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Colisões na Coalizão

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Colisões na Coalizão
(Foto: Marcos Corrêa/PR)

O presidente Jair Bolsonaro distribuiu pessoalmente, via WhatsApp, um vídeo que relembra a facada que tomou em campanha e convoca a população para uma manifestação contra o Congresso Nacional, no dia 15 de março.

A mensagem aconteceu uma semana após o general Augusto Heleno, secretário do Gabinete de Segurança Institucionalem um audio vazado defender as mobilizações contra o congresso.

Esses fatos revelaram uma forte crise institucional entre os poderes, reacendendo o debate sobre relação entre os poderes, presidencialismo de coalizão,liturgia do cargo, ameaça ao estado de direito e até golpe de estado.

Toda essa celeuma ocorre porque Bolsonaro vetou um projeto aprovado no Congresso Nacional que institui o orçamento impositivo, destinando em 2020 algo em torno de 30 bilhões de reais ao congresso nacional para atender emendas parlamentares.

Basta ressaltar que essa medida pode virar um efeito cascata sob os demais podereslegislativos estaduais e municipais. Na base do problema temos a governabilidade e a chamada coalizão política.

Apenas dois presidentes na história republicana brasileiraobtiveram maioria orgânica no Congresso: Marechal Dutra que elegeu a maioria das cadeiras do parlamento da base de filiados do seu partido PSD de 1946-1951 e JuscelinoKubitschek 1956-1961 porque conseguiu uma aliança forte entre PSD/PTB. A base dos demais presidentes sempre foram gelatinosas.

Pelo menos cinco ex-presidentes na história mais recente deixaram a vida pública durante o mandato por falta de governabilidade no parlamento: Getúlio Vargas que suicidou em 1954, Jânio Quadros que renunciou em 1961 e João Goulart que afrontou o congresso e levou um golpe que implantou o semi-parlamentarismo e na sequência a Ditadura Militar em 1964 depois o congresso fez o impeachment de Collor em 1992 e Dilma em 2017. Todos esses ex-presidentes no afã de driblar a falta de governabilidade tentaram mobilizar as massas contra o congresso e se deram mal.

Diferente de Bolsonaro, todos presidentes anteriores formaram o governo com os aliados através do chamadoloteamento dos cargos e distribuição de emendas.

Essacomposição é legítima numa democracia e a ciência política chama essa articulação de presidencialismo de coalizão.

O Brasil é um dos países do mundo moderno com sistema presidencialista mais forte e centralizado nos aspectos políticos e orçamentários. A Constituição de 1946 e de 1988 atribuiu prerrogativas quase que autocráticas aos presidentes.

O executivo no Brasil, por exemplo, possui mais poderes do que os presidentes norte-americanos. No Brasil ele pode vetar partes de uma lei, ao contrário da constituição norte-americana, que exige do presidente a aprovação ou veto à lei como um todo. Esse veto parcial possibilita uma interferência grande no jogo legislativo.

As duas Constituições de 1946/1988 permitiram ao presidente a apresentação de mudanças legislativas chamadas de projetos de iniciativas do executivo, diferentemente dos Estados Unidos, onde esta é uma iniciativa exclusiva do Legislativo.

A constituição cidadã permite ao executivo tomar decisões unilaterais sobre temas que em tese dependeriam da autorização legislativa através da jaboticaba chamadamedidas provisórias, com vigência de até 120 dias.

Nosso presidente, tem ainda, uma autonomia maior no processo orçamentário do que o chefe de estado estadunidense.

O congresso brasileiro, não pode incluir programas ou projetos que não estejam previstos no orçamento apresentado pelo executivo, nem pode autorizar gastos que excedam os recursos orçamentários.

Em apenas uma situação os presidentes dos EUA tem mais poderes que no Brasil, pois para derrubar um veto é necessário aprovação com 2/3 nas duas casas legislativas, no Brasil é mais simples, pois a constituição de 1988 definiu para a derrubada do veto precisa apenas de uma votação de maioria simples em sessão conjunta.

