Aos 26 anos, a estilista Bianca Poppi já teve suas várias fases. No ambiente das artes, da moda e da produção cultural, a pé rachada, nascida no CPA, é conhecida por estar sempre em pleno vapor. Inquieta, ela cria, recria e garimpa. Já assinou coluna, produziu festivais de artes integradas, promoveu ferinhas. Na cara-a-cara ou no online, ela alça voo alto com o negócio de sua vida, o Brechó da Poppi, já citado como referência em veículos especializados em moda, como as revistas Vogue e Estilo online.

As mudanças e a busca pela identidade se expressam em seu próprio corpo. Na hellcity, ela já “desfilou” as 40 tatuagens e as madeixas que já tiveram a cor roxa, lilás, cinza, laranja, ruiva, preta, rosa, turquesa, azul e loiro. Circulando pelo universo retrô dos brechós, Bianca já foi dos anos 60 ao contemporâneo e não exclui tendências. Com a experiência, se revela uma adepta da moda atemporal, o consumo reutilizável e sustentável.

Apesar de sempre investir em negócio próprio e independente para viver das roupas, a jovem sempre apostou na produção coletiva, somando a iniciativas de divulgação da produção autoral da cidade. Após ousar na contramão da falta de espaço para a moda alternativa em Cuiabá, agora ela se aventura se instala nas férteis terras mineiras.

Foto: Carol Morimon

“Tudo é criação, mesmo que eu trabalhe com peças de segunda mão, montar uma imagem é dar ideia nova”

Como sua relação com a moda começou?
Foi aquela coisa de criança. Eu gostava de desenhar, adorava desenhar roupa e todo mundo falava “você vai ser estilista” e eu acabei incorporando isso mesmo. Na minha adolescência eu ganhei a máquina de costura da minha vó paterna. Quando ela faleceu meu pai arrumou ela e trocou o pedal por um motorzinho. Com 15 anos eu comecei a confeccionar bolsinhas, foi quando eu comecei a produzir mesmo alguma coisa relacionada a moda. Depois eu entrei na faculdade, mas foi desde então eu comecei a produzir e não parei mais.

Moda é arte ou mercado?
Eu já até li bastante sobre isso, mas hoje eu acho que uma coisa não exclui a outra. Não sou uma perita no mundo das artes para classificar o que é e o que não é, mas a gente tem trabalhos de designs incríveis que não tem como não falar que é uma arte ou uma performance. Por exemplo, aquele brasileiro, o Jum Nakao. Ele fez um desfile só com roupas de papel e umas roupas assim, meio arquitetônicas, e no fim as modelos rasgam toda aquela roupa. Como você não fala que isso é arte? Mas claro que, se a gente for pesar para algum dos lados, a moda é mercado a todo tempo, porque a indústria da moda é uma engrenagem da economia mundial, desde pigmento até a confecção do tecido, assim como é também uma das maiores responsáveis pela poluição. Mas a moda tem seu lado arte, a moda é inspiradora, seja na fotografia de editoriais de moda, seja na construção do próprio vestuário.

Comecei até a brincar com as roupas, como se ela brincasse com você e te dissesse coisas, uma coisa de ironia que vai puxando para algum “time” ou algo que a gente acredita”

“Talvez o que eu goste seja a moda minimalista, mais austera, mais atemporal”

Você prefere criar, recriar ou garimpar?
Eu prefiro os três, amo tudo na moda. Gosto da construção do vestuário e gosto de construir imagens. Tudo é criação, mesmo que eu trabalhe com peças de segunda mão, que já estão prontas, montar uma imagem é dar ideia nova para uma peça que talvez ninguém tenha dado moral, tanto é que algumas peças saem muito rapidamente quando eu fotografo no corpo. Agora eu tô na vibe de garimpar, porque, desde que eu cheguei aqui em Belo Horizonte, o brechó deu up e um retorno muito maior, então ele está ocupando muito meu tempo e não estou fazendo as peças que eu fazia e coloquei a minha marca mesmo. Desde que eu mudei eu também não quis continuar fazendo as mesmas coisas, me aprimorar em acabamento, design.

