Os internautas contadores de histórias provavelmente já se depararam com publicações do grupo Cuiabá de Antigamente nas redes sociais. No Facebook, a plataforma pauta veículos de comunicação, é fonte de pesquisas e reúne mais de 60 mil pessoas interessadas nas mais curiosas histórias da cidade. Seu principal administrador é um caçador de histórias nato que vem compartilhando com os membros suas descobertas sobre o universo da cuiabania.

O grupo já era fonte do LIVRE. Lá, a reportagem encontrou gancho para contar a história de um matador de taxistas, do Robin Hood cuiabano, de uma das primeiras transexuais a assumir seu gênero, Jane Fonda, além de histórias de carnavais de outras épocas. As pesquisas desta última promoveram um de nossos encontros com Francisco Chagas. No Arquivo Público, ele folheava jornais antigos ao canto da sala, sem pressa ou pauta. Na ocasião, nos contou que a situação já faz parte de sua rotina.

Francisco tem 48 anos e é natural de Cruzeta, no Rio Grande do Norte. Veio à Cuiabá há 33 anos atrás, encontrar o irmão que veio antes – trabalhar na construção da BR-163, durante a década de 70. Atualmente, ele restaura de pisos de madeira de patrimônios materiais, como a Casa dos Governadores, o Sesc Arsenal, a Casa do Artesão e até o quarto que hospedou o Papa João Paulo II em sua visita a Mato Grosso.

Após sua entrada no “Cuiabá de Antigamente”, ele faz o mesmo com a memória da cidade, preservando e reconstituindo o patrimônio imaterial, ao alimentar o espaço com conteúdo próprio – junto à sua fundadora do grupo – “conduzindo aquela multidão”. Ao grupo, Francisco dedica boa parte da sua rotina a administração. “Eu uso mais o celular, então estou sempre olhando, mas para respondeu e interagir é mais a noite”, explica.

O aparelho apita a todo momento e ele está sempre atento às notificações.

– Você sempre foi uma pessoa conectada?

Ele responde que desde que a internet surgiu explora a ferramenta, mas a paixão por antiguidades já vem de década. “Eu tinha loja de antiguidades aqui no Centro, comprova e vendia móveis antigos. Foi um curto período de 2000 a 2004”, revela.

Além das pesquisas nas redes, as postagens na comunidade online são resultado de pesquisas na Biblioteca Nacional online e no Arquivo Público. Nestes espaços ele gosta de pesquisar jornais de época. “Os jornais te dão dicas para ir atrás de determinados assuntos”, explica. Seus preferidos são a revista “Violeta”, a primeira idealizada e realizada por mulheres em Cuiabá, e “A Cruz”, mídia católica que circulou por mais de 50 anos na cidade, onde Jejé de Oya já foi colunista mesmo com sua homossexualidade sempre assumida.

Mas Francisco garante que a maior parte de seu conhecimento é adquirido a partir de conversas com pessoas antigas. “Utilizo muito da oralidade”, ressalta. Assim ele também acumula um acervo pessoal de documentos, fotos e livros antigos.

Pela sua curiosidade aguçada, uma história leva a outra, como quando entrevistou um dos primeiros jogadores de futebol a assumir sua homossexualidade. Ele contou a Francisco sobre sua mãe e assim o pesquisador descobriu a primeira parteira da cidade. Aliás, personagens são suas grandes paixões e localizar pessoas desaparecidas é sua maior especialidade, que faz com que Francisco seja reconhecido e procurado no próprio grupo. “Eu gosto de fazer o bem ao próximo”, afirma.

Jacildo pelo Acervo Cuiabá de Antigamente/Viviane Rebeca

Além da própria sobrinha, desaparecida a 27 anos, Francisco encontrou Jacildo, músico que liderou uma das primeiras bandas de rock cuiabano de projeção, a Jacildo e Seus Rapazes, no auge do iê-iê-iê dos Beatles, durante a década de 60. O paradeiro do “astro” foi motivo de um grande mistério na Cuiabá de ares provincianos, gerando boatos de que o músico gerenciava um bar na Guiana Francesa.

