Cidades

Escravos do presidente da província replicavam escarificações em cerâmicas

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Escravos do presidente da província replicavam escarificações em cerâmicas
Peças foram encontradas no subsolo da Praça Dr. Alberto Novis

Os escravos que pertenciam ao presidente da Província de Mato Grosso, o Barão de Aguapeí, replicavam as escarificações de suas tribos africanas nas cerâmicas que produziam para o próprio consumo. A descoberta foi feita por arqueólogos através dos fragmentos de cerâmica e louça encontrados na praça Dr. Alberto Novis, antigo endereço do casarão construído a mando do barão.

Os fragmentos são de pratos usados na alimentação dos escravos

O aristocrata, que também ocupou a patente de brigadeiro no Exército e foi presidente do Partido Liberal, construiu um casarão onde hoje está a praça, em meados do Século XVIII. Ele trouxe para a capital da província escravos que não nascidos no Brasil, que serviam a si e aos seus familiares.

As escarificações replicadas nas cerâmicas são cicatrizes produzidas no próprio corpo por integrantes de tribos africanas. Ao chegar no Brasil, os negros eram proibidos de se escarificarem e tudo indica que os desenhos foram reproduzidos nas cerâmicas para driblar a proibição.

A descoberta foi feita por pesquisadores da Archaeo Pesquisas Arqueológicas, empresa contratada para monitorar os danos causados pelas obras do PAC Cidades Históricas no centro de Cuiabá. Os materiais descobertos estavam enterrados a 30 centímetros do pavimento de concreto da praça e passaram despercebidos em outras reformas.

As cerâmicas produzidas pelos escravos do barão foram descartadas quando o casarão ainda estava de pé. O material foi enterrado como lixo comum, junto com ossos de animais, possivelmente restos de alimentação. O imóvel do período regencial permaneceu de pé até a década de 70, quando foi demolido e deu lugar a praça.

Os artefatos possuem significativo valor histórico e cultural e poderiam ser dispensados durante as obras de reforma da praça caso o trabalho de monitoramento arqueológico não tivesse sido realizado. Ao mesmo tempo em que é um registro da cultura negra em Cuiabá, a descoberta também lança luz sobre os hábitos de João Batista de Oliveira, o Barão de Aguapeí, que foi presidente da província de Mato Grosso em 1868 e em 1878.

Mas a proibição das escarificações não era exclusividade do militar e político mato-grossense. As cicatrizes eram um tipo de manifestação cultural que simbolizavam beleza e força das tribos que a praticavam. Por rememorarem a ligação tribal dos africanos, a o hábito de escarificar ou ser escarificado era coibido pelos senhores de escravos no Brasil.

Além das cerâmicas, fragmentos de louças foram resgatados. A profundidade dos pratos e a fragilidade das louças indica que eram materiais para alimentação dos próprios escravos. Ossos de animais também foram encontrados nas escavações, o que evidencia que os escravos se alimentavam de ensopados com os restos da carne consumida pela família do barão.

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