O Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostra que 76% das crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual conhecem seu agressor que, na maior parte dos casos, é uma pessoa da própria família.
Além disso, revela que 42% dos crimes são recorrentes. Em contra partida, apenas 1% dos casos de abuso contra crianças e adolescentes chega até a Justiça.
Justamente por conta disso, desde o fechamento das escolas por conta da pandemia do novo coronavírus, há um “apagão” de dados sobre este tema.
A avaliação da juíza Hertha Helena Rollemberg Padilha de Oliveira é que falta para muitas dessas crianças e adolescente um ambiente seguro onde falar sobre os crimes, ou seja, as escolas.
“Quando ocorreu a pandemia, obviamente ficamos angustiados. Sabemos que cerca de 80% [dos casos de abuso] ocorrem dentro das próprias casas, com pessoas próximas às crianças. Na situação em que a vítima fica trancafiada em casa com o possível abusador, e a gente sem a possibilidade de chegar até esses locais para prestar algum tipo de auxílio ou poder tirar a criança. A escola estar fechada foi muito angustiante”, ela diz.
Socorro digital
Hertha é a segunda vice-presidente do Instituto Paulista de Magistrados (Ipam), que desenvolveu o projeto Eu Tenho Voz para levar às escolas, de uma maneira leve – por meio do teatro -, o auxílio que essas vítimas precisam para falar sobre os abusos que sofrem.
Agora, o projeto ganhou uma versão digital que será implantada, inicialmente, em escolas de ensino fundamental do Estado de São Paulo e de Curitiba (PR).
Ao todo, serão quatro apresentações, gravadas em vídeo, com o objetivo de sensibilizar crianças e adolescentes sobre a violência e o abuso sexual, e capacitar os professores e demais agentes da comunidade escolar para lidar com o problema.
Desde 2016
A intenção é que as peças de teatro, criadas pela Cia NarrAr Histórias Teatralizadas, antes feitas nas próprias escolas, sejam assistidas pelos estudantes e professores e que, após a exibição, sejam feitas conversas e debates virtuais.
As escolas serão escolhidas junto com as secretarias de Educação, sendo priorizadas aquelas consideradas mais vulneráveis. Para que as crianças e adolescentes sintam-se mais seguros para denunciar abusos, as ações serão feitas em escolas que já retomaram as aulas presenciais.
“O que a gente faz é estimular e oportunizar a denúncia. No momento que a criança tem aquilo guardado com ela há muitos anos e percebe que não é só dela, que isso acontece com outras pessoas, com outras crianças, e que existe a rede de proteção e que pode se valer disso, ela se sente estimulada a denunciar”, diz a presidente do Ipam, Tânia Mara Ahualli, que é juíza titular da 1ª Vara de Registros Públicos, de São Paulo.
O projeto vai oferecer também capacitação aos professores, de forma remota.
“Esse fator é muito importante porque nem sempre a criança denuncia após a apresentação [das peças de teatro]. Muitas vezes, ela vai amadurecer aquilo por uma semana. Os amigos, que normalmente sabem o que está acontecendo, vão dar um força para a criança procurar ajuda e ela vai acabar procurando ajuda com um professor que é mais próximo dela e com quem ela sente maior elo de segurança”, explica a juíza Hertha.
“É indispensável que esses professores estejam preparados para acolher essa vítima, colher essa denúncia para encaminhar”, ela completa.
O que fazer?
Quem está passando por essa situação ou mesmo quem sabe ou suspeita que crianças e adolescentes estejam sofrendo algum tipo de abuso podem fazer as denúncias no site do Eu Tenho Voz, pelo telefone (11) 3105-9290, pelo e-mail eutenhovoz@ipam.com.br, ou pelos demais canais de denúncia governamentais disponíveis na própria plataforma do projeto: Disque 100, 181 e 190.
(Com Agência Brasil)