Foi nas redes sociais que Francisco localizou Jacildo na Venezuela. Recentemente, sua publicação foi citada pelo companheiro de banda, Neurozito, em seu livro “A Música na Década dos Conflitos – A Sina de um Músico e a Trajetória de Uma Banda”, recém-lançado.

“Eu o localizei, conversei com ele diversas vezes e quando ele morreu, eu que noticiei também aqui em Cuiabá. Joguei o nome dele na internet, encontrei um processo onde uma pessoa solicitava a aposentadoria dele lá na Venezuela. Descobri que essa pessoa era a filha dele, localizei ela no Facebook e fiz contato”, explica sua tática stalker já conhecida por governos locais.

Governador e ministro da Educação da época, junto ao primeiro reitor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), durante sua inauguração

O prédio onde entrevistamos Francisco, a Casa dos Governadores, hoje é sede da Comissão Estadual dos 300 anos de Cuiabá, da qual ele faz parte, convidado também pelo reconhecimento de sua atuação no grupo da internet. “Em toda reunião eu sou chamado para falar disso”, conta.

“Essa comissão tem um grupo especifico que está catalogando as famílias pioneiras de Cuiabá. O primeiro taxista, a primeira parteira e com isso será feito um livro”, explica Francisco que também usa o grupo para ajudar nas pesquisas.

Francisco agora quer reunir as histórias descobertas em suas pesquisas e matérias de seu acervo pessoal. Diferente da maioria dos contadores de histórias, Francisco é um homem de poucas palavras e muita ação, já tentou cursar História e usa técnicas jornalísticas.

– Você gosta mais de ouvir ou de contar histórias?
– Ah, eu gosto mais de ouvir. Eu ouço e não esqueço mais”.

Acervo Francisco Chagas

Cuiabá de Antigamente

“A função do grupo é não deixar morrer a história de Cuiabá, aproximar as pessoas. Antes da criação desse grupo você só podia ver essas informações e fotos antigas se fosse a um museu né? Esse espaço é como se fosse um museu online”, resume Francisco.

Tudo começou em 2016, quando a funcionária pública Viviane Rebeca, residente em Santa Catarina, criou o grupo até então familiar. Ela e os parentes alimentavam o grupo com fotos da infância e de Cuiabá. “Até que um foi adicionando o outro e criando toda essa dimensão, o povo foi gostando e começaram a participar”.

Com a expansão, a ideia já é levada para o interior do Estado. Francisco tomou a iniciativa, criando um grupo para Rosário Oeste, Poconé, Várzea Grande e Nobres com quase seis mil membros, quase a metade da população da cidade. Este, é um sucesso.

Francisco possui um acervo pessoal de imagens raras; na foto, Filinto Muller, esposa e neto, horas antes de sua morte em um acidente de avião

“Lá virou um ponto de encontro da cidade, pessoas de fora que nasceram lá, mas moram muito longe e usam aquele espaço para rever as pessoas da infância, momentos agradáveis que vivera, ali. Para as cidades pequenas é muito interessante esse tipo de grupo”.

O grupo é voltado a divulgar as origens da cidade, suas personagens e hábitos antigos cotidianos. Ele conta que com a quantidade de membros, 60 mil pessoas, o grupo de Cuiabá as vezes até foge do controle. “Tem gente que publica propaganda, muitas mensagens de bom dia, boa noite”, brinca.

São oito moderadores fazendo o controle. “Agora vem esse período da política e não sei como vai ser, acho que a gente vai ter que ter um controle de tudo que for público ter nossa autorização, se não vai ter muita propaganda política e vai virar uma bagunça”, explica.

Quantas notificações vocês recebem por dia? As vezes mais de mil. Por dia? Por dia, as vezes adiciono cento e tantas pessoas em uma pancada.

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