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Decreto de Bolsonaro: busca por posse de arma de fogo cresceu 34% em MT

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Decreto de Bolsonaro: busca por posse de arma de fogo cresceu 34% em MT
(Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

O primeiro trimestre do governo Jair Bolsonaro (PSL) foi de mais trabalho para o setor da Polícia Federal em Mato Grosso que recebe os pedidos por autorização para posse de armas de fogo. Em comparação com o mesmo período do ano passado, o aumento na demanda foi de 34%.

Enquanto que nos primeiros três meses de 2018 chegaram 257 novos pedidos, entre janeiro e março de 2019, foram 391. O número também aumentou, quase que na mesma proporção (30%), em relação aos pedidos de renovação de registros de armas. Nos três primeiros meses do ano passado, foram 266 contra 380 neste ano.

Ainda de acordo com dados da PF, as solicitações por transferência de registros foram as que cresceram menos, só 11%, passando de 77 requerimentos no primeiro trimestre de 2018 para 87 no mesmo período deste ano.

O aumento na procura também foi sentido pelos instrutores de tiro Marcos Eduardo Ticianel Paccola, que é tenente coronel da Polícia Militar e atua no Centro de Treinamento Tático Força e Honra, e Mayko Nakayama Parreiras, fundador do clube de tiro Pantanal.

Ambos concordam em outro ponto, entretanto: o Decreto 9.685/2019, assinado pelo presidente da República logo nos primeiros dias de seu mandato – que prometia facilitar a aquisição de armas no país, uma bandeira antiga de Bolsonaro e reforçada durante sua campanha eleitoral – não alterou em praticamente nada as regras que já existiam.

“Já havia essa permissão de até 6 armas por pessoa. Você pode ter duas curtas, tipo revolver ou pistola; duas longas, tipo espingarda; e as carabinas ou rifles. Isso sempre foi permitido. O decreto só foi importante para desmistificar. Muita gente que não acreditava que poderia ter uma arma, passou a acreditar”, diz Paccola.

Parreiras vai além. Afirma que as novas regras impostas pelo presidente, em partes, tornaram o processo, na verdade, mais difícil. “Criou mais dificuldades. Agora a população está sendo informada, mas está muito mais rígido do que era antes”, sustenta.

Entre os apontamentos de Parreiras para justificar sua impressão sobre o decreto, ele cita a necessidade – para quem moram com crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência mental – de armazenar a arma comprada dentro de um cofre.

“Aí eu pergunto: se a arma está dentro de um cofre, como eu vou usar ela para defender minha vida ou meu patrimônio? (…) Um produtor rural, como que vai ter um cofre para guardar uma espingarda? Não é um cofre qualquer, tem que ser grande. E como essa arma vai dar condição de defesa? Até a pessoa abrir esse cofre…”, ele critica.

Quem quer comprar uma arma ainda precisa passar por teste psicológico e de tiro com profissional credenciado na Polícia Federal (Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Sem negativas subjetivas

Para o especialista em segurança pública Benedito Gomes Barbosa Júnior, o Benê Barbosa – um dos líderes, durante o referendo de 2005, do movimento pelo voto contra o estatuto do desarmamento –, a única mudança promovida pelo decreto de Jair Bolsonaro foi tirar da subjetividade dos delegados da Polícia Federal a decisão de conceder ou não autorização para determinada pessoa comprar uma arma de fogo.

Pela nova regra, todo cidadão que more em uma área urbana com índice de homicídios superior a 10 para cada 100 mil habitantes – conforme dados do Atlas da Violência de 2018 – tem comprovada a necessidade efetiva de possuir uma arma de fogo.

Uma reportagem publicada no jornal Valor Econômico, em janeiro, apontou que o menor índice registrado é o de São Paulo, que chegou a uma taxa de 10,9 homicídios a cada 100 mil habitantes. Já quem mora em áreas rurais tem a necessidade comprovada simplesmente por viver fora da cidade.

De acordo com a Polícia Federal em Mato Grosso, não existem dados sobre quantos pedidos de autorização de posse de arma foram negados no Estado, seja no primeiro trimestre de 2018 ou no mesmo período deste ano.

A PF informou, entretanto, que desde o novo decreto, as únicas razões para alguém ter o pedido negado são não apresentar todos os documentos exigidos no processo ou estar respondendo a inquérito ou ação penal.

“Continuou sendo um processo caro, demorado, sendo feito única e exclusivamente na Polícia Federal, um problema para as pessoas que não moram nos grandes centros, onde não há delegacias da PF”, critica Benê. “Conversei com vários lojistas [de armas de fogo] e a maioria me disse praticamente a mesma coisa: a pessoa chega lá e, quando vê que continua tudo igual – a burocracia, os valores –, acaba por desistir”, completa.

Barreiras para o treinamento

Paccola percebeu o aumento na procura por compra de armas registrado pela Polícia Federal porque, segundo ele, também cresceu a busca por informação dentro das escolas de tiro. O tenente coronel da PM afirma que a primeira iniciativa de muita gente tem sido procurar por treinamento.

Nesse ponto, Paccola faz mais críticas à “timidez” do decreto do presidente. Segundo ele, existem incoerências entre o que é exigido e o que permitido ao cidadão. O acesso e condições para aprender a usar uma arma adquirida é um exemplo disso.

“Hoje, por exemplo, existe um limite de 50 munições por ano. Isso não dá para absolutamente nada. Em tese, seria a munição de defesa, que precisa ser trocada a cada 6 meses, então, seriam duas cargas de 25 munições a cada 6 meses. Daí surgem as distorções: se fala que quem tem arma, tem que ter treinamento, mas quem tem arma não pode comprar a munição para treinar. (…) É como limitar a gasolina. Você compra o carro e só pode consumir 50 litros de gasolina por mês”, ele exemplifica.

