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Conheça a história de amor que começou em um cemitério de Cuiabá

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Conheça a história de amor que começou em um cemitério de Cuiabá
Casal se conhece em cemitério
Sérgio Leal e Silvana Segura: o universo conspirou para o encontro entre o carioca e a mineira, em Cuiabá (Foto: Protásio de Morais)

Há uma crença chinesa antiga que poderia explicar a incrível história que temos para contar. Segundo ela, os deuses amarraram uma corda vermelha nos tornozelos daqueles que estão destinados a se encontrar e a se amar. É o fio vermelho do destino: uma linha invisível que une duas pessoas. Haja o que houver, estejam onde estiverem, elas irão se encontrar.

Pois bem, imagine que, mesmo em meio ao luto, possa haver motivo para sorrir e que o amor também possa florescer daí. Em meio ao cinza das lápides e a grama verde do Cemitério Parque Bom Jesus de Cuiabá, isso aconteceu.

Os personagens desse milagre são o servidor público Sérgio Leal e a agente de viagens Silvana Segura. O universo foi encaminhando o encontro desse carioca e dessa mineira que moram em Cuiabá, de maneira surpreendente. Para Sérgio, vê-la no cemitério foi amor à primeira vista.

O túmulo do marido de Silvana, Claudovino, fica em frente ao de Simone, a falecida esposa de Sérgio. Simone morreu em março de 2013 e, Claudovino, em setembro daquele mesmo ano. Silvana estima que foi “necessário” que quase uma centena de pessoas tenham sido enterradas nesse período para que as fileiras fossem preenchidas e os dois ficassem, inusitadamente, um de frente para o outro.

Era sábado. Sérgio já frequentava o cemitério desde a morte da esposa e passava lá suas tardes, cuidando do jardim e conversando com os amigos que fez por lá, durante todo este tempo. Muitas pessoas aproveitam o fim-de-semana para visitar e cuidar do túmulo de seus entes queridos. Meses depois, Silvana se uniu ao grupo, que se apoia e recebe os familiares que também sofrem a perda e precisam de suporte para enfrentar o luto.

A história dos dois já dura três anos, mas foi no ano passado que decidiram dividir o mesmo teto. E sobre manter o cotidiano de amor e dedicação ao marido e esposa falecidos, eles seguem firmes em suas visitas semanais.

“Havia uma história, havia uma segunda história e agora, temos uma terceira”, diz Sérgio. “Descobri que a teoria da alma gêmea não explica eu ter tido duas almas gêmeas”, completa ela.

Combinado o horário da entrevista, cheguei à casa dos dois. Ele me aguardava pontualmente no horário marcado em frente ao portão. Ela estava dentro da casa, mas minha presença lá era uma surpresa. Mais uma das declarações de amor de Sérgio: “Amor, ela é jornalista e veio aqui para ouvir nossa história”. Silvana se emocionou. E eu também, durante as duas horas em que ouvi o relato desta história surpreendente de um homem e uma mulher realmente apaixonados.

A história dele

“Simone era uma mulher inabalável, cheia de amor, força e uma suavidade peculiar. Passávamos o tempo todo juntos”, relembra. Foram 20 anos de um amor incondicional. Certa vez, Simone o surpreendeu com um pedido: “Que você nunca fique longe de mim, nem na hora da minha morte”, relembra Sérgio. Ele respondia, “mas é claro, você sabe que sou onipresente”, ainda que nunca pudesse imaginar que isso de fato aconteceria.

Como se essa história já não tivesse elementos dignos de um filme, Sérgio conta que Simone morreu em sua cama, numa alusão a um momento íntimo dos dois. Nessa hora, eram um só corpo. “Pude ver nos olhos dela o momento de sua partida”. Simone foi vítima de uma morte súbita. Um ataque fulminante causado por uma arritmia cardíaca.

“Tentei agir de forma serena, assim como ela agiria. Mas a dificuldade de aceitar fez com que eu exigisse um esforço descomunal da equipe médica que nos atendeu. Foram seis injeções de adrenalina para tentar reanimá-la, quando normalmente só uma é utilizada. E assim, eu a vi ser levada do quarto, da casa que construímos, para um caixão”. Era dia 8 de março, o dia em que faleceu uma das mulheres mais fortes que ele já conheceu nesta vida.

A história dela

A família de Silvana mudou-se para Figueirópolis D´Oeste (MT) quando ela tinha 9 anos. Acompanhando as irmãs mais velhas nos dias de encontros dos trabalhos escolares, viu Claudovino, que estudava com uma delas, pela primeira vez. Nascia um amor de infância que durou 29 anos, até que a morte os separou. O romance passou por grandes adversidades quando eles ainda eram jovens.

