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Conheça a história do Lambadão: a música em estado de ebulição!

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Conheça a história do Lambadão: a música em estado de ebulição!

“Você já tá indo?”, recebi uma mensagem via WhatsApp. Era Farito, uma das lideranças do grupo de dança Motoqueiros do Lambadão. “Mas tá chovendo, será que rola?”. Calculei: noite chuvosa, sofá, coberta, filmezinho… Mas ele me manda uma foto com os membros do grupo de dança de frente a uma van, a caminho do Galpão, em Várzea Grande, e eu encaro como um ultimato. A mim só resta dizer “sim, claro que tô indo!”.

Arquivo do grupo

Motoqueiros do Lambadão

No lambadão não tem dessas. A sexta-feira é quente e a pista ferve mesmo. Convoco o Xômano Que Mora Logo Alí e lá vamos nós. Chegamos às 23 horas e, mesmo com o chuvisco intermitente, a cada minuto chegava mais gente. Quando adentro o salão – e sem saber a programação da noite -, meus olhos se alegram com o que vejo.

A Scort Som, uma das bandas mais lendárias deste movimento está em palco e, assim, já sei que a noite vai ser boa. Há 26 anos divulgando o lambadão, a banda acaba de inovar. O vocalista, Miguel Santana, conta que no repertório tem também o carimbó cuiabano, que segundo ele é uma recente invenção da banda.

Segundo pesquisadores, o lambadão é uma música híbrida, que resulta da fusão entre a lambada paraense, o ritmo regional rasqueado e o gênero de origem indígena, carimbó. A história começa com os garimpeiros que foram em busca da promessa do ouro nos anos 1970 e 1980 rumo ao Pará e, dada a escassez do minério, voltaram e outros por aqui se estabeleceram, especialmente em cidades ribeirinhas como Cuiabá, Rosário Oeste, Poconé e Várzea Grande. Logo o rasqueado foi adicionado a essas influências, originando um ritmo que não se pode ouvir sem reagir.

Quem vai curtir o lambadão, vai porque gosta, porque ama; outros, porque acreditam que precisam viver esta experiência. Contagiados por tanta alegria, saem de lá com profunda admiração. Os amantes do lambadão vão para ouvir música e para dançar e é empolgante vê-los.

Protásio de Morais

Lambadão

A repórter não conseguiu se segurar!

Entre os pares – que podem ser de homem com mulher, de mulher com mulher e homem com homem – não tem espaço para preconceito, tem gente de físico e talentos diversos. De gente amadora como eu – sim, também ousei dançar o lambadão – até profissionais nesta arte. Tem, ainda, grupos dedicados a se reunir exclusivamente para curtir.

O Motoqueiros do Lambadão, por exemplo, se encontra com esta finalidade. Uma das integrantes, Manu Sousa Conceição, conta que o grupo possui 70 membros. E que existem inúmeros outros. “Não é um grupo de dança tradicional. Saímos para nos divertir. Vamos de moto, locamos van. E tem alguns dias que conseguimos até liberar nossa entrada, como foi hoje”, conta.

No grupo, tem gente de todo lugar. “Hoje, tem quem veio do Altos da Serra, do Dr. Fábio, CPA, Jardim Novo Horizonte e 1º de Março. E a gente vai curtir sempre nas casas mais legais. Lambadão tem de segunda a segunda, mas é de quinta a domingo que ele acontece. E na sexta-feira o povo ferve. E a gente dança de tudo: lambadinha [uma versão mais romântica], lambadão e carimbó”.

Avançando os espaços

O lambadão é um produto musical híbrido, mas acima de tudo um movimento da música independente. Fruto de uma indústria fonográfica da música popular baseada em sistemas não-oficiais de produção e comércio, tem condições de se manter à margem das mídias ditas oficiais. Ele segue naturalmente, rompendo barreiras.

Já possui mais espaço em canais de comunicação, é estudado pela academia e não é mais só trilha de festas populares. A Scort Som – que já está há muitos anos na lida, por exemplo, divide a agenda entre festas de santo, casas de show dedicadas ao gênero e formaturas e casamentos. Além disso, é sempre convidada por programas de TV.

“A banda completou 28 anos. Perdemos a conta de quantos shows já fizemos. Já temos agenda para 2018 para você ter uma ideia”, disse o vocalista da banda, Miguel Santana.

