Queridos e-leitores, escrevo acamado. Fui acometido por uma insidiosa dor de dente, desde a mais recente incursão a uma churrascaria de Porto Alegre. Na minha ignorância, pensava que estava velho de mais para ter dor de dente. Mas não. Nunca é tarde para acusar uma dor: dor de dente, dor de ouvido, dor de corno, dor lombar. Nunca teve? Nem queira experimentar. Pois bem. Estou aqui curtindo a minha dor de dente e pensando no futuro, um indisposto futuro. Lavoisier era mesmo um sábio: na natureza, nada se perde, tudo se transforma. Na política também. Nada se renova verdadeiramente. Besta é quem acredita nessa balela. O eleitor é e sempre foi um bicho pragmático. Quer saber de si e de suas necessidades e ponto final – nem que seja neste parágrafo. Trata-se de um fato, não uma hipótese.

Esse papo de “país que eu quero é um país sem corrupção” é conversa pra boi dormir, repetido em todos os noticiários da Globo. O eleitor quer estrada, quer atendimento no posto de saúde, quer iluminação, quer a escola para o filho. Não importa se o governante tenha roubado milhões ou bilhões, se tem mansão ou palácio, se anda de jipe ou de carro blindado. O nosso senso de cidadania ainda está abaixo da necessidade primária. Pode não parecer, mas o Brasil é um país pobre. Portanto, questões atinentes à ética, por mais que apareçam nas pesquisas como as mais relevantes, são as últimas a serem observadas, no sacrossanto momento do voto. O eleitor, trancafiado sozinho na cabina deve escolher: o asfalto ou a ética? o postinho de saúde ou a probidade? a água encanada ou a moralidade? O eleitor, coitado, não tem a menor ideia do que significa probidade administrativa porque, se tivesse, não deixaria barato um sujeito flagrado com os bolsos cheios, nem tampouco alguém tramando grampos telefônicos em amantes. Que nível, hein?

Na hora H, na hora do vamos ver, na hora da onça beber água, enfim, na hora de votar, o brasileiro ainda pensa feijão-com-arroz. Afinal de contas, não se troca o certo pelo duvidoso. O certo é o político próximo, alguém que se pode ter contato ou já se teve. “Ruim com ele, pior sem ele” – rumina a massa ignara. A resistência à mudança é tamanha que quem apostar nos mesmos nomes da atual legislatura para a próxima pode ganhar na cabeça. Ainda que investigados, acusados e até mesmo condenados, o povo não desqualifica o salafrário. Se o faz, corta um galho para manter o tronco. Não é por mal, reparem bem. É que, além da falta de preparo, subsiste a sensação de segurança. Para o povão, importa mais ser simpático e prometer mentindo do que ser antipático e dizer na bucha: tira o cavalo da chuva porque não vou dar aumento, não vou acabar a obra, não vou inaugurar nenhum postinho no teu bairro.

Não me venham com tecnicismos. Tecnicismos não ganham eleição! Promover o superávit, conter os gastos estatais, fomentar o desinventimento estratégico, agregar valor na industrialização, enxugar a máquina para facilitar o equilíbrio fiscal, repactuar a dívida pública, encaminhar uma reforma tributária e previdenciária, tudo isso se trata de arcanos intraduzíveis. Não me surpreendo mais com Dona Maria soltando um riso fácil ao confessar: votei nele porque era o mais bonito. Nem com Seo Deodato agradecendo por uma dentadura ou um olho novinho em folha. Quem fornece itens eleitorais tão baratos já entendeu o velho jogo de Maquiavel: o segredo é fazer o mal de uma única vez, enquanto o bem será entregue em parcelas. O governante que traz o benefício em prestações é aquele que se interessa por manter o controle sobre o eleitor com doses homeopáticas de ignorância, pobreza, ilusão. É a transformação cobrada no carnê.

As minhas conclusões não estão amargas por causa da dor de dente. Negativo! É certo que o bicho lateja, como se o coração estivesse pulsando na boca. Sinto vontade de pegar um alicate e arrancar o maldito. Essa vontade não se limita ao molar trincado que reclama nova obturação, mas ao político que precisaria ser extraído da vida pública muito antes de necrosar. O dente, resolve-se com um canal – é anestesia, broca e paciência; o político, ao contrário, só pára de doer depois que é preso. Enquanto a polícia não chega, ele continua sorridente, apertando mãos pedintes e beijando criancinhas remelentas. Pinga aqui um colírio. Me passa a dentadura. Eu também quero sorrir de graça! Fico por aqui, queridos e-leitores. Se me chamarem, digam que eu não vou.

Eduardo Mahon é advogado, escritor e articulista d’O Livre.

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