Cuiabá

Elisângela, 11 anos: a história de uma criança estuprada e assassinada e o culpado à solta

Família da pequena Elisângela Rondon Pereira, 11 anos, ainda espera ver estuprador e assassino preso

8 minutos de leitura
Elisângela, 11 anos: a história de uma criança estuprada e assassinada e o culpado à solta
(Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

No dia 21 de outubro de 1994, Elisângela Rondon Pereira, 11 anos, foi vista com vida pela última vez ao sair da aula de datilografia, no Bairro Goiabeiras, em Cuiabá.

Três dias depois, o corpo dela foi encontrado nu, com sinais de estupro, pulsos cortados, coberto por galhos e com alguns dentro de sua parte íntima, no Bairro Pedra 90.

Mais de 25 anos após o crime bárbaro, ninguém foi preso. O LIVRE ouviu os pais de Elisângela, que disseram ainda esperar por Justiça, embora não entendam o motivo de tantos anos sem resposta.

O julgamento de um suspeito, Carlos José de Oliveira, conhecido como Casé, hoje com 57 anos, seria nesta terça-feira (15). Ele enfrentaria o júri popular em Cuiabá, mas o julgamento foi adiado devido à pandemia de coronavírus.

Amor em aprender

Elisângela era uma menina estudiosa e sonhadora. Queria aprender sempre mais. De tanto pedir, convenceu o pai, Erivaldo Vicente Pereira, hoje com 78 anos, a deixá-la fazer aula de datilografia com o irmão.

“A professora falou que a mãozinha dela era muito fraquinha para aquelas máquinas antigas, mas ela queria porque queria”, lembrou a mãe de Elisângela, Lourdes Rondon Pereira, 69 anos.

Um dia, um homem a parou próximo de casa e ofereceu a ela um curso de inglês, segundo o Ministério Público Estadual, era Carlos José, que morava e trabalha na rua de cima à da casa de Elisângela.

A família só o conhecia de vista, de algumas reuniões de políticos na casa de amigos em comum.

Sempre ávida a aprender, ela foi pedir aos pais para fazer o curso. O homem teria ficado de ir até a casa dos pais da menina para pedir autorização deles, mas essa visita e pedido nunca aconteceram.

Para conseguir convencer os pais, Elisângela chamou o irmão, Manoel Vicente Pereira Neto, para também fazer o curso. Na denúncia do MPE consta que no dia em que desapareceu, os dois iriam juntos até a escola de inglês.

21 de outubro de 1994

Era uma sexta-feira, dona Lourdes se lembra como se fosse hoje. Elisângela e o irmão foram juntos para a Escola José Magno de manhã. Manoel, no entanto, estava com catapora e, por isso, a professora o mandou ir para casa.

Ao sair da escola, Elisângela foi sozinha para a aula de datilografia, na Escola Olivetti, que começava às 14 horas. Manoel iria buscá-la no final.

O irmão, no entanto, estava pintando o portão de casa e se atrasou um pouco. Quando chegou ao ponto de encontro, na Praça Santos Dumont, já não a encontrou.

Desesperado, ele foi até um telefone público, ligou em casa e deu a notícia: Elisângela havia desaparecido.

“Quando ele falou eu já pensei na pessoa que ela tinha conversado nos outros dias. Ela chegou falando que tinha a pessoa que falou com ela sobre umas aulas de inglês. Ai eu fiquei pensando, ‘meu Deus, não tem onde ela ir’, meus filhos nunca foram de ir pra casa de ninguém”, lembrou dona Lourdes.

Dona Lourdes lembra que no dia do desaparecimento não conseguiu nem sair de casa, tamanho foi seu desespero (Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

Procura

O pai de Elisângela era militar do Exército, correu para o quartel, o 44º Batalhão, que fica próximo à casa da família, e pediu ajuda para procurar a menina.

A mãe ligou para o irmão, que registrou um boletim de ocorrência e a polícia começou as buscas.

Dona Lourdes ficou em estado de choque, não conseguia sair de casa.

“Eu não sei, mas eu acho assim, que se o irmão tivesse chegado na hora lá, tinha ido os dois. Porque ele não ia deixar o irmão, porque o menino ia falar quem era”, disse Lourdes.

Foram três dias de buscas e desespero, até que na segunda-feira, 24 de outubro de 1994, o corpo de Elisângela foi encontrado.

Violência extrema

Elisângela foi encontrada por uma testemunha em frente à chácara de Carlos José, a uma distância de aproximadamente 350 metros de uma lagoa.

