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Cooperação multiétnica marca formação de Várzea Grande

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Cooperação multiétnica marca formação de Várzea Grande

A região que teve como primeiros habitantes, os índios guaná e servia de passagem de tropeiros no século 18, começa seu processo histórico de ocupação a partir do avanço da chamada Marcha para Oeste, empreendida pelos portugueses e paulistas que se aventuravam por estas terras. No século seguinte, seu percurso ganha novos contornos a partir de uma decisão política tomada pelo presidente da província de Mato Grosso, o mineiro José Vieira Couto Magalhães, que governou entre os anos de 1867 e 1868.

Homem de confiança do imperador Dom Pedro II e preocupado com a situação de insegurança que havia em Cuiabá diante das notícias que chegavam à capital provincial sobre as atrocidades cometidas pelos invasores paraguaios contra mato-grossenses na região de Corumbá, agiu para conter os ânimos. Temendo que surgisse um conflito entre cuiabanos e os prisioneiros de guerra – o que poderia colocar em risco os esforços para combater os invasores ao território mato-grossense, criou por decreto em 15 de maio de 1867, um acampamento militar que servia de prisão para os paraguaios na margem direita do Rio Cuiabá, de frente com a capital, mas, principalmente, para colocá-los em segurança. A data marca a fundação da cidade que chega nesta terça-feira (15) aos 151 anos.

Quem descortina o processo de fundação da cidade é o historiador José Wilson Tavares, autor do livro “Várzea Grande – História e Tradição”. O paranaense, que vive na cidade e é um estudioso do assunto, conta que o “campo concentração” de prisioneiros paraguaios ficava distante do acesso dos cuiabanos, com um corpo de guarda, para vigiá-los e protegê-los de possíveis ataques dos cuiabanos revoltosos com as práticas dos soldados paraguaios sob o comando de Francisco Solano Lopez.

O governante paraguaio estava à frente de um grande conflito armado que se desenvolveu na bacia do Prata, na América do Sul, travado entre o Paraguai e a Tríplice Aliança formada pelo Brasil, Argentina e Uruguai. Ao final de 1864 Solano determinou a invasão da Província de Mato Grosso. Mas seus soldados encontraram resistência de tropas sob o comando do capitão Antonio Maria Coelho. A guarnição paraguaia foi vencida.

Segundo Tavares, os veteranos de guerra que cuidavam dos paraguaios que moravam em Cuiabá e arredores também foram se estabelecendo pela região várzea-grandense. Mas o clima tenso daria lugar à harmonia.

“As desavenças entre cuiabanos e paraguaios estavam bastante acirradas por conta do comando de invasão à província de Mato Grosso dado pelo presidente paraguaio Solano Lopes. Foi por isso que ele os levou para outro lado do rio. Mas estabeleceu-se um laço de amizade. Segundo a história, ao término da guerra, vários militares já tinham famílias do outro lado do rio, vínculos de amizade e posse e preferiram ficar por lá. Muitos pediram até baixa de suas patentes”, relata. De acordo com o historiador, a cooperação entre caboclos, índios e paraguaios era grande e foi então, que as trocas culturais se intensificaram dando origem às tradições da cidade.

Os guaná, a exemplo, com sua produção artesanal da tecelagem, forneciam redes grosseiras e carne muito apreciados pelos aventureiros da região. Segundo Tavares eles dominavam práticas do abate de gados, a secagem da carne manteada, como era conhecida e produziam peças artesanais, a partir da prática do couro bovino. “Esses produtos caíram no gosto dos aventureiros comerciantes portugueses e paulistas que com suas tropas levavam todo tipo de produtos para o comércio no interior da província e para uso próprio, a exemplo dos ‘panãos’ como fora apelidado pelos aventureiros as peças produzidas pelas mulheres guaná, utilizados para dormir e cobrir o corpo”.

Eles fiavam, teciam e tingiam o algodão em que fabricavam as redes que deram origem às famosas redes várzea-grandenses produzidas ainda hoje na região de Limpo Grande. “Mas é importante ressaltar, é preciso incentivo para que as novas gerações mantenham esta tradição”.

José Wilson Tavares descortina a história de formação de Várzea Grande

Os gados, eram criados na região de Praia Grande, destaca o historiador. E foi então, que os paraguaios, com aptidão no trato da carne, colaboraram com o aprimoramento da manteação, secagem da carne e aproveitamento do couro. É aí então, que nasce a vocação industrial e por consequência, a alcunha de Cidade Industrial, já que as atividades comerciais eram realizadas de maneira bastante marcante no período de sua formação.

Mas foi de fato, na década de 1940, que a vocação industrial ganhou notável impulso. O escritor registra em seu livro que inúmeras doações de áreas, incentivos fiscais de toda natureza e infraestrutura adequada permitiram atrair grandes grupos financeiros. A Alameda Júlio Muller, a exemplo, ganhou ares de distrito industrial instalando-se ali a empresa Sadia Oeste, grande geradora de empregos. E a avenida Couto Magalhães tomou corpo com a concentração do comércio.

E as tradições culturais, Tavares ressalta que também veio da interação entre indígenas, paraguaios, caboclos e brancos. É aí que nasce também, a tradição religiosa. “Ainda hoje o povo várzea-grandense mantém a antiga procissão de Nossa Senhora da Guia, a exemplo. Todos os anos saem em procissão louvando a padroeira do município. Assim também, Nossa Senhora da Conceição é reverenciada em Passagem da conceição. Em Bonsucesso, as festas de santo continuam sendo realizadas, como a do Divino Espírito Santo, São Benedito e São Pedro, herança portuguesa”. Mas o historiador alerta: “como estudioso e entusiasta, preciso dizer que é preciso mais entusiasmo e apoio para que essas manifestações culturais não se percam no futuro”.

Enfim, um centenário e meio de vida tem muito história para contar. E a cada dia, tem mais coisas acontecendo, pois a mesma cidade que outrora servia de passagem para bandeirantes, cujas estradas boiadeiras serviam de caminho, continua cumprindo a tarefa de ser um corredor por onde convergem o passado, presente e futuro. E claro, vale ressaltar, é na cidade-irmã de Cuiabá, que foi edificado um dos mais significativos “portais” de Mato Grosso, o Aeroporto Internacional Marechal Rondon, que segue como ponto de partida ou de chegada, seja para cidadãos que buscam voos mais altos, seja para os que escolhem estas paragens como porto seguro.

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