Você segue alguma referência ou movimento estético?
Eu já tive várias fases. Comecei numa vibe “retrôzinha” anos 60 e gostava de tudo que era dessa época. Aí daqui a pouco a gente é anos 90, daqui a pouco a gente é minimalista, daqui a pouco é “vintage”, moderninha (risos). Ainda mais mexendo com brechó, toda hora muda um pouco. Mas talvez a coisa que eu goste seja a moda minimalista, mais austera, mais atemporal. Querendo ou não eu tento levar o brechó um pouquinho para esse lado, mesmo que sejam peças antigas, que não seja tão datado e que as pessoas não vão enjoar, roupas que continuam atuais e provavelmente continuará sendo. Mas gosto muito de peças com cara mais anos 70 e 80. A moda é cíclica na verdade, essas coisas vão indo e voltando e a moda se inspira nela mesma.

“A moda é mercado a todo tempo, é uma engrenagem da economia mundial, assim como é uma das maiores responsáveis pela poluição. Mas a moda tem seu lado arte, a moda é inspiradora”

De tudo o que você já fez em Cuiabá, qual foi seu melhor momento?
É difícil um momento preferido, porque já fiz bastante coisa. Comecei a atuar aos 15/16 anos com o pessoal do Espaço Cubo, do Fora do Eixo, produzindo para festivais de música e artes integradas, o Festival Calango, e eu gostava muito dessa época, porque apesar dos pesares, ela é responsável pela minha formação. Também teve uma época que gostei muito, em 2016, quando realizamos várias edições da Feirinha da 24. Tive o brechó no Espaço Magnólia e foi uma época de muita produção, porque além do brechó ter caminhado para ser o que ele é hoje, foi uma época produtiva para várias pessoas, amigos próximos e os que eu conheci depois começaram a ter mais espaço para expor suas criações, então a gente deu uma agitada boa na produção da cidade.

“A moda é mercado a todo tempo, é uma engrenagem da economia mundial, assim como é uma das maiores responsáveis pela poluição. Mas a moda tem seu lado arte, a moda é inspiradora”

Seu trabalho com frases bordadas envolve conscientização?
Essa história do bordadinho começou porque em Cuiabá eu achava muita peça de linho que é muito massa para usar no calor. Eram peças muito antigas e permaneciam com acabamento intacto e tecido cada vez mais bonito, mas era difícil vender e eu queria dar uma cara mais “modernete” para elas e ver se elas saiam. Eu já trabalhava um tempo com bordado, gostava de fazer ilustrações que eu fazia no papel, nos bastidores para usar em quadrinhos. E foi assim que começou no tecido. E o que eu vou bordar?, pensei. Acho que para você escrever alguma coisa numa roupa, tem que ser algo que faça sentido para você e para as pessoas. Lógico né, feministas como somos, a gente vai para esse lado. Comecei até a brincar com as roupas, com contraste, como se a roupa brincasse com você e te dissesse coisas, então tinha uma coisa de ironia que vai puxando para algum “time” ou algo que a gente acredita.

Você busca fugir padrões de beleza e promover inclusão?
Acho que é sempre válido. As coisas tendem sempre a começar na elite, nos formadores de opinião, revistas, designs, até massificar. É uma indústria que prega padrão mesmo, hoje está mudando, mas moda e a publicidade pregam magreza absoluta e tudo mais. Mesmo sempre magrela eu tentei quebrar isso da forma como podia e tinha legitimidade sobre, como essa coisa de quebrar o que é feminino e o que é masculino, por exemplo. Nunca curti nada perfeito, gosto de imperfeição, gosto de roupas que tem furo, desgaste, tudo conversa com o que eu penso de mundo. A roupa também é uma forma de você se empoderar e assumir uma identidade, uma pessoa em relação ao mundo e isso ser positivo para você, é um desafio, deixa nossa autoestima mais legal e confiante. Então acho que o brechó assume esse papel de inspirar e fazer acreditar que a gente pode usar o que quiser, tento ir por esse caminho mesmo.

