Na ausência de Deus, ou de “algum Deus”, ou deuses, que traga(m) unidade espiritual e cultural, é esperado que as pessoas busquem algo que as una, em maior ou menor agrupamento, e alguém ou algo terreno que tomem por exemplo de perfeição; e podem ser levadas à idolatria e ditaduras, se presentes algumas condições necessárias, por pessoas que usem de certas forças para imporem uma ideologia ou “religião” terrena.

Mas como idolatrar um homem ou um arranjo? Na primeira decepção com o primeiro há grande possibilidade de haver suicídio ou comoção em massa (às vezes ambos), e na segunda não é raro “acordarmos” nas piores das ditaduras.

Mesmo os pajens e outros sacerdotes primitivos não eram considerados deuses, nem idolatrados – diferente do que vemos em alguns filmes e outras ficções – e quando algum aspirava a isso, era necessário recorrer ao “chicote” e repressão, geralmente com cenas de terror que incutem muito temor nas pessoas e as obrigasse a idolatrar esses sacerdotes-governantes.

Mas logo eles morriam e, não raramente, o povo comemorava; desconheço um único caso histórico de uma sociedade tribal onde quem exceda o uso da força não seja derrubado e substituído – Friedrich Engels[1] [2]tenta desmontar esse facto histórico, mas seus argumentos são arremedos desconexos das obras Lewis Henry Morgan[3] e mero ad hominem contra o socialista escocês John F. MacLennan[4], de um lado, e a Igreja Católica, do outro.

Bem, se você conseguir oprimir e forçar a idolatria por muito tempo, depois será possível ensinar uma geração inteira a  idolatrar a ti ou uma ideologia desde sempre – não é à toa a onda de “comoção” na Coréia do Norte após a morte de Kim Il-Sung e Kim Jong-Il, ou o conformismo e melancolia na ditadura comunista chinesa.

Isso só se torna possível após o desenvolvimento do Estado Moderno, capaz de concentrar o poder necessário, e da propaganda como ferramenta para a dominação, [forçar o] culto à personalidade, exaltação da mentira, propagação de falsas narrativas no imaginário coletivo-popular e encobrir verdades inconvenientes – seja na Rússia dos Czares ou dos Bolcheviques, diferenciando que os primeiros escondiam tudo que era inconveniente ao czarismo, enquanto os segundos faziam propaganda de narrativas fantásticas e falsas para encobrir suas verdades inconvenientes.

Até mesmo num país formado por tribos é possível se manter pela força, mas precisará sempre recorrer a ela para se manter, não conseguindo incutir a idolatria e o culto à personalidade nas demais tribos, só na sua, após ao menos uma geração no poder; algo inconcebível antes do Estado Moderno, no qual o custo de se manter direitos e deveres sob certa ordem, que respeite as tradições e costumes do povo e não destrua a liberdade, seja pelo excesso ou ausência de repressão, requer plena e eterna vigilância.

Um exemplo disso é o Zimbábue; por mais que Robert Mugabe tente formar um culto à sua personalidade, sempre precisa recorrer ao uso da força do Estado para impor sua vitória nas urnas e se manter no poder.

O mais irônico é que o tribalismo é uma característica da Barbárie e a unidade é da Civilização, mas é a unidade que permite criar o ambiente ao culto à personalidade e manter ditaduras, sem precisar recorrer à repressão militar; fora casos pontuais em locais específicos, como o Holodomor, na Ucrânia.

Digamos que para a estabilidade de qualquer ditadura é necessário manter um aparato estatal capaz de usar de muita força militar, mas os ditadores que conseguem doutrinar a sociedade e criar um culto à personalidade, não precisam recorrer com frequência, apenas pontualmente; e a unidade é condição primordial para tal.

Experiências fracassadas – onde o ditador precisa manter a repressão estatal sem nunca atingir a estabilidade da ditadura; uma ordem artificial -, como a de Nicolás Maduro, na Venezuela, ocorrem pela não observância da estratégia e das táticas, seja por as empregar no tempo errado, ou ignorar as condições prévias necessárias, ou pular etapas; Maduro não soube utilizar do culto à personalidade de Hugo Chávez, tampouco construir o próprio, usando do terrorismo e da força bruta como ferramentas primeiras e contínuas; Nikita Khruschov[5] trabalhou na destruição do culto à personalidade de Stálin, (ré)elevou Lênin, mas fracassou na construção de um culto à personalidade de si mesmo – mas obteve grande vitória na propaganda Soviética, sendo o primeiro a organizá-la com sucesso em escala mundial.

