Olá leitores. Estive viajando pelo Canadá nas duas primeiras semanas de agosto e, nesse meio tempo, minha esposa Aline Loretto, mestre em história pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), escreveu o texto abaixo. Eu também já fui de esquerda, e acordei do torpor esquerdista mais ou menos na mesma época que Aline.

Graças ao então nascente movimento conservador nas redes sociais a gente se conheceu, em 2014. De lá para cá somos uma dupla inseparável. Ela (foto acima) é a intelectual e humanista da família e eu o briguento que “ama os números” (de cientometria e bioquímica).  Ela povoou a casa de livros de incríveis autores conservadores, que não conhecia até então.

Espero que gostem do texto da minha esposa.

Como me tornei conservadora

Por Aline Loretto Garcia (graduada e mestre em História, UEL, Paraná)

Certa vez, o filósofo inglês Roger Scruton, ao analisar o homem anglo-saxão, afirmou que não é raro que ele seja conservador. No entanto, é incomum encontrar intelectuais conservadores na Inglaterra, país onde 70% dos acadêmicos se identificam à esquerda.

Não é um erro apontar essa mesma realidade para o ambiente intelectual brasileiro, cada vez mais dominado pelo pensamento de esquerda e crítico aos valores da Civilização Ocidental. Tal fato fez com que diversas vezes eu ouvisse as seguintes perguntas: como você é historiadora e não é alinhada ao materialismo dialético? Existem historiadores que se autodenominam conservadores? A resposta para essas questões é “sim”.  Contarei minha trajetória como aluna do curso de História de uma universidade pública brasileira e como acordei do sono esquerdista com uma guinada conservadora.

Em 2001, ingressei no curso de História da Universidade Estadual de Londrina. Havia então uma divisão, clássica, do saber historiográfico. No primeiro ano, estudávamos História do Brasil, História Antiga, História Medieval, Introdução aos Estudos Históricos e Antropologia (modismo acadêmico da época).

No início da graduação, na disciplina de História do Brasil, foi apresentado um bastião da esquerda brasileira: Caio Prado Júnior, historiador paulista filiado ao PCB, de uma rica família aristocrática, que rompeu com sua “classe” e se tornou um intelectual orgânico do proletariado brasileiro. Seu livro “A Evolução Política do Brasil” é considerado a primeira tentativa de interpretar a história política e social do país à luz do materialismo dialético.

Lembro da idolatria com que a professora apresentava seu pensamento. Caio Prado teria “redescoberto o Brasil’’. Algumas passagens de suas obras, como as que defendem que a sociedade brasileira colonial é um reflexo de sua base material, e que nossas classes sociais serviriam, da Colônia à contemporaneidade, para sustentar as elites, eram ovacionadas em sala de aula. Caio Prado passou a representar o “bem” contra o “mal’’ (Gilberto Freire e suas análises “culturalistas”).

Nas aulas de História Antiga e de História Medieval, as leituras obrigatórias giravam em torno dos livros do historiador marxista inglês Perry Anderson (um dos diretores da New Left Review, revista inglesa cujo objetivo era ser a porta-voz da nova esquerda da Grã-Bretanha). Além dele, Eric Hobsbawm e Edward Palmer Thompson formavam a “fina flor da historiografia marxista anglofônica’’. Era natural que meu professor os venerasse.

Durante o primeiro semestre de 2001, lemos “Passagens da Antiguidade para o feudalismo”; no segundo semestre, “Linhagens do Estado Absolutista”. A tese de Perry Anderson em ambos os trabalhos é a mesma: o Estado absolutista se formou como reação ao medo que a nobreza passou a sentir dos camponeses após estes organizarem uma série de revoltas. Há um conceito básico da teoria marxista na obra: a infraestrutura como reflexo da superestrutura. O fato de Anderson escrever mal e afirmar que não utilizou fontes primárias era irrelevante.

Nas aulas de Introdução aos Estudos Históricos, aprendemos a usar conceitos básicos do materialismo dialético: “lumpemproletariado”, “luta de classes”, “mais-valia”, “intelectual orgânico”, “modo de produção”, “alienação”, etc. Decoramos esses conceitos e os aplicamos em todas as situações históricas possíveis, mesmo as que eles não se encaixavam. Afinal, tínhamos o marxismo! Para que precisávamos dos fatos, da realidade?