Mesmo tendo sido 28 anos de parlamento e com tanto poder e facilidades, o presidente Bolsonaro ainda tem muitas dificuldades de construir a coalizão com parlamento. Porvários motivos: pela próprio perfil autoritário do presidente; aumento significativo de partidos políticos no sistema multipartidário que causou uma pulverização das forças políticas no legislativo, dificultando negociações e acordos nas votações; porque as vezes os interesses escusos de alguns parlamentares não se coadunam com do executivo em tempos de lava jato, mensalão e petrolão. Basta lembrar o modus operandi para obtenção de consenso no congresso desde a proclamação da república em 1889 até 2018 pelo menos.

O senado nessa legislatura teve a maior fragmentação de sua história chegando a 21 partidos com assento e  na câmara que tinha 19 partidos representados  em 2001 alcançou o recorde de 30 siglas em 2019.  Em compararão com o modelo norte americano e ingles o sistema é o bipartidarismo.

Pra agravar um pouco mais esse quadro instável de governabilidade, os dirigentes partidários e líderes das bancadas nos colégios de lideres em regra não têm ascendência e controle sobre suas bancadas e a infidelidade partidária rola a solto.

No Brasil os deputados em geral estão mais vinculados aos interesses paroquiais de suas bases eleitorais e a todo tipo de fisiologismo do que a qualquer orientação partidária. 

Esse é o ponto, o orçamento impositivo tem como finalidade ampliar o espaço político do parlamento em relação ao executivo e garantir os interesses dos governadores sobre os recursos das emendas parlamentares e sobre o orçamento da união.

A aprovação de um orçamento impositivo é uma manobra da classe política em busca de recursos, entregas e resultados nas suas bases eleitorais e uma iniciativa para atender governadores e prefeitos nos estados que estão falidos num ano eleitoral e com escassez completa de recursos públicos. Efeito também do desmantelamento das propinas e mensalões que sustentavam os partidos e os consensos no parlamento.

Como Bolsonaro abriu mão da coalizão na composição do governo, cargos e ministérios, restou o poder da caneta na liberação das emendas de acordo com as votações no congresso. Com essa moeda de troca Bolsonaro tem conseguido aprovar a maioria dos seus projetos encaminhados para o parlamento.

Caso o Congresso derrube o veto, o caminho para uma certa autonomia legislativa se consolidaria, pois  deputados e senadores não precisarão se arrastar com pires na mãos de porta em porta em Brasília atrás do executivo para atender suas emendas.

E os maus intencionados ávidos por caixa 2 terão acesso garantido as emendas pra negociar a vontade com alguns governadores e prefeitos a troco das taxas de retorno, essência do mecanismo da compra de votos, afinal o hábito que faz o monge.

O congresso tem como papel constitucional ser os freios e contrapesos do executivo no seu formato clássico, mas na prática, as relações patrimonialistas e de corrupção temcorroído essa finalidade.

A raiz do problema no entanto, não está no final na instituição Congresso, nem nos parlamentares (eleitos legitimamente) e sim no seu começo, no eleitorado em geral que tem baixa escolaridade e vota desqualificadamente em inúmeros fichas sujas, bandidos ou em políticos novos que já nascem velhos.

O que me espanta as vezes é ver que muitos dessesrevoltados com Congresso que divulgam campanhas difamatórias na rede, muitas vezes são os mesmos que exigem alguma vantagem para votar nas eleições.

Essa é nossa moral invertida, nossa verdade tropical autoritária, onde a culpa é sempre dos outros, e o espaço da rua e da casa se confundem – o público e o privado, razão pela qual o grande historiador brasileiro Sérgio Buarque de Holanda afirmou em 1936 que “a democracia no Brasil é um grande malentendido”. Será?

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