 “O atemporal te faz ser fiel ao que acredita. Estamos falando de estética, mas trabalhando com brechó você também acaba incorporando várias outras ideias, se preocupando com lixo, consumo”

Como ser autoral em um ramo definido por “tendências”?
Quando você trabalha com moda, não tem como não absorver o que está acontecendo a sua volta. A gente funciona como um catalizador de ideias. Eu vejo muito desfile, tento acompanhar o máximo, saio na rua e me inspiro em baladas eletrônicas, saraus, carnavais aqui em BH, são movimentos em que eu vou incorporando cada vez mais referencias. Acho que o importante é você não ser escravo disso e querer criar as coisas só para agradar aquele momento. Trabalhando com o atemporal, com o tempo você vai sendo mais fiel ao que você acredita. Estamos falando de estética, mas trabalhando com brechó você também acaba incorporando várias outras ideias, se preocupando com lixo, consumo, e isso faz com que eu me preocupe com o tecido que eu vou escolher, prefiro tecidos e cores mais naturais, mais terrosas, que sei que vai funcionar no verão ou no inverno. Então é um universo muito único, as pessoas vão conseguir se identificar com você e o seu trabalho quando você é fiel às suas ideias. Tudo é muito efêmero e se você quer só seguir tendências para vender, você não tem uma cara.

“Nunca curti nada perfeito, gosto de imperfeição, gosto de roupas que tem furo, desgaste, tudo conversa com o que eu penso de mundo”

“Para mim é bem legal as pessoas não só comprarem, mas se inspirarem a olhar as próprias coisas com olhar especial.

E o trabalho com ilustrações e colagens? Como surgiu?
Sempre curti, comecei a viajar no mundo na moda desenhando né. Em Cuiabá eu era muito inquieta, toda hora inventando alguma coisa, porque eu era muito invocada com essa coisa da cidade ser muito difícil para tudo. Uma delas foi colocar as ilustra na rua com os lambes. Foi uma fase que eu não levei muito para frente, mas é ilustração é um projeto que eu tenho sempre guardado em mim e ele que de tempos em tempos aflora.

Depois do Brechó da Poppi ser citado na Vogue e na Estilo, o que você acredita que a levou ser referência?
Poxa, nem sei. Aqui em BH o pessoal que trabalha com moda mesmo curtiu muito o brechó, nomes importantes que respeitam muito meu trabalho. Acho que é porque eu realmente gosto muito disso, é o que eu mais gosto de fazer, pesquisar, trabalho muito por isso todos os dias, e é um reconhecimento que chega. A gente vai apurando o olhar e as pessoas passam a encarar isso como criatividade e dedicação. Uma vez uma menina aqui em BH me disse ‘nunca comprei, mas acompanho o brechó porque todos os dias eu tenho ideia sobre coisas que eu tenho e consigo usar’, então isso para mim foi bem legal, as pessoas não só comprarem, mas se inspirarem a olhar as próprias coisas com olhar especial.

Qual a diferença entre promover economia criativa em um espaço online e um espaço físico?
O físico é sempre legal, o cara-a-cara, a troca de experiências, é um ambiente mais seguro. Mas online é legal pela surpresa, amplia os horizontes, você lida com pessoas que você nunca viu a cara, mas te dá um retorno muito positivo. Esse lance do online, amigos do Rio, São Paulo contam que andando na rua já viram peças que eu bordei, te permite chegar em lugares que você nunca chegaria de outra forma. Então acho que as duas coisas têm seus pontos positivos.