Para completar, tornei-me aluna de iniciação científica em um projeto de pesquisa que analisou o “discurso desenvolvimentista” do governo de Juscelino Kubitscheck. Minha orientadora indicou como referencial teórico o livro “Aparelhos Ideológicos do Estado”, do filósofo marxista francês de origem argelina Louis Althusser – aquele que, em um surto psicótico, matou a esposa.

“Inteligentinha”

Após os dois primeiros anos da graduação em História, tornei-me o que o filósofo Luiz Felipe Pondé definiu como “inteligentinha”. Conversava com meus professores, citava historiadores marxistas, obtinha ótimas notas, posicionava-me ao lado dos mais pobres, dedicava-me às causas que anseiam tornar o mundo melhor, preocupava-me com as crianças da África, amava a Humanidade (mas não queria filhos).

Após a graduação, meu rompimento com as ideias da esquerda foi lento e gradual. Três fatos foram essenciais.

O primeiro foi ter me matriculado em 2003 no curso de Teoria da História, oferecido pelo professor Gabriel Giannattasio. Nele, foi apresentado o conceito de história na obra “As vantagens e desvantagens da história para a vida”, do filósofo alemão Friedrich Nietzsche.

Quando entrou em sala, provavelmente o professor Giannattasio não tinha ideia de quantos “inteligentinhos de esquerda” ali se encontravam – e do choque que a leitura daquela obra de Nietzsche nos causaria.

Nela, o filósofo alemão faz um duro ataque à cultura histórica do século XIX, em especial o que chama de “história crítica”: o materialismo dialético. Os ataques de Nietzsche têm como foco duas premissas: a filosofia da história faz com que o materialismo dialético busque no passado um sentido que conduza ao presente e que levaria necessariamente à apoteose da redenção socialista, e a lembrança como uma forma de nutrir o ódio, o ressentimento e a vingança. Nesse sentido, estaria construindo uma memória coletiva vitimizada.

Para Nietzsche, ao contrário, a história deve servir à vida! Para isso, é necessário usar a “força plástica do esquecimento”: o que não agrega o presente e nos torna mais fortes deve ser esquecido. Além disso, há a necessidade de substituir o “historiador cientista” pelo “historiador artista”, aquele que não fecha os olhos ao caráter poético e literário de seu discurso. Com isso, o que está em jogo não é negar que o passado tenha existido, mas mostrar que ele é construído na medida em que é textualizado. Se é para construir algo, por que não com beleza, com uma preocupação estética?

As aulas do professor Gabriel Giannattasio me fizeram refletir, pela primeira vez, que viver na beleza talvez seja mais potencializador do que a ilusão de atingir o passado. No entanto, por mais irresistível que a proposta tenha sido, ainda foi necessário “rolar algumas pedras” para realmente romper com o marxismo.

Na graduação, haviam me ensinado a velha máxima de Sartre: o inferno são os outros – o capitalista, o homem branco, a classe média, o heterossexual. Após formada, fui aprovada em concurso público e voltei a morar com meus pais, no interior de São Paulo. Cresci no seio de uma família conservadora que me educou para olhar o outro com compaixão, algo quase perdido após anos de doutrinação marxista. Meus pais, ao contrário, mostravam-me que um homem só é apenas um animal, e que nos formamos a partir das relações com os outros. O exemplo familiar passou a soar cada vez mais forte.

O último fato que me levou ao rompimento definitivo com o materialismo dialético foi o escândalo do mensalão. A denúncia de que o PT comprava de votos de parlamentares. Vários personagens do Partido dos Trabalhadores foram os protagonistas. Quem não se lembra de Silvinho Land Rover, Delúbio Soares e seu português mal falado, José Guimarães Nobre com dólares na cueca e Sibá Machado na tribuna do Senado?

Após o mensalão, talvez como sinal da chegada da maturidade, passei a adotar cada vez mais uma postura conservadora diante da vida. Como propõe Scruton, as coisas que amamos são facilmente destruídas, mas não facilmente criadas. Talvez as respostas do materialismo dialético para a desigualdade, a liberdade, a vida familiar, sejam mais excitantes, mas garanto: depois de anos defendendo o materialismo dialético, a resposta conservadora é muito mais verdadeira.

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PS: Agradecemos aos professores Ricardo da Costa (UFES) e Raíssa Kikuchi (Colégio Alub) pela leitura crítica do texto.

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