “teste de risco” exigido ao cardiologista, apesar dos bons indicativos pelos exames recentemente feitos, Dr. Luis Angeloni Neto resolveu, sem nenhuma justificativa aparente, solicitar, por desencargo de consciência, uma angiotomografia coronariana, o que seria o meu 10 em termos de coração.

Resultado: coração com comprometimento sério, com a possibilidade de ser necessária, após cateterismo de confirmação, da realização de 4 pontes de safena, colocadas em cirurgia a peito aberto, muito longe do que eu imaginava!!!

E pensar que eu estava, de início, me achando o máximo, à exceção do diabetes, já velho companheiro de tantas insulinas e metforminas que eu achava estar sob controle, não tomando um segundo das minhas preocupações, de repente, escancarado em níveis quase impublicáveis.

Mas por quê esse testemunho todo, deve estar você se perguntando, meu caro leitor? Porque achei interessante abordar algumas coisas que passam pela nossa vida sem que delas nos apercebamos como deveríamos.

Já citei acima que escrevo este artigo em Sinop. Até aí, nada demais, afinal, Sinop é uma das cidades de que tenho orgulho de ter ajudado em muito no seu desenvolvimento. A principal, talvez, no exercício dos meus mandatos de deputado estadual e federal.

O diferente é de onde escrevo: após mais de 20 anos, voltei à casa dos meus sogros, onde me encontro hospedado. Daí o significado especial da conjunção da doença, da cirurgia, do risco de vida e do tempo perdido, razão deste artigo.

No início eu sequer admitia a ideia. Além de emocionalmente abalado com tantas notícias ruins em tão pouco tempo, aceitar o convite seria como a sensação de entregar ao ”inimigo” o reconhecimento de uma derrota que nunca estive perto sequer de admiti-la. Mas aceitei.

A residência já não é a mesma que um dia conheci, mas mesmo na morada atual, em cada canto, em cada prateleira, em cada velho utensílio de cozinha reconheço e relembro tempos vividos. Os móveis, muito deles que conheci há quase 50 anos pareciam estar ali, a nossa espera, como a dizer: que bom que você apareceu…

As fotografias – e são tantas – encontram no baú das nossas memórias momentos deliciosamente vividos que pulam à nossa frente que sem tal ajuda não seríamos capazes de recordar com tanta veemência. Os filhos cresceram e os netos, que para os avós eram pirralhos, hoje já nos presentearam com netos e a eles com bisnetos que fazem transbordar todos os nossos corações de alegria. E tudo isso passou e ficou jogado num canto, sem que pudéssemos ter melhor aproveitado.

E foi assim, olhando sob a angústia da enfermidade, que pode ainda se agravar, embora eu não acredite, que levei o meu grande choque: a vida passou e nós ficamos ao largo dos momentos que poderiam ter sido maravilhosamente explorados.

As doenças, as coisas ruins continuarão acontecendo diariamente. Atingindo-nos ou não diretamente, é importante que percamos um tempo maior para olharmos mais para dentro de nós mesmos e das nossas boas, falo das boas, recordações. Com certeza, em cada canto da sua memória você encontrará milhares de razões para sorrir e relembrar um bom momento.

De repente, sem que a gente perceba, os personagens mudam, os móveis já não serão os mesmos, as fotografias desaparecem e ficarão para sempre escondidas, quando não jogadas fora, em um baú qualquer e, se descobertas, eventualmente, por acaso por alguém que nem sonha que fomos o que foram os sonhos que tivemos quase certo que perguntará a um interlocutor próximo que muito provavelmente não saberá responder: quem é esse velho ou essa velha nesta foto descolorida?

Como a vida passa rápido! Como desperdiçamos nosso tempo com coisas menores.

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