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Como será a arte pós-pandemia?

A humanidade encontrará na beleza um remédio para aliviar a crise?

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Como será a arte pós-pandemia?
(Photo by Igor Miske on Unsplash)

O atual cenário no qual vivemos tem suscitado nas pessoas uma gama de reflexões; foi somente diante dessa realidade que muitos passaram a pensar sobre aspectos perenes da natureza humana, tais como a dor, a insegurança, a fragilidade e até mesmo a morte.

É natural que momentos como este nos façam refletir sobre os valores fundamentais da vida  e nos impulsionem às indagações: como será o mundo a partir de agora? Quando passar essa crise voltaremos a enxergar as coisas com o mesmo olhar de antes?

Dentre todos os aspectos que envolvem a vida humana, pretendo refletir sobre a arte, sob a justificativa de que ela, naturalmente, é um reflexo da própria vida. Desde os primórdios, tem manifestado sua presença na ação cultural do homem. É fruto do pensamento humano, consequência do momento histórico em que foi produzida e expressão autêntica da cultura onde está inserida.

Arte e filosofia

Por meio da arte, podemos chegar à visão de mundo do homem em qualquer momento histórico, de modo que, se compreendermos a arte egípcia, conheceremos o pensamento do homem egípcio; se compreendermos a arte renascentista, compreenderemos o homem renascentista e assim por diante.

A arte é condicionada por seu contexto e pelo intelecto do artista que a produz; logo, podemos afirmar que a arte e a filosofia caminham juntas e, sendo assim, é possível interpretar a arte – no âmbito filosófico – como um símbolo representativo de uma ideia filosófica.

Em suma, a arte é uma forma simbólica da própria realidade humana, e diante disso é fácil compreender o momento artístico atual que vivemos: ora pairando na banalidade, ora mergulhando na loucura, ora navegando para o passado para encontrar sentido numa beleza há tempos esquecida.

Voltemos, porém, à questão fundamental: como será a arte pós-pandemia? A história nos ensina que a arte produzida a partir de momentos penosos para o homem sempre foi uma arte de qualidade.

Já na pré-história, quando o homem sofria a instabilidade da vida nômade – antes ainda de ter desenvolvido a agricultura e pecuária – acabou, em consequência, produzindo uma arte admirável, conhecida como rupestre, cujos registros mais famosos se encontram nas cavernas de Lascaux e Altamira.

Passada a pré-história e estabelecidas as primeiras civilizações, podemos observar, através da arte, como uma vida pautada em aspectos culturais elementares (filosofia, religião e ciência) geraram na antiguidade uma arte sólida, cuja beleza transpassa os séculos e nos encanta até os dias de hoje.

Obras como Parthenon, Pantheon, as pirâmides, ou mesmo as esculturas naturalistas egípcias e gregas não podem ser produzidas por uma sociedade movida por paixões e modismos passageiros, no seio da qual os sentidos se alimentem de sensações efêmeras, que vêm e vão, escapando como areias ao vento.

Busca histórica

No decorrer da história, assistimos à incansável busca do homem pela beleza e pela verdade. Nessa esteira, emergiram admiráveis obras: peças musicais, igrejas, quadros e palácios, todos produzidos por artistas geniais; contudo, surpreendentemente, nos nossos dias (em que podemos afirmar ter o homem alcançado seu ápice existencial), mesmo com grandes avanços tecnológicos e científicos, assistimos, atônitos, a um declínio da arte.

Ela parece não mais carregar aquele sentido epistemológico que deu origem a seu próprio signo (palavra); essa deriva do grego techne e do latim ars. Ambos os termos remetem a habilidade e técnica; porém, o que a atualidade “moderna” nos oferece são músicas pobres, estereotipadas, com sons repetitivos; edifícios acinzentados, sem vida, padronizados; quadros confusos, que não nos transmitem mais a sensação da beleza.

Isso reflete perfeitamente o momento que vivemos: o mundo contemporâneo tem criado pessoas acomodadas, massificadas, que repudiam o que é duradouro e idolatram o que é passageiro.

Contudo, a pandemia nos fez parar, desacelerar; e, se muitas vezes caímos no comodismo exatamente pelo ritmo frenético da vida (cujas toneladas de informações e estímulos não nos permitem pensar), agora assistimos ao homem olhando para o seu interior, refletindo sobre suas ações.

A beleza é o remédio

A meu ver, esse momento pode e deve modificar o modo de produzir e apreciar a arte. Torço para que, nesse sentido, a beleza volte a ser o objetivo central da arte, beleza essa que, como nos ensina Roger Scruton, tem um valor tão importante quanto a verdade.

Roger Scruton também salienta que o caos e o sofrimento são aspectos que sempre existirão na humanidade, que encontrará na beleza um remédio para aliviar essa condição.

Em suas palavras: “A beleza da obra de arte traz consolação na tristeza e afirmação na alegria”. Sendo assim, espero que a arte possa olhar para seu passado com orgulho e alegria, vislumbrando orientar seu futuro, para que (quem sabe um dia) possamos ver cumprir-se aquela famosa “profecia” de Dostoiévski: “A beleza salvará o mundo”.

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Referências bibliográficas

GILSON, Etienne. Introdução às artes do belo – O que é filosofar sobre a arte? Tradução: Érico Nogueira. São Paulo: É Realizações 2010.

HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. Tradução: Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

MARTINS, Fagner da Silva. A música como apresentação simbólica da Sapiência em Hugo de São Vitor. Dissertação(mestrado), UFMT – 2019

SCRUTON, Roger. Beleza. São Paulo. Editora: É realizações. 2013.

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