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Ética e imparcialidade: o que juristas de MT pensam sobre os vazamentos da Lava Jato

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Ética e imparcialidade: o que juristas de MT pensam sobre os vazamentos da Lava Jato
(Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Diálogos travados entre o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, e o coordenador da Operação Lava Jato no Ministério Público Federal, o procurador Deltan Dallagnol, divulgados em uma série de reportagens do site The Intercept Brasil, na semana passada, causaram debates e dividiram opiniões entre a população brasileira e causaram murmúrio no meio jurídico.

O conteúdo das conversas coloca em xeque a imparcialidade de Sérgio Moro quando juiz. Aponta que ele teria agido no sentido de orientar os procuradores que atuavam na linha de acusação, indicando, inclusive, testemunha a ser usada pelo Ministério Público a fim de obter sucesso nas ações na justiça.

Ao LIVRE, magistrados, membros do Ministério Público e advogados foram quase unânimes em afirmar que não houve “ilegalidade” no caso. Isso porque, conforme os juristas, não há, na legislação atual, nada que proíba o juiz, promotores e advogados de conversarem fora dos autos.

Contudo, os juristas também destacam que as ações devem ser pautadas nos Códigos de Processo Penal e de Ética dos magistrados, nos quais, aí sim, poderia haver alguma irregularidade diante da conduta de Sérgio Moro.

Outros, porém, afirmam não ser possível avaliar a relação entre os envolvidos, uma vez que a credibilidade do conteúdo divulgado estaria em xeque, visto que, segundo o Ministério Público contestou, os dados teriam sido hackeados.

Abaixo, confira o que pensa cada jurista:

O advogado Ulisses Rabaneda foi um dos que apontaram que não há impedimentos legais para uma relação entre magistrado e procurador. Contudo, destacou que o ambiente “adequado” para os assuntos profissionais seriam os fóruns e tribunais, embora não haja impedimentos para que questões consideradas “urgentes” sejam articuladas em outros locais.

Para Rabaneda, “o problema não está onde, nem como”. Ele também afirmou não considerar imoral ou antiética a relação entre o julgador e o acusador.

[featured_paragraph]Entretanto, destacou: “No caso dos diálogos envolvendo acusadores e o então juiz da Lava Jato, o que se viu foi mais do que um mero contato entre os atores processuais para postulações corriqueiras. Se fosse isso estaria tudo bem. […] o que ficou claro, na ocasião, é que o juiz orientava a acusação de como deveria agir, aconselhando-a. Isso é vedado”.[/featured_paragraph]

O entendimento do advogado Giovane Santin é o mesmo de Rabaneda. Ele também disse não ver problema na relação entre magistrados, advogados, defensores públicos e delegados. “Isso ocorre no dia a dia e não vejo isso como imoral e muito menos como antiético. Isso faz parte das relações humanas”, ponderou.

No entanto, para Santin, nenhuma das partes pode se prevalecer da amizade para ter algum benefício em causa própria. Ele lembrou que os magistrados devem ser imparciais e, quando há alguma relação, podem declarar-se suspeitos, como destaca o artigo 254 do Código de Processo Penal.

“Uma das hipóteses que se encaixa no caso em voga do ministro Sérgio Moro e do procurador Dallagnol é o caso do inciso quatro, em que o magistrado aconselhou qualquer das partes. Essa relação é a que abominamos. Essa relação de um magistrado passar a influenciar, orientar ou fazer qualquer tipo de sugestão em uma causa que será julgada por ele mesmo”, disse.

Tanto Santin quanto Rabaneda, porém, destacaram a necessidade de uma investigação sobre o caso. Eles citaram, principalmente, a necessidade de entender o contexto verdadeiro da troca de mensagens. “Nos resta aguardar, esperar o contraditório e o devido processo legal, para que as responsabilidades sejam apuradas”, disse Santin.

(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre) – Presidente do TRE-MT, desembargador Gilberto Giraldelli

Desembargador no Tribunal de Justiça de Mato Grosso e presidente do Tribunal Regional Eleitoral, Gilberto Giraldelli também acredita ser prematura uma manifestação sobre o caso, considerando que não há informações sobre como as conversas divulgadas foram obtidas (devido ao sigilo da fonte). Segundo destacou, a imprensa tem sido a responsável por divulgar o caso e, por isso, ele teme que o contexto das conversas fique prejudicado. Ele também colocou em xeque a autenticidade das informações.

“Fica difícil você falar alguma coisa assim, no campo hipotético, quando os próprios interlocutores não sabem ainda se aquilo corresponde à verdade. Até porque foram fatos bem anteriores, ditos há alguns anos”, disse.