Local onde, segundo o Ministério Público Estadual, Casé “frequentemente levava mulheres para a prática sexual”, diz trecho da denúncia do MPE.

O corpo estava deitado com a barriga para cima, nu, com galhos o tampando. O laudo pericial apontou “grande quantidade de larvas e presença de laceração do canal vaginal”, além de ter sido encontrado resíduos de vegetais e grãos dentro do órgão genital dela, o que comprovou para o MPE que ela foi vítima de um crime sexual violento.

A família de Elisângela guarda todos as notícias que saíram sobre o caso (Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

Investigação

Foram necessários 11 anos para que o Ministério Público Estadual oferecesse uma denúncia para o caso. Em 2003, a promotora Márcia Borges Silva Campos Furlan acusou Carlos José de Oliveira, o Casé, pelo crime.

Ele se tornou suspeito por ter sido visto conversando com a vítima alguns dias antes do crime, ter oferecido o curso de inglês gratuito a ela e pelo corpo ter sido encontrado na divisa de sua propriedade, em uma estrada que dava acesso à sede de sua chácara.

Antes, porém, um jornalista, Robson Sinomar Quintino da Silva, chegou a ter sua prisão pedida em outubro de 1996, acusado de ter cometido o crime. A prisão nunca foi cumprida. E com a denúncia do MPE em 2003 sem acusá-lo, o mandado de prisão foi revogado.

O delegado responsável pela investigação do caso, Roberto de Almeida Gil, hoje já aposentado, até 2008 dizia em entrevistas não acreditar que o culpado fosse Casé, mas sim um estudante que frequentava a chácara dele, que teria sido visto levando Elisângela, no dia do crime, em um veículo Monza.

Das três testemunhas que diziam ter visto essa cena, no entanto, duas foram mortas e a terceira foi embora de Cuiabá. Na denúncia do MPE, nem esse estudante e nem Robson são citados.

Segundo a denúncia, Casé teria levado Elisângela até sua chácara no Bairro Pedra 90, em Cuiabá, a estuprou e a matou cortando os pulsos dela.

“Como nota-se, o crime foi praticado mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, já que ela era uma criança de apenas 11 anos de idade, de compleição física normolínea, que foi levada a um local ermo que dificultou qualquer tipo de reação, pedido de socorro e/ou fuga.

“Ademais evidencia-se que o meio utilizado para a prática do crime foi cruel, pois a vítima teve seu punho cortado, sagrando até a morte, o que ocasionou choque hipovolêmico. Além disso, antes de morrer a vítima também foi alvo de crime sexual, pois foram encontradas lesões em sua vagina”.

Casé nunca teve um mandado de prisão expedido. Foi interrogado e sempre negou o crime.

25 anos sem resposta

Mesmo desconfiando de Casé desde o princípio, a família conviveu com ele por muitos anos. Eles moram na mesma casa até hoje e Casé morou na rua de cima por vários anos.

“Depois que aconteceu isso, um dia ele me parou durante uma caminhada e falou, de repente, que ia me ajudar a procurar quem fez isso e a gente sempre acreditando que era ele. E ele ficou morando ai. As pessoas perguntavam se eu tinha medo de sair aqui, nunca tive medo”, contou Lourdes.

Para suportar a dor da perda, ela se apoiou nos filhos. Na casa, tudo lembrava Elisângela, que tinha escrito em todas as paredes o seu nome, o dos irmãos e a frase “eu te amo”. Até na goiabeira e na parede da casa do vizinho ela escreveu.

Com lágrimas nos olhos, dona Lourdes conta que por toda a casa ainda há lembranças de Elisângela (Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

Dona Lourdes e senhor Erivaldo tiveram oito filhos, mas somente quatro estão vivos. Sofreram mais uma tragédia além da perda de Elisângela: uma filha, Elizene, morreu afogada em um rio em Cruzeiro do Sul, no Acre.

Mas a dor que os machuca há 25 anos é a falta de resposta pela morte de Elisângela.

“A gente não sabe nem o que dizer, era uma menina. A gente não sabe porque a Justiça, com todo esse tempo, não fez nada. Ele está ai solto. Ele nunca foi preso. Ficam adiando o julgamento”, lamentou dona Lourdes.

No ano passado, a família toda chegou a ir ao julgamento, que foi adiado quatro vezes. Seu Erivaldo, agora, está doente e já não conseguirá acompanhar a audiência, mas quando ouviu que estávamos na casa para falar sobre Elisângela, questionou:

“Mas vai resolver alguma coisa? Tantos anos e não fizeram justiça!”.

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