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Eles não têm vergonha na cara

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Eles não têm vergonha na cara

A Constituição do Brasil poderia ter apenas dois artigos: “Art. 1º Todo brasileiro é obrigado a ter vergonha na cara. Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário”.

Este modelo de Constituição foi proposto pelo historiador Capistrano de Abreu, professor do Colégio Pedro II,no Rio.

Vergonha veio do Latim verecundia, palavra composta dos étimos vereri, ter medo respeitoso, presente também em reverência, reverendo, reverendíssimo etc. E cundia, abundância, indica que este medo respeitoso é muito grande. Mais do que medo, é temor, pois não há lei que pegue sem temor de que à transgressão segue a punição, o castigo. Dante conseguiu mais católicos com o medo do Inferno como descrito na Divina Comédia do que os padres com seus sermões! E o castigo deve vir rápido. “O castigo vem a cavalo” é outro de nossos ditados. Vem a cavalo porque o cavalo foi o meio de transporte mais rápido até o trem, inventado apenas no século XIX!

Vergonha é uma das palavras mais pronunciadas no Brasil. Não é por excesso. É por falta. Será que somos um povo sem-vergonha? Muitos autores atestam que o povo tem muita vergonha, mas nossa classe dirigente tem pouca ou nenhuma.

Há controvérsias, como sempre. A falta de vergonha não é exclusividade de nenhum dos três poderes. Embora seja costume nacional atribui-la apenas aos políticos, ninguém pode negar que o brasileiro adora uma sem-vergonhice.

Todo sem-vergonha teve muitos que votaram nele para que fosse eleito! E eleito quer dizer escolhido! Quem escolheu o sem-vergonha, é sem-vergonha também ou foi enganado? Por isso, é importante o eleitor saber se está bem representado, se soube escolher. Porque depois não adianta se queixar! Nem do vice! Pois no Brasil, desde Floriano Peixoto, vice assume! José Sarney assumiu, Itamar assumiu e Michel Temer assumiu! Três vices assumiram desde 1985. De dez em dez anos, em média, no Brasil um vice assume!

Entretanto, uma das mais severas admoestações feitas a nós, brasileiros, desde a infância, proferidas por pais, irmãos mais velhos, avós, outros parentes, professores e amigos, está contida numa pergunta singela: não tem vergonha na cara, não?

Ninguém tipificava o crime ou conferia a lei ou o artigo onde o sem-vergonha se encalacrara. O infeliz reconhecia a transgressão, tão logo fosse admoestado e procurava emendar-se. Hoje, ele recorre!

O bordão “é uma vergonha” tornou-se ainda mais popular depois de tomado como fecho-padrão pelo jornalista Boris Casoy em seus comentários na apresentação de telejornal.

Mas por que “vergonha na cara?”. Aí é que está. Ditados muito antigos dão conta de que facada, tiro, porrada e bomba são menos graves do que um tapa na cara. O tapa (no Sul é masculino) e a tapa (no Norte é feminino) são humilhantes em qualquer estado brasileiro.

O soco, murro de mão fechada, não é tão humilhante. Olho roxo pode ser sinal de valentia. Nem o famoso pontapé na bunda é mais humilhante do que receber um tapa na cara. Capistrano de Abreu observa que, de acordo com as crenças populares, “Nosso Senhor tudo sofreu, mas não teve pontapés” e que “os escravos reclamavam” deste castigo, pois “pontapé é pra cachorro”.

O problema está na cara! César, quando em guerra civil contra Pompeu, recomendou a seus soldados, quase todos veteranos, que procurassem feri-los no rosto (Miles, faciem feri! ). Vaidosos de sua juventude e beleza, os recrutas de Pompeu debandariam, como de fato muitos deles o fizeram. Morrer em combate, tudo bem! Mas voltar com o rosto sangrando por ter apanhado na cara, não!

Nem faltou a justificativa bíblica de que Deus fez o Homem à sua imagem e semelhança. As cortes católicas trouxeram para o Brasil o conceito de que a cara da pessoa é sagrada.

Em suma, está na cara que ter vergonha na cara é importante sob qualquer ponto de vista. E é indispensável que os brasileiros que perderam a vergonha – eis aí outra expressão muito interessante – voltem a tê-la. E voltem a tê-la na cara! 

Assinatura Deonísio

 

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