Lei brasileira impõe limite de compra de 50 munições por ano para cada indivíduo autorizado a ter uma arma (Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

O tenente coronel esclarece que para quem ainda não tem uma arma, as escolas de tiro estão autorizadas a fornecer, não só o acesso ao armamento, como toda munição necessária para que essa pessoa aprenda a atirar.

O curso, aliás, é uma das exigências da Polícia Federal no processo de autorização para a compra. Segundo a PF, além de um teste psicológico, a pessoa precisa passar por um teste de tiro. Ambos são válidos apenas se feitos com um profissional credenciado junto à Polícia Federal.

Paccola diz que o problema começa depois que o cidadão já passou por esse processo. Quem já tem arma, segundo ele, além de não conseguir comprar a munição, pode ter que enfrentar uma espera de até 180 dias entre uma autorização e outra para o treinamento. “Não funciona assim: eu acordei e pensei ‘hoje, vou treinar’. Não posso fazer isso. Eu tenho que ter um tempo antes para pedir autorização para Polícia Federal, dizer onde eu vou”.

Já Benê Barbosa defende a existência de “princípios mínimos” a serem cumpridos antes da aquisição de arma de fogo, mas avalia que o treinamento deve ser responsabilidade e surgir conforme haja interesse do comprador, não ser uma exigência do governo.

“Claro que o treinamento deve ser feito, mas ele não deve ser imposto (…). Ele deve ser buscado pela pessoa que optou em comprar. Não pode haver uma imposição nesse sentido porque é muito difícil, se não impossível, definir o que é bem treinado ou mal treinado. Será que é bem treinado um policial – como existem em algumas instituições no Brasil – que vai para a rua com [experiência de] 250 tiros?”, ele questiona e completa: “É obvio que, quem quer ter uma arma de fogo, tem que treinar. O ideal é que treine, mas essa é uma responsabilidade do indivíduo”.

Incentivo à violência?

Também sobre a questão do treinamento, Parreiras faz outra crítica: o uso de alvos com formas humanas para a prática do tiro. Na avaliação do instrutor, que também é especialista em segurança pessoal, a técnica – ainda que inconscientemente – incentiva agressividade em quem está aprendendo a usar a arma.

“Já está induzindo a pessoa a atirar contra outras pessoas. É errado. Como instrutor, sempre questionei isso. Eu não estou aqui para ensinar a atirar em pessoas. Estou ensinando a usar o material bélico. É como se eu fosse um instrutor de auto escola e ensinasse como atropelar alguém. Nós queremos que as pessoas tenham formação, mas não assim”, diz.

Tenente coronel Paccola defende que primeiro passo para quem quer uma arma deve ser a procura por informação e treinamento (Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Benê, por sua vez, sustenta que não existem estudos ou números que indiquem que a facilitação à posse de armas vá significar um aumento nos índices de criminalidade. Ele usa como argumento o fato de que o Brasil já teve uma “legislação absolutamente liberal” e que o volume de crimes, na época, não era superior ao de hoje.

“Isso foi vigente até 1997, quando o porte ilegal de armas não era sequer crime, era uma simples contravenção. Eram milhares, literalmente, milhares de pessoas que andavam armadas. Milhões possuíam armas e, nem por isso, a gente tinha índices maiores do que existem hoje. Pelo contrário, os índices eram bem mais baixos”.

Ele afirma ainda que as pessoas têm buscado comprar uma arma de forma legal e que quem compra armas dessa forma, “via de regra, não comete crimes”. “Essa pessoa sabe muito bem que, com uma arma legal, ela vai ser identificada e punida mais facilmente”.

Papel do governo

Em um ponto, os três especialistas concordam: a busca pelo armamento por parte do cidadão comum tem como motivo a ausência de segurança, que deveria ser fornecida pelo Estado. Nesse contexto, Benê Barbosa pontua que é impossível prever como uma eventual liberação do comércio de armas impactaria nos índices de criminalidade.

“Aqueles que buscam garantir esse direito de defesa do cidadão não fazem isso como uma proposta de segurança pública. O cidadão se armando vai fazer com que a criminalidade diminua? Pode ser. Há estudos que mostram esse tipo de efeito. Mas não é essa a questão. A questão é: nós tivemos um estatuto do desarmamento enfiado goela a baixo, com a promessa de redução dos crimes violentos. Essa promessa não foi cumprida. Se retirou o direito de defesa do cidadão sem, em contrapartida, melhorar o sistema de segurança. Portanto, não é justo, não é plausível manter uma legislação que não cumpre aquilo que prometeu”, ele argumenta.

Para Parreiras, tornar mais fácil a compras de armas legalizadas, no mínimo, deve inibir o contrabando, que financia, em partes, as organizações criminosas. Ele defende, entretanto, que o governo não pode, simplesmente, transferir a responsabilidade sobre a segurança pública para o cidadão.

“Uma pessoa não vai desembolsar de R$ 5 mil a R$ 10 mil para comprar uma arma, se ela não estiver passando por uma dificuldade. Se ele não estivesse com medo, ele compraria outra coisa (…). Em comunidades rurais, por exemplo, as pessoas não aguentam mais registrar boletim de ocorrência. É só estatística e o motivo é o Estado estar ausente. Não consegue nem manter os funcionários, imagine a segurança. Agora, transferir para as pessoas essa responsabilidade?! No mínimo, o Estado deveria qualificar esse cidadão, então”.

Já Paccola avalia que um primeiro avanço é permitir ao cidadão “o direito de escolher ter uma arma ou não”. O tenente coronel faz a afirmação destacando que “hoje só uma pessoa pode escolher ter a arma: o bandido e ele não quer saber se é legal ou não. Ele escolhe o modelo e compra”.

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