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Crianças de quarentena: os desafios de conciliar trabalho e família sem poder sair de casa

Para as crianças é difícil entender. Para os pais, é difícil segurar a barra. Mas o psicólogo Rafael Gomes garante: uma coisa boa pode ser tirada dessa experiência

7 minutos de leitura
Crianças de quarentena: os desafios de conciliar trabalho e família sem poder sair de casa
(Foto: SpiritySol/Ilustração)

Nas redes sociais, os relatos bem humorados sobre o período de quarentena por conta do novo coronavírus apontam que muita gente anda entediada e já sem criatividade para inventar o que fazer dentro de casa.

Mas o que os relatos de duas mães que toparam conversar com a reportagem do LIVRE revelam é que estas pessoas – as autoras dos memes sobre o tédio – não devem ter crianças em casa.

“Todo mundo está se sentindo como uma mãe se sente, na verdade: sem poder sair para festas, equilibrar pesquisa, trabalho, criança chorando, se jogando no chão”.

A reflexão veio de um grupo de pessoas próxima à doutoranda em Antropologia pela UFSC, Jade Alcântara Lôbo, mãe de Nina, que tem um ano de idade.

E se tem mais gente durante mais tempo em casa para ajudar a “entreter” as crianças, ao menos alguém se viu mais aliviado: elas, as mães.

Agora morando com os pais e um irmão, Jade diz que tem mais tempo livre. As tarefas domésticas são compartilhadas por todos e, diante da impossibilidade de sair de casa, a própria antropóloga colocou o pé no freio. “Tenho feito uma coisa por dia”.

Jade Lôbo e Nina (Foto: Arquivo Pessoal)

É ruim, mas tem um lado bom

Psicólogo especializado no atendimento infantil, Rafael Gomes afirma que, apesar de toda a angústia e incertezas que chegam junto com a pandemia do novo coronavírus, o período de quarentena pode se refletir em algo bom para as famílias.

“Podemos aproveitar para reconstruir essa relação”, ele destaca citando, por exemplo, que os pais – que antes trabalhavam fora e passavam muito tempo longe dos filhos – agora têm a chance de conhecê-los melhor.

E se o tempo “extra” de convivência tem resultado em mais conflitos, o psicólogo ameniza: “não é porque a família é problemática ou está disfuncional. Tem mais conflito porque estamos passando mais tempo juntos. Não tem nada de patológico ou de ruim”.

(Foto: SpiritySol/Ilustração)

Usufruir dessa possibilidade é o que tem feito a também psicóloga Ana Regina Ribeiro. Mãe de três e com dois de seus filhos – entre eles Francisco, de 4 anos – ainda morando em casa, ela afirma que a proporção de atenção que dedicava a dois mundos – o trabalho e a família – agora mudou.

Hoje, 70% de seu tempo é dedicado aos filhos. Restam 30% para as atividades profissionais.

“Tenho acordado mais cedo. Quando está todo mundo dormindo, é a hora que consigo fazer uma leitura ou tomar um tempo para algo que eu preciso. Outro momento é quando sei que ele está no mundo dele [de criança]”, explica.

Em outras ocasiões, segundo Ana, vale a estratégia da “negociação”. Eles passam um tempo juntos desde que, em seguida, seja possível se dedicar a outras tarefas. O acordo ensina a responsabilidade para a criança, pontua a psicóloga.

“Quando estou no computador durante o trabalho, ele pega um brinquedo e diz que está trabalhando também e lutando contra o coronavírus”, ela conta rindo.

Francisco, filho de Ana Regina (Foto: Arquivo Pessoal)

Redescobertas

E os pequenos prazeres diários também são redescobertos por quem se permite isso.

“Redescobrimos, por exemplo, uma rede que fica na sacada, mas estava sempre fechada. Ela tem sido o ponto chave dessa quarentena. Todo mundo quer deitar na rede”, diz Ana.

