Depois de passar um ano difícil entre abrigo em Boa Vista (RR) e outro período em João Pessoa, na Paraíba, a venezuelana Virgínia Vargas alcançou uma grande conquista para refugiados que chegam ao Brasil. Há uma semana trabalha no Cine Teatro Cuiabá, com carteira assinada.
A oportunidade, conta ela, surgiu com a indicação de uma cunhada que busca, em semáforos de Cuiabá, empregos não só para si, mas também para outros venezuelanos que conhece e ainda não possuem condições de se manter. Ela segura nas mãos um anúncio: “Oi, somos venezuelanos e precisamos de emprego, ou de sua ajuda”. A cunhada tem trabalhado como diarista em casas de Cuiabá e, quando foi abordada com a oferta de emprego, indicou Virgínia.
Mãe de três crianças, de 1, 3 e 5 anos, ela diz que já conseguiu até vagas em uma creche perto da casa que divide com a família do marido. O aluguel de R$ 750, alimentação, água e luz, é dividido entre eles.
Segundo Virgínia, ela chegou ao Brasil depois do marido, que passou um mês trabalhando para conseguir mandar dinheiro para que ela e as crianças pudessem chegar. “A gente passou uma semana morando na rua até conseguir vagas em abrigo. Lá eu trabalhava com as crianças. Aprendi até a arte da palhaçaria entre os cursos que nos ofertavam lá”, fala, sugerindo uma conexão com o local do novo trabalho, um centro cultural dedicado às artes.
Salário mínimo = 5 kg de arroz
“Depois que o governo Maduro se instaurou, as coisas ficaram realmente ruins, nossa economia entrou em crise a ponto de um salário mínimo ter um valor equiparado a 5 quilos de arroz. Eu e meu marido – que é ajudante de pedreiro e já está trabalhando aqui em Cuiabá também – tínhamos que escolher entre fralda para as crianças ou comida. É claro que optamos por comida e nos arranjamos com fraldas de tecido”, conta.
Foi assim que o marido de Virgínia tomou a decisão de vir para o Brasil. “É lógico que a gente sonha em voltar para o nosso país, mas a realidade mostra que não será fácil. A situação só piora. Temos família lá ainda. Meu pai e minha avó, por exemplo, ficaram lá”.
A escassez de alimento é um dos principais problemas enfrentados pelas famílias, segundo Virgínia. “Eles só comem mandioca cozida. Não tem nem óleo para fritar. As filas nos supermercados duram dias e, quando as pessoas conseguem um frango, vão comendo pouco a pouco. A nossa expectativa é fazer nossa vida aqui, por enquanto”, lamenta.
Foi graças à atuação da Acnur, Agência da ONU para refugiados, que a família que estava no Brasil conseguiu se reunir. “Eles nos ajudaram com o transporte até Cuiabá, e graças a Deus, estamos conseguindo ter certa tranquilidade em meio a essa reviravolta que a vida deu”.
O presidente da Associação Cultural Cena Onze – que gerencia o Cine Teatro – e vice-presidente da OAB-MT, Flávio Ferreira, faz um apelo à sociedade para que desperte sua empatia.
“A gente entende que é fundamental a participação de todo mundo nesse processo de acolhimento, pois se você pensar bem, todos nós somos migrantes historicamente. Os únicos que não são imigrantes no nosso país são nossos irmãos indígenas. E a vinda de nossos irmãos haitianos e venezuelanos, mais recentemente para Cuiabá, para Mato grosso, é um processo sobre o qual todos temos responsabilidade. São pessoas que necessitam da gente e nós também precisamos deles. É uma troca de conhecimento, de vivência, de trabalho, de afeto”, diz.