Um dos livros mais marcantes da minha adolescência foi o Diário de Anne Frank.

Li. Reli. Assisti à peça de teatro homônima. Visitei sua casa, agora um museu, quando estive em Amsterdã. Fiquei obcecada e queria entender o pensamento e a força daquela jovem judia que, junto com a família, fugiu do nazismo entre 1942 e 1944.

Quando penso em Anne Frank, uma palavra vem à minha mente: resiliência. A inabalável capacidade humana de resistir, de se manter em pé, mesmo quando a vida parece forçar o contrário.

Pensei em Anne Frank assim que li a reportagem de um casal norte-americano que mantinha 13 filhos em cativeiro, onde lhes era dado um único privilégio: escrever em diários os relatos do cotidiano de horror.

Anne Frank escreveu sobre a vida antes e durante a perseguição nazista, que forçou sua família a fugir da Alemanha e buscar abrigo em Amsterdã. A luta para se esconder de uma ideologia, que matou cerca de seis milhões de judeus na Europa, é narrada em detalhes. E termina com sua morte precoce, aos 15 anos, num campo de concentração.

Por mais surreal que pareça, os filhos do casal Turpin viveram situação ainda mais cruel. Seus agressores eram os próprios pais, aqueles que, instintivamente, nos protegem do sofrimento do mundo. Todo o medo, desespero e tortura aconteciam dentro da própria casa. Não havia uma ideologia ou crença para justificar os atos dos progenitores, apenas doença.

Sinto um frio na espinha só de imaginar os relatos sórdidos da morada do terror dos Turpins. Inicialmente, sabe-se que os filhos, cujas idades variam entre 2 e 29 anos, viviam como prisioneiros do casal numa residência imunda na Califórnia, só comiam 1 vez por dia e tomavam banho 1 vez por ano. Passavam parte do tempo acorrentados e, se contrariassem alguma ordem dos pais, os castigos eram mais severos. Como não saíam de casa, já que os pais cuidavam do ensino da prole (o conhecido homeschooling), ninguém desconfiava do casal.

A casa do horror só foi descoberta porque uma das filhas conseguiu fugir e alertou as autoridades sobre as condições que viviam. Agora, os filhos estão em tratamento para reparar os danos físicos e psicológicos.

O caso ainda é muito recente para avaliarmos o conteúdo dos diários. Mas, com o tempo, os registros dos Turpins serão tão importantes quanto os de Anne Frank. As palavras poderão estar em escolas, hospitais e consultórios psiquiátricos para ajudar pessoas que passam por um momento difícil.

Os diários, apesar da descrição do sadismo dos pais, serão a prova concreta da resiliência humana e do nosso instinto de sobrevivência, mesmo em condições desumanas. Eles mostrarão que podem nos tirar tudo — comida, carinho e conforto —, mas resistimos enquanto podemos sonhar. Os sonhos e a esperança em um futuro melhor são nosso oxigênio quando estamos desesperados por ar.

Assinatura Debora Nunes

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