Um projeto de lei do deputado federal Emanuel Pinheiro Neto, o Emanuelzinho (PTB), pretende modificar as regras da Lei Maria da Penha. Ele quer que agressores condenados a penas que não ultrapassem um ano tenham essa condenação substituída por medidas de responsabilização, na avaliação do parlamentar, “mais eficazes” socialmente.
A mudança valeria principalmente para condenados por crime de ameaças. Hoje, poucos deles cumprem pena em regime fechado. A ideia de Emanuelzinho é que eles sejam obrigados a reparar os danos causados às vítimas, participar de programas de recuperação e respeitar medidas protetivas.
Se for a provada, a lei poderia ser aplicada até a casos anteriores a ela, desde que o Ministério Público entenda que a transferência seja benéfica para a vítima.
Mas a questão é justamente essa. Profissionais ouvidos pelo LIVRE, avaliaram que a proposta do deputado fragilizaria a rede de proteção às mulheres, que ainda está em fase inicial de construção em Mato Grosso.
“Com a suspensão qualificada do processo, é possível atribuir ao próprio Juizado de Violência Doméstica a competência para fiscalizar o cumprimento das condições estabelecidas, elevando-se a efetividade da resposta”, defende o parlamentar.
Apesar de estar em vigor desde 2006, a Lei Maria da Penha caminha a passos lentos em sua aplicabilidade. Somente em setembro do ano passado, órgãos de defesa do gênero de promoção da Justiça conseguiram criar a Rede de Enfrentamento à Violência Doméstica.
O grupo é integrado pela Defensoria Pública, Tribunal de Justiça e a Polícia Militar, que formou a Patrulha da Maria da Penha em atuação em oito municípios.
Conflitos legais
Juíza da Vara de Violência Doméstica de Cuiabá, Tatiane Colombo explica que o projeto de lei se choca com a súmula 536 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que veta a suspensão qualificada de processos em casos previstos na Lei Maria da Penha.
“Eu vejo com muita cautela a proposta”, ela comenta.
De acordo com a juíza, o STJ aponta na súmula a validade da restrição para casos de lesão corporal leve cometidos contra a mulher em ambiente doméstico independentemente da sentença aplicada ao agressor.
“Acredito que a intenção do deputado seja benéfica. Ele quer garantir a punição ao agressor. Mas sua proposta afrouxaria a rede de proteção às mulheres, que só agora começou a ser construída. Construir essa rede é algo muito difícil, depende de reunir vários fatores. Talvez, [a proposta] seja muito moderna para esse momento que estamos vivendo”.
Viés da realidade
O receio aparece no cotidiano da Patrulha da Maria da Penha, uma coordenação de trabalhos da rede de proteção às mulheres sob o comando da Polícia Militar.
A tenente-coronel Emirella Perpétua Souza Martins, coordenadora do grupo, aponta que existe baixo registro de descumprimento das medidas protetivas impostas aos agressores. Por outro lado, a prisão é uma ferramenta necessária como autoridade do Estado.
“Fizemos 321 prisões de agressores, sendo estas, inclusive, por descumprimento de medida protetiva de urgência e casos de violência. Apenas 49 foram por descumprimento de medidas protetivas, ou seja, temos um baixo número de descumprimentos, mas não ficam sem a responsabilização criminal”, ela garante.
A coordenadora diz que o acompanhamento à mulher desde o início do trâmite criminal é necessário pela característica do crime de violência doméstica. Ele começa com agressões psicológicas e encerra, nos casos extremos, com o assassinato.
“Via de regra, a mulher que ainda está vivendo a violência doméstica tem o medo como definição da sua vida. Tem medo de fazer ou deixar de fazer qualquer coisa e ser o estopim para mais um momento de agressões. Medo de tomar decisões e as consequências serem piores (em suas reflexões). Medo de não conseguir a independência financeira e emocional necessária para continuar sua vida longe do ciclo de violência”.
O Código Penal prevê pena mínima de três a seis meses e pena máxima de três anos para os agressores enquadrados na Lei Maria da Penha. Essas condenações, no entanto, se restringem à detenção, o que quer dizer que o condenado cumprirá a pena em regime semiaberto ou em aberto.
Conforme a juíza Tatiane Colombo, a suspensão proposta pelo deputado Emanuelzinho recairia sobre essa parcela.
“Ou seja, teríamos uma fragilização da rede que só agora estamos começando a organizar. Para uma lei desse tipo ter eficácia, é necessário ter uma rede que funcione também para a recuperação do agressor. Mas isso é um problema de saúde que foge da minha competência”.
O que diz o deputado?
O deputado Emanuel Pinheiro Neto argumentou que o pedido de suspensão da pena somente poderá ser feito pelo Ministério Público e teria chancela da Justiça.
O objetivo, conforme o parlamentar, é aplicar medida de punição imediata ao agressor, ao invés de aguardar o julgamento tradicional pelos tribunais.
“A gente propõe punir o agressor nos casos de ameaça e, assim, evitar a letargia da Justiça, que demora muito em julgar e, quando julga, a condenação é para regime aberto, ou seja, o agressor não fica um dia na cadeia. Não vejo por que pode fragilizar a rede”.
Reabilitação
O Senado aprovou nessa quarta-feira (5) um projeto de lei que obriga os agressores de mulheres a frequentar centros de reabilitação e a ter acompanhamento psicossocial.
A matéria foi aprovada na Câmara dos Deputados em novembro de 2018 e, agora, com a aprovação no Senado, vai à sanção presidencial.
O acompanhamento poderá ser feito individualmente ou em grupos. O texto também determina que os agressores frequentem programas de recuperação e reeducação. Os dispositivos serão acrescentados à Lei Maria da Penha.
A reportagem segue tentando contato com o deputado federal Emanuelzinho e sua assessoria.