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Cuiabá perdeu 17% de áreas verdes em 30 anos: “é hora de fazer ajustes e requalificar a cidade”

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Cuiabá perdeu 17% de áreas verdes em 30 anos: “é hora de fazer ajustes e requalificar a cidade”
(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Tradicionalmente conhecida como “cidade verde”, Cuiabá perdeu 17% da vegetação de seu território nos últimos 30 anos. Novos loteamentos, obras de infraestrutura e atividades agrícolas desmataram cerca de 55.763 hectares da Capital de Mato Grosso, entre os anos de 1888 e 2017, apenas 10% da história da cidade. O número equivale a cerca de duas vezes e meia a extensão da zona urbana da cidade, ou 714 vezes a área do Parque Mãe Bonifácia.

O estudo faz parte de um levantamento da ONG Instituto Centro de Vida (ICV), realizado a partir de dados de imagens de satélite disponibilizadas pelo Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo do Brasil (MapBiomas).

De acordo com o instituto, o trabalho mostra que o processo de expansão inevitável da cidade ocorre sem planejamento. Dessa forma, lança um alerta sobre o futuro de Cuiabá, que completa 300 anos nesta segunda-feira (8). “O que a gente vai encontrar nos próximos anos? Uma Cuiabá verde ou cinza?”, questiona Vinicius Silgueiro, coordenado do núcleo de geotecnologia do ICV.

Impactos

“Observamos que o impacto se deu de forma expressiva em algumas regiões, especialmente em virtude de obras, como a construção da Avenida das Torres, que liga a avenida Dante Martins de Oliveira ao Pedra 90. Ao fazer todo esse cruzamento, a via proporcionou loteamentos regulares e irregulares”, afirma Vinicius, responsável pelo estudo.

Ele pontua que os loteamentos irregulares tiveram grande impacto em áreas de preservação permanente, como as margens dos rios e córregos. “Os rios Cuiabá, Coxipó e o Córrego do Barbado, por exemplo, foram bastante impactados. Alguns bairros nasceram dessas ocupações, como o Jardim Florianópolis, Jardim Vitória e Renascer”.

Conforme levantamento realizado pelo Ministério Público Estadual, por meio do premiado projeto Água para o Futuro, a maior parte das 180 nascentes identificadas pelo projeto na zona urbana está parcial ou totalmente degradada.

O representante do ICV relacionou ainda a perda de áreas verdes à formação das chamadas “ilhas de calor”. O fenômeno, identificado pela
primeira vez em Cuiabá pela climatologista Gilda Maitelli há quase 30 anos, tem se mostrado cada vez mais intenso nas áreas mais densamente urbanizadas.

Pesquisas realizadas pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em 2019, apontam que Cuiabá possui áreas com temperaturas até 10° C mais quentes. Os especialistas detectam que elas estão concentradas no centro da cidade e em conjuntos habitacionais densamente ocupados.

“A perda de vegetação só acentua ainda mais esse processo. E, além de interferir no microclima urbano, também causa impactos que ameaçam o abastecimento de água da cidade”, ressalta Vinícius.

Obras de expansão, como a construção da Avenida das Torres, resultou em loteamentos regulares e irregulares (Foto: Ednilson Aguiar/O Livre)

Ocupação irregular e “modernização”

Arquiteto responsável por projetar o Centro Sebrae de Sustentabilidade (CSS) de Cuiabá – edificação premiada com o selo de sustentabilidade mais antigo e referenciado do mundo no BREEAM Awards 2018 – José Afonso Portocarrero explica que a Capital sofreu uma “invasão” de populações vindas de diversas regiões do Brasil nos últimos 40 anos.

“Nas décadas de 1980 e 1990, Cuiabá foi uma das cidades que mais cresceu no país por conta da ocupação da fronteira agrícola, que foi uma estratégia de governo. A cidade, no entanto, não estava pronta, do ponto de vista de desenho e estrutura, para receber uma demanda dessa ordem”, afirma o professor da UFMT.

Apesar disso, Cuiabá já apresentava uma infraestrutura básica com hospitais, escolas, maquinários e uma universidade nascendo. Por isso, ela serviu de apoio para todo o contingente migratório no Estado e também nas regiões próximas. “Uma coisa interessante de lembrar é que a ocupação da Amazônia não acontece só pelas rodovias Belém-Brasília e Transamazônica, que foram estradas construídas para isso. Ela passa por Cuiabá”, ressalta Portocarrero.