“Cuiabá que é uma cidade com muita identidade, é uma cultura muito forte, mas não sei o que acontece que isso não tem peso para a maioria das pessoas. Estamos perdidos do meio de um agronegócio disputando com o Pantanal, só que não combina, um destrói o outro”

A sua saída de Cuiabá tem a ver com o profissional? O que isso mudou na sua carreira?
Minha saída de Cuiabá tem muito a ver com o profissional, não só com isso, mas para eu viver com o que eu fazia ia ser muito difícil. Eu não tenho grana para montar um negócio maior, o que eu conseguir fazer foi o brechó e já é muito, mas ainda assim tive que montar uma coisa minha para poder trabalhar com isso. Até se eu quisesse trabalhar com a galera das artes, do teatro, da música, criando figurino e tal, a galera é muito carente de recurso também e não tem grana para pagar figurino. Então pesou muito, desde que eu entrei na faculdade. Belo Horizonte é uma cidade nova que tem 100 anos e vejo que a galera tem um movimento de tentar reafirmar a identidade. Cuiabá que é uma cidade com muita identidade já, aquela comida maravilhosa que é o peixe, tem o siriri e cururu, lambadão, rasqueado e um jeito muito especifico de falar nosso. É uma cultura muito forte, mas não sei o que acontece que isso não tem peso para a maioria das pessoas. No mais, estamos perdidos do meio de um agronegócio que esta disputando com o Pantanal e é tudo isso ao mesmo tempo, só que não combina, um destrói o outro. É uma noção muito esquisita, arquitetônica, espacial…. Faz muito calor e não ter uma arvore na rua, isso foi me deixando muito angustiada, a qualidade de vida foi pesando muito, caro para viver com pouca oportunidade. Eu sentia muita falta de trocar com pessoas da minha área, fui tentando fazer de tudo, produzir várias coisas, mas chegou uma hora que eu não cabia mais, até para vender online o frete era muito caro.

Com uma visão de fora: o que falta e o que sobra em Cuiabá no que diz respeito à arte e moda?
Talvez o que falte é o que eu vejo desde a faculdade, não ter onde trabalhar, onde estagiar. É um tempo que passa muito rápido, você sai inseguro, não tem espaço para criar experiência. Isso cria um ciclo. Não há nem um polo, a maioria dos meus amigos se formam e fazem outra faculdade para trabalhar com algo que não tem nada a ver e quem tem grana se muda de cidade e se especializa ou inventa. Eu sempre inventei, me juntei a amigos, mas é difícil persistir em algo que não dá retorno, precisamos trabalhar, pagar as contas e viver a vida. É um mercado que não existe. Em relação à arte sobra muita gente foda, produzindo coisas incríveis, mas ninguém tem apoio, vejo pequenos acontecimentos, eventos e tal, tudo sempre de um tamanho que é legal, mas as pessoas cansam. Talvez agora com a escola de Teatro esteja rolando produções da moda e o teatro, acho que vai dar uma oxigenada para a galera mesmo, mas espero que haja mais investimento público mesmo, se não a gente vai sempre depender de grana para investir em algo.

“Meu objetivo é poder viajar o mundo inteiro atrás de peças diferentes. Quero saber cada vez mais utilizar o que a gente já tem e ser o mais sustentável por dia”

Quais são os planos para o futuro? Você tem algum objetivo a atingir?
Sou uma pessoa sonhadora, mas tenho pé no chão. Apesar de sempre querer crescer e evoluir, eu sou muito aqui e agora, no fazer diário, então tenho certa dificuldade de ver as coisas muito grandes estando envolvida. O brechó é uma coisa que tem sido bem duradoura e está crescendo, querendo ou não é uma coisa muito palpável, está acontecendo e lógico, meu objetivo é poder viajar o mundo inteiro atrás de peças diferentes, não consigo me imaginar produzindo em uma escala industrial, mas para evoluir queria ter oportunidade de crescer a ponto de garimpar pelo mundo para o brechó. Quero saber cada vez mais utilizar o que a gente já tem e ser o mais sustentável por dia.

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