Ela precisou voltar com a família para Minas Gerais e, quando retornou a Figueirópolis, ele estava morando em Cuiabá. Namoraram por carta e por telefone. Na época era preciso ir a um posto telefônico para realizar as ligações. Mas quis o destino que eles vivenciassem grandes coisas, como a chegada dos três filhos e uma nova vida em Cuiabá.

No ano de 2013, a família de Silvana passou por um grande baque. O sobrinho de 17 anos, filho da irmã Francisca, falecera vítima de lúpus. Companheira, ela passou por todo o processo, da doença à morte, ao lado da irmã.

“Havia me afastado um pouco, pois minha irmã e meu sobrinho necessitavam do meu apoio. Um mês depois de o Léo [o sobrinho] ter falecido, meu marido também se foi. Enquanto Léo ainda estava doente, ele começou a apresentar sintomas da pneumonia. Foi algo inesperado, porque ele tinha uma saúde de ferro. Voltei à rotina dos hospitais, mas brevemente. Logo Claudovino faleceu, vítima da H1N1. À época, o caso foi abafado para não causar pânico à sociedade, que se preparava para receber os jogos da Copa do Mundo em Cuiabá”, relembra.

“Na última vez que o vi na UTI, vi uma lágrima descendo de seus olhos. O médico disse que era impressão minha, mas era como se ele soubesse qual seria o seu destino”, conta Silvana, emocionada.

A história dos dois

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Logo que o esposo faleceu, Silvana buscou um consolo na visitação ao túmulo dele, em cuidar daquele pequeno território que guardava seu corpo, até que a vida lhe sorriu de novo.

Diz o mito do fio vermelho que, mesmo que a pessoa do outro lado da linha seja encontrada, não quer dizer que vai ser fácil ficar com ela. Silvana lembra que foi muito difícil aceitar as investidas de Sérgio. “Ele foi muito gentil, cavalheiro, é um romântico inveterado, ele é o personagem da música do Roberto ‘Este cara sou eu’”, diverte-se ela. “Mas era impensável para mim envolver-me com alguém de novo, ainda mais com a morte tão recente do meu marido. Eu sentia que isso era como uma traição”.

Já Sérgio, logo depois que a esposa morreu, teve que tocar a vida. “Sou uma pessoa muito prática. Afinal de contas, tinha muitas responsabilidades, pessoas que dependiam de mim. Eu tive que me reerguer, mas sem nunca abandonar a ternura por Simone”, declara.

Para ele era um bálsamo encontrá-la no cemitério aos sábados, onde ele passava suas tardes. “Para mim, este é um lugar de paz”.

O carinho foi crescendo e as investidas aumentaram, mas sem qualquer retribuição de Silvana. “Eu estava fechada”. Até que um dia, os dois se encontraram em um shopping da capital, justamente na mesma região que trabalhavam e eles mal sabiam que andavam sempre tão perto. Ele pediu o telefone, ela deu. Mas não respondia às suas mensagens.

Foi então que ele criou um blog só para ela, o Silvana Dama de Vermelho, em que publica suas poesias especialmente criadas para a amada. Ele mandou apenas uma mensagem, pedindo que ela visse o site. Toda quinta-feira tem poesia nova, religiosamente.

“E a partir daí, quando fui ouvindo mais a minha irmã, passei a me abrir mais para isso. Começamos então a namorar e toda quinta-feira ele ia me buscar com flores para me entregar”, diz Silvana.

Logo viriam a constatar também que Francisca (em foto ao lado do casal na galeria), irmã de Silvana, já conhecia Sérgio das missas na Catedral. A propósito, se você for assistir a uma missa lá, vai ouvir o nome do sobrinho Leonardo Eufrásio e de Claudovino Segura nas intenções. Todos os dias eles são lembrados.

“A impressão que eu tenho é que Claudovino e Simone abdicaram de suas vidas para que nós dois pudéssemos nos encontrar”, supõe Silvana.

Hoje, Sérgio e Silvana fazem tudo juntos. Dividem a família, a casa, o plantio no jardim, viajam juntos, correm juntos. Acima de tudo, amam-se muito, como nunca imaginavam poder amar de novo.

“É uma nova chance que a vida nos deu”, diz ela.

Ainda há muito para este amor viver. Mas eu pergunto se eles já estariam preparados para uma nova perda. Sérgio responde: “Vamos todos nos encontrar e vai haver harmonia. Estaremos sempre próximos uns dos outros”.

Nós já não duvidamos de mais nada.

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