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Ceramistas de São Gonçalo lutam contra a desvalorização da arte manual

A "resistência" hoje conta só com sete artistas e falta interesse dos jovens e condições para os antigos para transmitir a tradição

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Ceramistas de São Gonçalo lutam contra a desvalorização da arte manual

Com registros desde a pré-história, foram em peças de cerâmica que muitos povos inscreveram e eternizaram sua cultura e trajetória. Em formas e suportes variados – utilitárias ou decorativas -, expressaram suas crenças, personagens e cotidiano.

A gênese da cultura mato-grossense também foi moldada nesses termos quando, em um dos mais tradicionais e antigos bairros da Capital, o São Gonçalo Beira Rio, a tradição da cerâmica artesanal ganhou forte impulso.

O início da “escola de cerâmica” de São Gonçalo se deu após a queda da produção de açúcar no Estado, na década de 1930.

Símbolos da comunidade

Vasos, moringas e outras peças utilitárias da cozinha faziam parte do cotidiano de seus moradores e costumavam ser comercializadas no Porto de Cuiabá, saindo de canoa da comunidade ao outro ponto da cidade.

Seus símbolos, como a viola de cocho e santos, além de personagens, como boiadeiros e pescadores, também foram reproduzidos no barro, retratando o dia a dia da comunidade.

E, assim, tornou-se fonte de sobrevivência de muitas famílias que moravam à beira do Rio Cuiabá. Mas nos dias atuais, os ceramistas consideram que há uma desvalorização da arte manual.

Falta incentivo

Dona Alice é uma das artesãs que resistem na contemporaneidade; ela está preocupada com o futuro da tradição cuiabana

Dona Alice de Almeida, moradora da comunidade, avalia ser urgente que a tradição seja repassada às futuras gerações. Mas vê dificuldades, pois falta animação cultural e incentivo do poder público.

“Para nossa cerâmica não morrer, a gente tem que ensinar as pessoas. Mas para você manter uma oficina, você tem de ter um recurso para manter as ceramistas dando suas aulas”, salientou.

A artista que começou a fazer as primeiras peças aos 10 anos, via as ancestrais. “Minha avó e minha mãe trabalhavam com cerâmica, foi então que eu comecei a aprender”, recordou.

Cada vez menos artesãos

Hoje, Dona Alice está à frente da Associação dos Artesãos do São Gonçalo Beira Rio e ceramista.

A comunidade conta com uma loja, a Casa dos Artesãos. Ela é gerida pela Associação e recebe trabalhos de sete ceramistas que ainda vivem na comunidade.

E para manter a estrutura funcionando, Dona Alice explicou que criou, junto a outros artistas, um coletivo de ceramistas. O objetivo é conseguir melhorias para a loja e para o artesanato local, alavancando apoio de órgãos públicos.

Mas, atualmente, o grupo só acompanha a desvalorização dos saberes tradicionais.

Valorização cultural

“O meu trabalho está ajudando. Eu faço cerâmica, né?! Mas o que eu quero é ajudar, para gente valorizar o que a gente tem e manter essa cultura que vem de quase 300 anos”, relatou sobre sua função de presidente da Associação.

A loja é mantida pelos próprios ceramistas, mas cada vez mais artesãos têm abandonado a cerâmica. “Hoje, são apenas sete”.

Além de ser uma expressão artística, a cerâmica é uma fonte de renda. “E também é uma forma de resistência da cultura mato-grossense, do povo ribeirinho refletir sua singularidade”, arremata.

A Casa dos Artesãos, na comunidade São Gonçalo Beira Rio, fica aberta todos os dias, das 9h às 17h.

* Mylena Leite Machado é estudante do 2º semestre de Jornalismo na Universidade Federal de Mato Grosso

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