Segundo ele, em todos estes anos, uma coisa mudou. “Antes, a gente tocava mais música própria, agora, tocamos repertório de todos os ritmos na versão lambadeira”. Deste modo, quem vai ao lambadão se sente facilmente ambientado, especialmente porque sabe cantar as músicas e se surpreende com as releituras. “Agora, por exemplo, criamos o carimbó cuiabano, que é um carimbó diferente, um carimbó Scort Som”, diverte-se.

O companheiro de banda declara que o lambadão oportunizou que ele se dedicasse integralmente à música. “Hoje eu me mantenho apenas com as apresentações”, diz o guitarrista Tiago Silva.

O proprietário da casa de shows Galpão, Bino, acompanhou a caminhada de vários grupos e se considera um fã. “O lambadão é um movimento muito forte. Também sou fã do lambadão, eu gosto do que o povo gosta. Aqui no Galpão, toda sexta é dedicada ao lambadão. Pode chegar que tem de quatro a cinco bandas tocando até amanhecer”, divulgou.

Protásio de Morais

lambadão

A pista ferve! Especialmente, por que a dança exige muito fôlego do dançarino

Academia

O lambadão já é alvo de estudos de gradução e pós-graduação e é citado em pesquisas de importantes personalidades nacionais, como Hermano Vianna. Certa vez, em entrevista ao portal UOL, o antropólogo ousou dizer que os movimentos periféricos vão ditar regra nos próximos anos e incluiu o ritmo mato-grossense.

“Assistimos ao nascimento de indústrias de entretenimento popular que já produzem os maiores sucessos musicais das ruas de todo o país sem mais depender de grandes gravadoras e grandes mídias para construir sua rede de difusão nacional. É o caso do lambadão cuiabano. Todas essas músicas são produzidas na periferia para a periferia, sem passar pelo centro. O centro apenas reclama da sua falta de qualidade musical, mas não pode mais usar o argumento de que o povo está sendo enganado por uma indústria cultural hegemônica”, declarou.

O lambadão possui uma lógica de mercado que aposta em meios acessíveis de produção e na gravação de discos com fins de divulgação. A meta é fazer shows. Pouco dinheiro é investido em publicidade e a divulgação de festas é feita não pela mídia dita tradicional, mas pautada pelo boca-a-boca e pela agenda fixa que algumas casas dedicadas ao ritmo já possuem. Mais recentemente, via propaganda gratuita pela internet, apostando nas redes sociais, tais quais Facebook e YouTube.

Pesquisador do movimento, o jornalista Dewis Caldas – que atualmente mora em Portugal – percebeu ao conhecer o ritmo funaná, de Cabo Verde, que o o lambadão guarda similaridades. “O lambadão veio do Pará, pelos ritmos caribenhos da América Central, justamente levados por pessoas que iam da Costa Africana para lá. É incrível como isso possa ter chegado até Mato Grosso”, avalia.

“O lambadão nasce na periferia, mas ganha projeção, é estudado pela academia, ganha selo cult. E vejo que ainda vai chegar o momento em que ele vai se ressignificar. Daqui há alguns anos vai chegar uma geração que vai ter uma forte relação de pertencimento”.

Há tanta análise a ser feita, que os estudos da academia, as reportagens, tudo isso haverá de pautar futuros documentários. São várias as abordagens deste que é um movimento tão amplo e cheio de ramificações.

Segundo levantamento realizado por representantes do lambadão, são mais de 100 bandas e mais de 100 casas em todo o Estado dedicadas a ele, não só na Baixada Cuiabana, como também no Norte do Estado. Nesta sexta-feira, por exemplo, há várias festas programadas em quintais, em casas de shows. Em Várzea Grande tem o Galpão e, em Cuiabá, o Top Fest (na avenida Beira Rio) e a Distribuidora Pyrâmide (Três Barras), para citar três exemplos.

Se você quer se aventurar por este universo agitado e cheio de gente receptiva, é preciso mente aberta e respeito às manifestações populares. Depois disso, basta deixar-se envolver, curtir a música e se jogar na pista.

O Xômano Que Mora Logo Alí nos acompanhou nesta empreitada. Conhecedor do movimento e dançarino de lambadão ele descortina a balada que o LIVRE curtiu em sexta-feira de novembro. Confira:

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