Mapa de Cuiabá em 30 anos (Imagem: divulgação ICV)

Conforme dados divulgados pelo ICV, a população cuiabana saltou de 103.427 habitantes para 607.153 habitantes nos últimos 50 anos, segundo o IBGE. “Atualmente, segundo dados da prefeitura, há 115 bairros legalmente reconhecidos no perímetro urbano. Neles, mais de 40% das localidades são consideradas como assentamentos informais’. É um universo de mais de 120 mil lotes sem documentação, abertos e ocupados sem planejamento algum, com graves consequências sociais, ambientais e para a administração pública”, diz o relatório.

As ocupações irregulares ainda eram recorrentes quando Portocarrero assumiu a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, durante a gestão do ex-prefeito Dante de Oliveira, que durou de 1992 a 1996. “Esse pessoal buscava um lugar na cidade, que ainda não ofereceria lotes populares, acabavam ocupando áreas, muitas delas áreas verdes. Áreas muito preciosas para nós, mas que foram ocupadas por questão de sobrevivência”, complementa.

Em ano de tricentenário, obras de “modernização” da cidade ainda preocupam estudiosos e ambientalistas. No Centro Histórico de Cuiabá, a Escadaria do Beco Alto perdeu dezenas de espécies de árvores e plantas medicinais e frutíferas, cultivadas espontaneamente pela população, ao longo dos últimos anos. Finalizada a última requalificação no local, uma das cinco reformas previstas pelo PAC Cidades Históricas, o local perdeu seu característico verde de vez.

(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Cidade (ainda) verde e suas potencialidades

Apesar de considerar alarmante ter 17% de áreas verdes já perdidas, José Afonso Portocarrero é otimista quanto às potencialidades da Capital mato-grossense. “Cuiabá continua sendo uma cidade verde. Se você sobe em qualquer prédio mais alto aqui e olha para horizonte, você vê áreas verdes imensas ainda. Perdemos áreas preciosas, temos que entender isso e pensar em recolocar”, afirma o arquiteto.

Para ele, iniciativas de preservação da vegetação foram feitas por parte do poder público, como os parques Mãe Bonifácia, Zé Bolo Flô, Massairo Okamura e o Centro de Eventos do Pantanal. Um programa habitacional para famílias atingidas por uma enchente no Praeirinho teve como contrapartida, a plantação de sementes oferecidas pelo Horto Florestal.

“Tivemos um retorno de 3 mil mudas e centenas de pequenos viveiros para plantar nas beiras de córregos”, lembra o arquiteto. “Cuiabá é uma das Capitais com uma das maiores redes hídricas do país. A cidade tem 21 córregos no perímetro urbano e nenhum deles ainda é córrego. Todos, sem exceção, são canais de esgoto”, ressalta.

Recuperar as margens com mudas, plantas frutíferas, seria um primeiro passo para recuperação das áreas verdes e, mais tarde, ou imediatamente após, desses córregos. “Nós teríamos canais que a gente chama de córregos-parque. Isso impediria que as margens fossem ocupadas e manteria vida ali. São sugestões fáceis, práticas e de custo muito baixo”, afirma Portocarrero.

Para Portocarrero, as margens do Rio Cuiabá e a região do Porto são propícias para o desenvolvimento de políticas de preservação (Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

Nessa perspectiva, a região do Porto, que passa por obras do pacote de comemoração do tricentenário, também seria uma potencialidade. Para Portocarrero, tendo a cidade crescido para o Centro, “de costas para o rio”, deixou a região “sem a pressão” habitacional. “Apesar de todo esgoto que é lançado, se você experimentar um passeio de barco, vai ver que as duas margens do Rio Cuiabá ainda são bastante preservadas. Mas elas se auto preservam, porque recebem poucos cuidados. Talvez isso, facilite a construção de políticas de preservação ali”.

A hora é agora

A Fundação Grupo Boticário realizou um estudo em parceria com a Prefeitura de Curitiba e verificou que o Parque Barigui, o parque mais visitado da cidade, além de todos os benefícios ambientais e sociais, com melhoria da saúde da população, o local traz benefícios para a economia. A cada R$ 1 investido no Parque Barigui, o retorno é de R$ 12,50 para a economia local.

José Afonso Portocarrero é enfático ao afirmar que Cuiabá ainda se encontra em um ponto de equilíbrio. Para ele, a hora de recuperar o imaginário da “cidade verde” é agora.

“Nesses 300 anos, a gente fala muito de obras e festas, mas acho que a data vem mobilizar a sociedade para comemorar mais 500. Atingimos um ponto em que a cidade parou de crescer com tanta força como na década de 1990. Então, é hora de fazer esses ajustes e requalificar a cidade. Recuperar áreas verdes é uma iniciativa dos mais baixos custos e que podem envolver educação. As crianças, por exemplo, são as que mais gostam de plantar”.

(Matéria atualizada às 11h13)

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