Agora, voltemos ao tribalismo. Enquanto este perdurar numa região, não será possível o florescimento de uma civilização; geralmente haverá vários micro-ditadores ascendendo e caindo com igual velocidade e intensidade, dentro de cada tribo, e conflitos severos por diferenças artificiais e/ou irrelevantes, como o genocídio em Ruanda.

A unificação das tribos num só corpo, no caso, numa cidade, possibilita o desenvolvimento de tradições e costumes comuns e, o mais importante, de uma religião comum; no caso do Cristianismo, que unifica na Pátria Celeste o que está unificado na Pátria Terrena.

Portanto, para que o Homem – ou seja, o Ser Humano – seja o centro da unificação promovida pela via religiosa – como tentado por Maximilien Robespierre [6] [7] -, é necessário que ocorra primeiro a unificação social e, depois, a destruição ou impedimento de evangelização de uma religião civilizadora, substituindo por uma religião que coloque o Homem na escala superior de todas as coisas; um Homem idealizado, que siga um mesmo padrão de atividade em todos os casos, sendo da atividade de governar a tarefa de construção desse “Homem Novo” – os defensores dessa religião tentarão implantar um controle governamental sobre todas as atividades humanas e padronizar a sociedade, enxergando nessa padronização (conjunto de circunstâncias dessa nova ordem) a “perfeição”.

Do século XVI ao XVIII houve o desenvolvimento da “Religião da Humanidade”, por iluministas e renascentistas, sendo seu primeiro estrondo a Revolução Francesa, contudo, encontrou seu aprofundamento teórico às mãos do Liberalismo, sua práxis no Comunismo e seu ápice nas revoluções burguesas e comunistas dos séculos XIX e XX, respectivamente.

O aprofundamento teórico, tendo por guia essa religião artificial, e as estratégias, táticas e política [8] que a buscam, resultaram no que filósofos como o professor Olavo de Carvalho[9] chamam de: Progressismo [a síntese da Religião da Humanidade; o padrão a ser imposto e tido como “perfeição”, construído pelo aprofundamento liberal de um lado e comunista do outro]; Globalismo [responsável pelos meios que serão utilizados através da atividade de governar para impor o Progressismo] e na busca pela Nova Ordem Mundial [o estado de circunstâncias obtido pela imposição do Progressismo através do Globalismo].

*Publicado originalmente na Gazeta Conservadora

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[1] Friedrich Engels (1820-1895) foi um industrial, burguês e filósofo alemão, que junto com Marx fundou o ‘Socialismo Científico’ (Marxismo);

[2] A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, Engels, Friedrich, Editora Escala, 2009, São Paulo, SP;

[3] Lewis Henry Morgan (1828-1881) foi um antropólogo e escritor americano.

[4] John Ferguson MacLennan (1827-1881) foi um advogado, antropologia e etnólogo escocês, com larga influência sobre a escola socialista escocesa;

[5] Nikita Khruschov (1894-1971) foi primeiro-secretário do Partido Comunista da União Soviética entre 1953 e 1964;

[6] Maximilien François Marie Isidore de Robespierre (1758-1794) foi um advogado e ditador francês, tendo governado durante a Revolução Francesa, no período conhecido como ‘O Grande Terror”, quando milhares de franceses foram condenados à morte por guilhotina, por serem considerados “inimigos da revolução”. Ironicamente, o próprio Robespierre morreu guilhotinado por seus colegas revolucionários;

[7] Robespierre tentou impor à França o conceito esotérico de Ser Supremo; o Homem ideal da Religião da Humanidade;

[8] Ler ‘A Religião da Humanidade como novo guia da Política da Fé’, Lacerda Barricelli, Roberto, publicado em Gazeta Conservadora, 05 de Julho de 2019, link http://gazetaconservadora.com.br/a-religiao-da-humanidade-guiando-a-politica-da-fe/;

[9] Olavo de Carvalho (1947-) é um filósofo, escritor, jornalista e professor brasileiro, autor de diversos livros sobre filosofia, história e política, além de organizador do Curso Online de Filosofia. A maior influência do pensamento conservador brasileiro no século XXI.

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