Na casa de Jade, as coisas não mudaram tanto. Ela continua estudando – o que já fazia assim que Nina nasceu – e na companhia da filha ao longo de todos os momentos do dia.

“Ela tem gostado e fica animada também, tem sido uma distração interessante. Nina se envolve nas atividades domésticas, como varrer, limpar as coisas”, ela conta e completa: “No outro dia ouvimos música, cantamos, fizemos bolinho juntas”.

(Foto: SpiritySol/Ilustração)

Segundo o psicólogo Rafael Gomes, envolver a criança com brincadeiras é a melhor forma, inclusive, de explicar o que está ocorrendo no mundo e porque ela não pode sair de casa nesse momento.

E Ana Regina lembra, o ideal é dosar até os momentos de atividade. “Às vezes, a criança só quer que você fique do lado dela para assistir televisão”, explica.

E o trauma?

Conforme Rafael Gomes, é difícil avaliar neste momento que tipo de impactos o período de pandemia do coronavírus pode resultar na personalidade de uma criança.

Apontar para uma geração de pessoas “anti-sociais” ou mais “carentes” que as de hoje porque viveram um período de isolamento social quando pequenas não é algo possível na avaliação dele.

“Em termos de trauma, é traumático para todo mundo: adulto, criança ou idoso porque a gente não sabia que isso ia acontecer”, ele afirma, mas destaca que “em termos de questões psíquicas, de subjetividade, as coisas não só uma relação de causa e efeito. Vai depender de como a gente vai lidar”.

Rafael Gomes compara o período da pandemia com os das guerras, das catástrofes naturais e de ataques terroristas. Segundo ele, todos foram acontecimentos que marcaram a subjetividade das pessoas que os viveram, mas que, no caso do coronavírus, ainda não é possível dimensionar quais serão essas marcas.

E justamente para lidar da melhor forma possível em relação às crianças, Rafael listou algumas dicas:

1. Trate da questão de forma lúdica

Segundo o psicólogo, fazer brincadeiras para explicar o que é o coronavírus e a doença que ele causa ajudam a criança a absorver a informação necessária, sem medo.

A mesma técnica pode ser usada para amenizar o estresse que as crianças podem sentir por que estar dentro de casa. Também para conscientizá-las dos hábitos de higiene – como lavar as mãos – que são necessários com mais frequência.

2. Mantenha uma rotina

Ainda é preciso ter hora para acordar, para comer e para dormir. O mesmo vale para brincadeiras em grupo – com os pais – e sozinho.

Instituir horários para leituras e o estudo também são medidas necessárias que ajudam a manter uma sensação de que a vida segue normalmente, além de preencher melhor o tempo das crianças.

3. Divida tarefas domésticas

Além de fazer a criança desenvolver um senso de responsabilidade sobre o local em que ela vive, a medida é mais uma alternativa para ocupar o tempo que, eventualmente, seria ocioso.

4. Não se irrite

Se seu filho ficar mais agitado e ansioso que o comum, é preciso respirar fundo e tentar compreender que isso é um comportamento típico do momento.

Os pais precisam levar em consideração que atividades externas, como por exemplo, na escola, deixaram de existir e, agora, tudo está limitado a um espaço bem menor.

5. Procure ajuda profissional

Rafael Gomes mantém uma conta no Instagram (Papo sobre Criança) onde tem feito transmissões ao vivo com outros profissionais da área, bate papo com os pais e publicado uma série de informações para quem está de quarentena com crianças.

Além dele, outros profissionais têm contato histórias e desenvolvido atividades que podem ajudar a aguçar a criatividade na hora de entreter as crianças.

E se nada disso tem sido suficiente, no site do Concelho Federal de Psicologia é possível encontrar informações sobre como conseguir atendimento, mesmo sem sair de casa.

 

* A reportagem do LIVRE tentou, mas não encontrou homens dispostos a relatar a experiência de cuidar dos filhos no período de quarentena.

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