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Big Brother: Teu vizinho não te vê

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Big Brother: Teu vizinho não te vê

Teu vizinho não te vê, mas outros te veem. Muitos outros. E eles sabem de cada coisa!

Em 1993 ainda era possível surpreender-se. A bela Sharon Stone era vigiada por câmeras ubíquas, instaladas por William Baldwin no prédio onde ambos moravam.

Como um deus que tudo vê, ele vigiava tudo. Em vez de “Deus me vê”, a frase clássica sob o famoso triângulo com um olho no meio, “Eu te vejo”.

O cinema, o vídeo e a televisão devem muito à literatura. Não é grande novidade. A literatura chegou ao inconsciente antes de Freud e dos outros psicanalistas. A filologia também, mas este é um assunto mais complexo para ser tratado em espaço tão curto.

Invasão de Privacidade retomou o clássico personagem de George Orwell, Big Brother, figura solar do romance 1984, publicado em 1948!

A frase “Big Brother is watching you”, assim ambígua, pode significar que o Grande Irmão cuida de ti e também: o Grande Irmão te vigia.

Mas, se antes todos temiam o Big Brother, agora as coisas parecem de ponta-cabeça. Milhões de pessoas buscam olhar ─ melhor ainda se forem olhadas ─ os outros, vigiá-los, acompanhar cada pedaço do dia de suas vidas.

A prova dos nove? Os milhões de telespectadores do programa homônimo da TV Globo, logo imitado por outras emissoras com nomes diferentes, mas sempre com o propósito solar do Big Brother original e do filme Invasão de Privacidade.

Há uma legião de voyeurs e voyeuses. Sim, as mulheres também são multidões no prazer de espiar a vida alheia e talvez tenham antecedido os homens nesse particular.

Vivemos hoje na mídia, ao lado dessa patologia, uma outra de proporções igualmente alarmantes, a da confissão. A televisão e as redes sociais transformaram-se em gigantescos confessionários.

São imperdíveis retratos de nossa modernidade. Agora todos querem se mostrar. E há olhos por todos os cantos, vendo tudo, à frente de ouvidos, que tudo ouvem.

E o cérebro, propriamente? Bem, parodiando Cesare Pavese, o escritor italiano de Lavorare estanca (Trabalhar cansa), pensar também cansa.

Cansado de combater o fascismo, que o pôs atrás das grades, Pavese suicidou-se em Turim em 1950, aos 42 anos, inconformado e desesperado com os rumos de seu país no após-guerra.

Bom mesmo é olhar! E olhar sem que o outro te veja, eis a chave do sucesso dessas permitidas e autorizadas invasões de privacidade.

A porta está aberta. Entre e olhe, depois de pagar a taxa. Você não será visto! A impunidade está garantida. Será? Já se instalam câmeras em televisores para que sejam avaliadas as reações dos telespectadores. Na maioria deles as reações são as mesmas de uma alface ou de um repolho.

Enquanto isso, na mesma sociedade que parece tudo vigiar, como mostram as multas de trânsito, inumeráveis crimes continuam sem solução, ao contrário do que ocorria em Invasão de Privacidade.

Deonísio da Silva, da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Brasileira de Filologia, é Doutor em Letras pela USP, professor e Diretor do Instituto da Palavra, na Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro. É autor de dezenas de livros, entre os quais De onde vêm as palavras e Avante, soldados: para trás (Prêmio Internacional Casa de las Américas). Na companhia do jornalista Ricardo Boechat, apresenta Sem Papas na Língua, na Rádio Bandnews Fluminense

 

 

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