Mais uma estória. Esta é de 1976. Lá vai o tempo e tantas memórias que o próprio tempo apagou. Mas existiram. Revelam um pouco da memória deste imenso Estado chamado Mato Grosso. Em 1976, era jornalista em Brasília. Trabalhava para o Jornal de Brasília. Do nada, um dia à tarde, a jornalista Noris Lima, uma morena carioca esplendorosa, perguntou-me à queima-roupa: “você quer ir trabalhar em Mato Grosso?”. Assustei-me e perguntei: “onde?”. “No governo de lá”, respondeu. Contou-me que a divisão do Estado estava em andamento e as crises políticas no governo eram muito grandes e, quem sabe, eu pudesse ajudar, já que era repórter político. “Faz um currículo e me dá agora!”, exigiu. Sentei-me e escrevi o meu pequeno currículo numa lauda de papel jornal onde se escrevia matérias para publicação. Ficou nisso.

Dez dias depois recebo um telefonema de Levy Campanhã de Souza, diretor do Departamento de Divulgação do Governo de Mato Grosso, convidando-me para uma conversa pessoalmente em Cuiabá. Vim pela VASP numa quinta-feira e fiquei até domingo. Fui embora contratado e 30 dias depois vim de carro para trabalhar. Tinha três filhos: André, de 8 anos, Fábio, de 6, e Marcelo, de 1. Eles ficaram em Brasília até o fim do ano letivo e eu vim para começar. Antes, preciso contar que armou-se uma revolução enorme nas duas famílias, a minha e a da Carmem, porque eles acharam um grande retrocesso sairmos de Brasília para Cuiabá,  “o fim do mundo”.

Saí de Brasília numa quarta-feira, dia 25 de agosto de 1976, um dia depois do sepultamento do ex-presidente JK, morto no domingo anterior. Aliás, esse será o tema de uma longa estória…

Vim num Corcel 1969, cinza, de quatro portas. Saí de madrugada e cheguei a Cuiabá às 19 horas. Já tinha combinado uma pensão e fiquei no quarto junto com outros três ocupantes. Nos demos muito bem. Era um casarão, hoje demolido, na esquina das ruas Pedro Celestino com a Voluntários da Pátria, número 251. Bem no centro da cidade.

A cada 15 dias eu voltava a Brasília no mesmo Corcel. Saía do Palácio Paiaguás às 18 horas. O carro já estava com o tanque cheio, mais um galão extra de 20 litros porque os postos fechavam à noite. A mala e a vontade de ver a família. Abastecia em Alto Araguaia antes da meia-noite e em Acreúna, perto de Goiânia, dia amanhecendo. Chegava em Brasília lá pelas 10 horas. No domingo, às 18 horas despencava de volta e chegava a tempo de trabalhar no Palácio, lá pelas 9 horas. Bom lembrar que o asfalto ligando Cuiabá a Rondonópolis, dali a Goiânia e a Campo Grande, tinha sido inaugurado em 1973. Pouco tráfego, estava novinho.

Entre Goiânia e Cuiabá são exatos 900 quilômetros. Nesse trecho cruzava com, no máximo, duas carretas de dez toneladas. Aqueles velhos caminhões Scania chamados “jacaré”, por causa do pescoço comprido, e alguns Mercedes Benz 1313 ou 1513 tipo truck, com dois eixos traseiros. Tanto na ida como na volta esse era o índice de carretas. Não havia produção para levar e nem insumos e maquinário para trazer para Mato Grosso. Por isso, as rodovias vazias.

Em fevereiro de 1977 trouxe a família para morar em Cuiabá, mas a cada seis meses íamos a Brasília visitar nossas famílias. O carro agora era uma Belina marron ano 1975. Depois dela, várias outras. As rodovias vazias como sempre. Na década de 1990 começou o tráfego crescente de carretas indo e vindo, levando soja, arroz, milho, carne e madeira. Agora, pasmem: naquela rodovia onde circulavam duas carretas por dia levando dez toneladas chegam a trafegar, 40 anos depois, 14 mil carretas por dia. Cada uma com até 60 toneladas.

O tempo passou. Meus filhos cresceram. Casaram e se foram. Tiago nasceu em Cuiabá. Já não viajo mais a Brasília de carro. Preferimos o avião. Mas nas minhas viagens dentro de Mato Grosso assombra-me ver as rodovias entupidas de carretas. Alguns lugares eram apenas nuvens de poeira ou atoleiros intermináveis.

Trem danado esse tal de tempo, né? Passa e leva tudo junto: memórias, velhas carretas, pessoas, e muda todas as paisagens. É a vida, enfim….!

Assinatura Coluna Onofre

 

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