[featured_paragraph]Contudo, o magistrado observou: “Humanos tem contato, conversas, diálogos. O que a lei proíbe, objetivamente, é que você faça algum tipo específico de matéria que está sob seu alcance, sob sua responsabilidade”.[/featured_paragraph]

Para o desembargador, “diálogos que sejam travados dentro de uma forma republicana, bem aberta e transparente, não significa nada de anormal”.

“Normalmente se dá no ambiente de trabalho, mas não é incomum. Quem trabalha no dia a dia sabe que muitas vezes você encontra com determinadas pessoas e interessados que vêm te abordar sobre determinado tema. Compete ao juiz ter cuidado de não externar uma posição pessoal dele, e reservadamente, apenas atender ao reclamo da parte”, destacou.

O promotor de Justiça Roberto Turin, presidente da Associação Mato-Grossense do Ministério Público, também destacou ao LIVRE que a conduta dos dois envolvidos no caso, Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, não foi ilegal e nem mesmo “grave”.

“Nós temos, com todas as ressalvas, algumas questões que têm que ser analisadas no contexto, no conjunto de situações. Aparentemente, do que saiu até agora, e sendo absolutamente verídicas as falas e os contextos em que elas estão inseridas, não demonstraria nenhum elemento com gravidade suficiente para imputar nem ao Moro e nem ao Dallagnol prática de crime, por exemplo”, comentou.

[featured_paragraph]“Por outro lado, se você olhar a questão processual, há alguma nulidade capaz de nulificar os processos que eles trabalharam, em virtude daquelas alegações? Também não vejo nada com gravidade suficiente para isso”, destacou.[/featured_paragraph]

Apesar de considerar que, pelas conversas, Sérgio Moro deixou claro seu interesse pessoal na matéria em questão (a prisão e condenação do ex-presidente Lula), o promotor considerou que, em sua visão, se os diálogos tivessem acontecido na sala do magistrado ao invés de em aplicativo de conversa, também não revelariam nenhum fato “absurdo”.

“É meio que uma praxe brasileira que o juiz receba advogados, as partes, que conversem. Então, se aquelas mesmas conversas que estão sendo colocadas ali, como interceptadas no Whatsapp, tivessem sido realizadas dentro do gabinete do juiz, o procurador conversando, não teria absolutamente nada demais. É o tipo de conversa que os advogados e promotores têm com juiz”, ponderou.

De acordo com o promotor, um dos pontos mais questionados após o vazamento das mensagens é quanto a proximidade entre juiz e procurador. Para ele, contudo, a relação entre as partes não colocaria em xeque a condenação de Lula, visto que o ex-presidente teria passado por todo o processo legal e, inclusive, teve sentença mantida em instâncias superiores.

“Eles têm que olhar o contexto. Tinham outras provas, elas foram bem analisadas. A condenação está fundamentada nessas provas e foi confirmada por outros juízes, além daquele que julgou. Teve até pena aumentada, então isso reforça que o conjunto de provas não está baseado só nessa amizade do juiz com o procurador”, finalizou.

(Foto: Ednilson Aguiar/O Livre) – Procurador de Justiça do MPE, Paulo Prado

O mesmo é o que destaca o procurador de Justiça Paulo Prado. Para ele, o assunto sequer deveria ter gerado polêmica, “diante do trabalho que Sérgio Moro fez em prol desse país”. “O diálogo existente não tem o poder de condenar, meramente, ninguém”, afirmou. O membro do Ministério Público lembrou que, apenas com a Lava Jato, foram mais de 140 condenações, e que todos passaram por todos os ritos processuais.

“A condenação de alguém passa por um amplo processo onde pessoas confessaram, pediram para fazer delação premiada, delações foram realizadas, réus entregaram outros criminosos, coisas que nós, brasileiros, nem imaginávamos que estava existindo nesse país”, destacou.

O procurador pontuou que, com a operação, mais de R$ 1 bilhão foi devolvido aos cofres públicos, e destacou: “existem provas, provas que todos nós assistimos, vídeos onde ministros confessavam o que eles faziam, onde tesoureiros, diretores confessavam o que faziam”.

[featured_paragraph]“Nós não podemos, agora, em razão de um hábito criminoso, de invasão, onde ninguém sabe se são verdadeiros ou não, como esses textos estão sendo colocados, descaracterizar um trabalho que só honra a magistratura brasileira”, pontuou.[/featured_paragraph]

Paulo Prado também foi categórico ao afirmar que Sérgio Moro não teria agido com parcialidade em suas decisões, e justificou, assim como Turin, que as sentenças foram mantidas em instâncias superiores.

“Eu não vejo parcialidade alguma. Nós não podemos fazer um questionamento disso [sobre Moro ter infringido o Código de Ética] sem termos certeza da credibilidade dessas gravações. E eu não falo em hipótese, jamais seria leviano em falar disso”, disse. E finalizou: “Não vamos enaltecer bandidos, pelo amor de Deus”.

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